Ariel Bentes e Isabella Botelho; 28/03/2020 às 09:00

Saúde mental no mundo digital

A profissão traz desafios que podem comprometer a saúde mental de criadores de conteúdo

A ideia de ser chamado de influenciador digital, fazer publicidade, receber mimos e ser convidado para diversos eventos parece a melhor das realidades. Essa vida, inclusive, é o desejo de milhares de crianças. A pesquisa The Harris Poll, conduzida pela Lego com três mil crianças de 8 a 12 anos de idade, mostrou que elas têm uma probabilidade três vezes maior de preferirem ser um youtuber (29%) a um astronauta (11%), por exemplo. 

O que pouca gente sabe é que a profissão traz desafios que podem comprometer a saúde mental: ânsia pelo sucesso e um looping constante de eventos e viagens que escondem a exaustão e o burnout que a falta de privacidade e os algoritmos alimentam. 

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 9,3% da população brasileira sofre com a ansiedade, sendo o país com o maior número de pessoas que convivem com o transtorno. Pensando na Internet e em suas plataformas, o Instagram é uma das principais redes sociais do mundo e também é a que mais prejudica a saúde mental dos usuários. A Squid, empresa especializada em marketing de influência, realizou uma pesquisa com mais de 2.400 influenciadores e constatou que, para 78% dos entrevistados, o Instagram causa ansiedade. 

A micro influenciadora manauara Amanda Monteiro entende bem o impacto negativo das redes sociais na saúde mental de criadores de conteúdo. “Eu tenho transtorno de ansiedade e preciso sempre me adaptar e dar pausas para não me sobrecarregar e agravar minha saúde mental. Comecei na Internet falando sobre esses autocuidados, sobre o quão problemáticas as redes sociais podem ser e mexer com a nossa saúde. Meu público é bem tranquilo e procuro ser sempre franca sobre as sobrecargas, como estou lidando com isso e que está tudo bem desacelerar às vezes”. 

As redes sociais viraram um livro aberto, através do qual é possível acompanhar a vida de muitas pessoas, mas em especial de influenciadores como Raphaella Moura. A influencer manauara, que já soma mais de 300 mil seguidores no Instagram, é uma das mais procuradas para parcerias e trabalhos com marcas regionais e nacionais. Ao mesmo tempo em que o público gosta de acompanhar o dia a dia dos criadores de conteúdo, cada vez mais se fala do impacto da falta de privacidade que a exposição causa na vida dos profissionais. Muitas pessoas acreditam que, pelo fato de a Internet ser um local de trabalho, os criadores de conteúdo têm a obrigação de revelar detalhes de suas vidas pessoais. “As pessoas precisam entender que o que nós compartilhamos é só uma pontinha do que é a nossa vida real. Tem coisas que não precisamos falar e não somos obrigados. Mesmo que sejamos pessoas públicas, ainda temos essa escolha”, afirma

Além da falta de privacidade, esbarramos também na exagerada quantidade de críticas que as profissionais recebem diariamente. Pelo fato do trabalho estar diretamente ligado à exposição da imagem nas redes sociais, muitas pessoas acreditam que têm passe livre para criticar seus corpos, o que vestem, comem e como vivem suas vidas. O anonimato e a falsa sensação de impunidade estimulam que os usuários das redes sociais se sintam “confortáveis” para compartilhar pensamentos ofensivos

Infelizmente, vivemos em uma sociedade que normaliza e, o pior de tudo, incentiva a rivalidade feminina. Isso se reflete muito nas redes sociais: uma informação difícil de digerir é que muitos dos comentários negativos são feitos, em sua grande maioria, por mulheres. Mesmo vivendo em uma onda global feminista, que prega união acima de tudo, nós, mulheres, ainda temos empatia apenas pelas nossas iguais. 

Talita Costa, Karen Mabel e Raphaella Moura (Foto: Iana Porto)

Com o intuito de ajudar aqueles que sofrem com a depressão e não possuem condições financeiras para custear uma consulta com um psicólogo, em agosto de 2019, a influenciadora Karen Mabel, no ramo há cerca de seis anos, fez um post no Instagram com uma lista de sete locais que oferecem atendimento psicológico gratuito em Manaus. Na época, o post viralizou e teve mais de oito mil compartilhamentos e atingiu mais de 120 mil pessoas. 

Karen, que costuma falar sobre depressão e ansiedade nos stories do seu perfil no Instagram, conta que além de lidar com as cobranças do público, também é preciso enfrentar a autocobrança, um grande inimigo de quem cria conteúdo para as redes sociais. “Me cobro um pouco para manter a criatividade sempre ‘viva’. Não é fácil. Quem cria conteúdo para Internet precisa se reinventar sempre, acompanhar as tendências, mudanças de algoritmos das plataformas, absorver muita informação, pesquisar… Requer dedicação, sabe? Nem todo mundo que começa, consegue levar adiante, porque percebe que não é algo simples como pode parecer.”

Para lidar com o excesso de trabalho e informação, por exemplo, Talita Costa, influenciadora e modelo, aponta o planejamento como uma das alternativas essenciais em sua rotina de trabalho. “Eu uso uma tabela semanal para me programar pois assim consigo ter controle. Eu sei que algumas pessoas têm vários problemas de saúde por causa desse trabalho e eu procuro limitar meu tempo de uso do Instagram, por exemplo”, afirma.

Além disso, Talita diz que gosta de levar alegria às pessoas através da Internet. “Eu acredito que nós já vivemos num mundo tão cheio de maldade e não custa nada levar um pouco de alegria às pessoas. Mas também é normal algumas coisas ruins acontecerem e nós compartilharmos. Eu tento lidar com isso da maneira mais natural possível e mostrar, de alguma forma, que a vida não é perfeita”. 

Para quem está do outro lado da tela, é fácil acreditar que a vida de uma influenciadora parece perfeita. 

A remoção do número de curtidas

Como resposta às críticas do impacto negativo do Instagram na saúde mental das pessoas, a empresa decidiu remover, no ano passado, a visualização do número de curtidas em fotos e vídeos em sete países, incluindo o Brasil. Aqui, são mais de 50 milhões de brasileiros que acessam pelo menos uma vez por mês a rede social, segundo dados do Facebook (que é dono do Instagram desde 2012). No mundo inteiro, são mais de 1 bilhão de acessos mensalmente. 

“Acredito que esconder os likes foi um suspiro de alívio para muitas pessoas. Involuntariamente, nós nos comparamos com outras pessoas. Seres humanos são assim né?  Uma corrida onde quem tem mais números parece estar vencendo, quando na verdade não, é real. Vi muitos amigos que usam seus perfis como diversão falarem que se sentem mais livres para postar o que gostam sem medo de ‘flopar’ justamente por não ter mais tanto um ar de julgamento como antigamente. É assim que deve ser, usar essa ferramenta da melhor forma”, afirma Amanda Monteiro. 

A atitude da empresa gerou grandes discussões entre os influenciadores e profissionais da comunicação, mas para a psicóloga Délia Peixoto, o número de curtidas do Instagram reforçava o sentimento de comparação entre as pessoas, pois era uma maneira de elas observarem de forma superficial o quanto as suas publicações estavam sendo vistas. “O fato de não evidenciar mais essa informação não é, a meu ver, o que mais importa. O mais importante é criar um mecanismo de busca de autoconhecimento e reconhecimento emocional que torne possível que influenciadores digitais não se sintam esvaziados ao não causarem o “furor” que pretendiam ao compartilharem alguma informação. A possível ‘rejeição’ do mundo digital não pode sobrepor as qualidades e características de melhoria que possuem, independente da reação que estão provocando”, disse ela. 

A verdade é que, hoje, o like não passa de uma métrica utilizada pelos contratantes para medir o engajamento e o resultado da contratação de um influenciador. Muitas pessoas entram em uma busca implacável por ele e esquecem que, por trás de fotos e poses instagramáveis, somos todos seres humanos. Um like não define quem você é. Você não pode – nem deve – colocar sua saúde emocional em jogo por conta dele, como afirma Raphaella Moura.  “O like não vale uma noite mal dormida, uma crise de ansiedade, uma cobrança exacerbada e não vale a sua saúde mental ser colocada em jogo”. 

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