Thaís Andrade; 15/12/2022 às 11:00

O streaming mudou a forma como consumimos

Com novas possibilidades oferecidas pelas plataformas, o consumo de entretenimento via streaming está cada vez mais rápido

Assistir a filmes e séries não envolve mais ir a uma locadora e escolher obras em DVD para levar para casa, ou esperar o filme favorito aparecer entre as programações de TV tradicionais. A popularização das plataformas de streaming e a nova forma de distribuição de conteúdo afetou a forma como acessamos e consumimos produtos audiovisuais de entretenimento. 

A distribuição digital das produções tornou possível abrirmos mão de produtos físicos como DVDs, CDs e fitas VHS, e passou a ser menos dependente dos circuitos de cinema, abundante em opções e barata para os usuários, proporcionando o acesso quase ilimitado a obras presentes nos vastos catálogos das plataformas de streaming, que ganharam grande espaço entre os consumidores de filmes, seriados, música, programas de TV, entre outros. 

A acessibilidade possível graças ao baixo valor dos serviços foi peça-chave para o aumento das assinaturas dos planos oferecidos, que ainda proporcionam outras vantagens, como praticidade e acesso fácil e rápido às obras. 

Em matéria do Jornal da USP, o professor do curso superior de Audiovisual da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, Rubens Rewald, fala sobre as mudanças causadas pelo streaming no consumo de filmes e séries. Segundo Rewald, há cerca de dez anos atrás, os filmes (longa-metragem) ocupavam o lugar de produto audiovisual mais consumido, mas atualmente quem vem predominando o espaço são as séries, principalmente entre as gerações mais jovens. Basta ter um celular em mãos e acesso à internet, e, caso seja desejo do consumidor, muitas plataformas já oferecem as opções de download para consumo off-line.

Estar desprendido de uma grade fixa de horários, como acontece com a programação de TV aberta, dá maior liberdade de escolha e consumo aos usuários, sendo este o principal diferencial do streaming. Emissoras tradicionais passaram a ser menos atrativas ao público, ainda que a TV aberta continue sendo um dos principais meios de comunicação. Aliás, muitas emissoras nacionais já adotaram o streaming para oferecer aos telespectadores mais opções de entretenimento, incluindo diferentes pacotes de serviços.

Consumo acelerado

Dentre todas as mudanças causadas pelo streaming, uma se destaca: o consumo imediatista. Com poucos cliques é possível ir direto ao ponto e consumir exatamente o que se deseja, quando e onde preferir. Os consumidores agora são mais autônomos e ditam seu próprio ritmo, controlando o que é, ou não, interessante de se consumir. 

Pausar um conteúdo, retomá-lo quando desejar, acelerar a velocidade de reprodução, avançar ou voltar entre as cenas, pular a abertura, assistir ao próximo episódio: tudo é oferecido ao usuário para que a experiência seja cada vez mais adequada à sua preferência. Tais facilidades possibilitaram novos hábitos e tendências, e fizeram surgir comportamentos como o binge-watching e o speed watching, mudando a dinâmica entre velocidade e quantidade de obras assistidas.

O binge-watching é o famoso “maratonar”, que consiste no consumo em sequência de muitos episódios, ou conteúdos. É o consumo por um tempo prolongado e de uma só vez: episódio atrás de episódio, em maratonas que se repetem a cada novo título adicionado aos catálogos.

Segundo Luiz Felipe Baute, autor do artigo “Interfaces seriadas”, os modelos de distribuição de temporadas completas de séries funcionam como estímulo para o binge-watching. De acordo com o artigo, durante a pandemia, houve um aumento significativo do consumo audiovisual por conta do isolamento social, de modo que o binge-watching se tornou um fenômeno intensificado durante o período. O autor afirma ainda que “a popularidade que as plataformas de streaming possuem hoje tende a se ampliar cada vez mais, tornando-se, talvez, a forma hegemônica de produção e distribuição de obras audiovisuais”.

A interface, o algoritmo de recomendação e as listas de mais assistidos são algumas das ferramentas próprias dos streamings para manter a popularidade de títulos e personalizar o catálogo de cada usuário, com o objetivo de que este permaneça mais tempo conectado ao serviço.

Outra ferramenta oferecida pelas plataformas é a de alterar a velocidade de reprodução de determinado conteúdo, o que vem sendo adotado por diversos usuários e provocando o chamado speed watching, que consiste em assistir uma produção audiovisual em ritmo acelerado.

De acordo com matéria da BBC News Brasil sobre o assunto, o speed watching tem relação com o atual contexto social marcado pelo intenso fluxo de informações na internet, no qual “as pessoas se veem impelidas a consumir em pouco tempo a maior quantidade de conteúdo possível. Isso pode levar à chamada síndrome de FOMO, sigla do inglês ‘fear of missing out’: aquele medo desesperado de perder alguma coisa frente a uma avalanche de dados”.

A ferramenta de alteração de velocidade gera críticas, já que pode descaracterizar obras, impactando o sentido das falas dos personagens, das cenas e da trilha sonora, e o entendimento das informações presentes nas obras.

Além disso, o ritmo de imagens e ações construídas ao longo do roteiro moldam as características de um produto audiovisual. O uso estratégico do tempo é, também, uma das técnicas cinematográficas. Imagine uma cena delicada e romântica entre dois personagens apaixonados em um filme dramático ser acelerada em duas vezes. Certamente a dinâmica da história se perderia em meio à pressa de quem está assistindo.

E a música?

Além do mundo cinematográfico, o streaming também provocou mudanças no mercado e na produção musical, influenciando o modo como escutamos música e como os artistas buscam estratégias para lançarem obras no meio digital.

A forma de consumo no streaming, tanto de cinema quanto de música, é ainda muito influenciada pelos algoritmos dessas plataformas. Playlists prontas e rankings de popularidade de obras, entre outros, podem tanto fazer com que o usuário permaneça na bolha criada pelo próprio sistema quanto que experimente a vasta quantidade de obras do catálogo ou da biblioteca.

Obras como álbuns de música, por exemplo, passam por uma nova dinâmica de consumo com os streamings de música. Isso porque, assim como acontece nos streamings de cinema, as novas plataformas de música levam ao consumidor uma vasta lista de opções, possibilitando que o consumo ocorra de acordo com sua preferência. Assim, um dos comportamentos mais comuns é a diminuição de álbuns: agora, os usuários podem escolher músicas específicas de uma obra para ouvir a qualquer momento e em qualquer ordem, caracterizando o consumo fracionado.

Um fato que também chama a atenção é a possibilidade de ouvir as músicas em modo aleatório, o que passou a receber críticas dos compositores. Em 2021, um pedido feito por Adele ao lançar o álbum “30” teve bastante repercussão: a cantora solicitou que o Spotify retirasse o botão de modo aleatório de sua interface, para que a ordem de reprodução das faixas não fosse alterada e os usuários pudessem ouvir as músicas sem que a obra como um todo fosse descaracterizada.

Segundo matéria do Jornal da USP, a popularização dos serviços de streaming também fez surgir um fenômeno conhecido como “audição ansiosa”, que consiste em “um padrão de comportamento em que as pessoas escutam apenas músicas de curta duração”. A estimativa apresentada é que “os usuários não escutam músicas com mais de 2 minutos e 30 segundos de duração”, sendo esta uma característica também causada pelos atuais fluxos de informação.

Outra moda recente no mundo da música é a criação de versões ou remixes acelerados, movimento que recebeu o nome de sped up music. O jornalista musical Guilherme Guedes, em conteúdo publicado em sua conta no Instagram, explica que “essa é uma tendência que ganhou muita força na música em 2022: a de acelerar em 25% tanto sucessos já conhecidos quanto novos lançamentos”.

As versões aceleradas ganharam popularidade por causa do aplicativo de vídeos rápidos TikTok, onde viralizam e rendem remixes de todos os gêneros musicais, publicados em plataformas de streaming como o Spotify. 

Guilherme destaca ainda a curiosidade de que são as versões aceleradas das músicas que viralizam, e não as originais. O jornalista afirma que, apesar de estar ganhando força recentemente, esse tipo de produção musical não é exatamente novo, pois surgiu nos anos 2000, batizado de nightcore, e era inicialmente um tipo de música eletrônica acelerada, que influenciou o surgimento de novos gêneros musicais.

Streaming e publicidade

A publicidade no audiovisual também foi afetada pelo streaming, ao mudar a forma de divulgação de anunciantes, patrocinadores ou marcas parceiras das produções.

De acordo com o artigo “Streaming e sua influência sobre o audiovisual e o product placement, de autoria de Mariana Silva e Felipe Dall’orto, os principais fatores que levam os consumidores a escolherem plataformas de streaming são a qualidade dos conteúdos, a autonomia proporcionada e a inexistência de intervalos comerciais. A partir deste último fator, o artigo traz o conceito de product placement para o centro da discussão sobre as novas formas de produção de conteúdo geradas pelos serviços de streaming.

O product placement é uma estratégia adotada para “respeitar o espaço que o consumidor tem, não interrompendo seu entretenimento, diferente dos intervalos comerciais, e indo além de uma simples propaganda. A marca constrói vínculos com os personagens da trama, na qual essa prática gera um mercado em que o consumidor possui afinidade com a empresa e torna o consumo acessível a todos”.

Ou seja, as produções voltadas para o streaming passam a contar com uma espécie de peça publicitária que é inserida na narrativa dessas produções a partir de personagens, por exemplo. Marcas e produtos são inseridos em episódios de séries, compondo cenas e sendo consumidos ou acessados de forma sutil pelos personagens.

O produto passa a fazer parte do roteiro, ou do contexto da cena, tornando comum o envolvimento de marcas com enredos de histórias. Para os autores do artigo, o product placement traz “novos modos de consumir e distribuir conteúdo de entretenimento” ao serem presença constante em conteúdos originais das plataformas, já que nos streamings não há o tipo de publicidade tradicional explorada pelas emissoras tradicionais.

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