O estilista manauara Maurício Duarte está expondo, na capital amazonense, algumas peças da sua última coleção “Piracema”, apresentada na 57ª temporada da São Paulo Fashion Week (SPFWN57). Indígena do povo Kaixana, Maurício traz em seu trabalho peças repletas de ancestralidade e cultura do Norte.
O Mercadizar visitou a exposição, que acontece até o dia 15 de junho na D.Space, e bateu um papo com o artista, que explicou sobre suas inspirações, os trabalhos manuais envolvidos na criação das peças e a colaboração com o designer Carlos Penna.
#MercadizarEntrevista: Maurício Duarte
O trabalho de Maurício Duarte carrega com sensibilidade conceitos voltados à cultura e à valorização do Norte do país, mostrando que a moda pode comunicar nossa identidade e nossas origens.
“Acho que, pelo fato de ser daqui, não tem como não falar daqui. Esse tempo em São Paulo me fez entender que sempre posso voltar para casa e me conectar mais. Sempre descubro um pedaço de algo que significa muito, não só para a nossa cultura, mas também para mim, enquanto pesquisador e estilista. Falar sobre Piracema, sobre tramas, sobre igarapé, é trazer toda essa realidade nossa para o imaginário das pessoas fora de São Paulo, que não entendem que esse é o nosso cotidiano.”
O artista explicou como surgiu a inspiração do conceito escolhido para guiar a coleção “Piracema”:
“Piracema, na língua Tupi-Guarani, é a subida dos peixes, o momento da desova. Estamos falando de prosperidade e da resiliência necessária para migrar de um lugar para outro e crescer enquanto espécie. Acho que somos uma constante Piracema. Nossa vida é essa metamorfose; precisamos dessa caminhada para realmente nos desenvolver. Acredito que não consigo me desassociar das coleções. Elas sempre falam sobre um processo, um tempo que estou vivendo, e falar de Piracema é entender que a água me movimenta para essa fluidez. Fazer isso com os tecidos e trazer isso para a coleção, desenvolvendo com outras artesãs e designers, como Carlos Penna, é, para mim, conectar esse meu universo.”
Carlos Penna é o designer responsável por algumas peças de “Piracema”, de um trabalho desenvolvido em conjunto com Maurício Duarte. O designer contou ao Mercadizar como foi essa parceria:
“Foi maravilhoso! Eu vim a Manaus há um ano, já conhecia o Maurício e me encantei com vários materiais daqui. Então, foi um desenvolvimento muito colaborativo: Maurício vinha com algumas ideias e eu apresentava outras, desde os metais das roupas até os acessórios. E ficou um espetáculo”, explicou Carlos Penna.
As matérias-primas utilizadas em “Piracema” também se conectam com a realidade amazônica. Entre alguns itens escolhidos para compor a coleção estão escamas de pirarucu, fibras de arumã e tucum, sementes de açaí, entre outras. Com diferentes texturas, os materiais interagem com as peças produzindo fluidez e movimento.
“Durante a faculdade, em 2017, eu já tinha feito um trabalho com escama de pirarucu e tricô em fio de tucum. Foi um projeto único e acabou não evoluindo para um desenvolvimento maior. Retomando essa pesquisa e trabalhando com uma artesã, a Flor Silva, voltamos a utilizar a matéria-prima da escama de pirarucu. O interessante é que a escama de pirarucu não é tão utilizada quanto a pele de pirarucu. Ela é um subproduto que quase não tem um destino além de acessórios. Trouxemos a escama para o vestuário, aplicando-a em bordados, crochê de fio de algodão e combinando com fio de tucum e outros materiais. A escolha da matéria-prima segue muito o que eu já utilizo normalmente: algodão 100%, linho e, agora, agregando também as fibras naturais a esse processo.”
Maior visibilidade ao Norte
Recentemente, a atriz amazonense Isabela Catão vestiu uma das peças de “Piracema” durante o Festival de Cannes, evento internacionalmente reconhecido como uma das referências do cinema mundial.
Maurício Duarte conta como é ver o seu trabalho e de outros artistas do Norte ganhando espaço e visibilidade.
“Eu acho que agora estamos tendo visibilidade, mas já fazíamos isso acontecer há muito tempo. Eu trabalho com moda desde 2011. Minha mãe é artesã e já vinha desse lugar dos processos manuais, porém não tínhamos a visibilidade que temos hoje. Portanto, já rompemos fronteiras e barreiras há muito tempo. Agora somos vistos com respeito. É depois que você participa de um desfile numa semana de moda reconhecida que as pessoas acham que você chegou naquele lugar, mas essa caminhada já é antiga. Acho que alcançar pessoas é importante, mas também é importante dizer que essas barreiras já vêm sendo rompidas há muito tempo, quase uma década, se considerarmos de 2012 a 2024. Vestir a Isabela Catão na França, no Festival de Cannes, é entender que o próprio Amazonas, naquele momento, negligenciou a ida dela para Cannes. Como artistas, nos olhamos e entendemos que nos fortalecemos mais do que se esperarmos que alguém nos valorize. O artista que sofreu para chegar ao seu lugar entende que, se hoje ele não sofre mais por isso, ele pode ajudar outro. Acho que é dessa forma que nos comunicamos.”
*O Mercadizar não se responsabiliza pelos comentários postados nas plataformas digitais. Qualquer comentário considerado ofensivo ou que falte com respeito a outras pessoas poderá ser retirado do ar sem prévio aviso.