Uma pesquisa coordenada pelo Instituto de Ciências Biomédicas (ICB5) da USP em Monte Negro, Rondônia, revelou que entre 70% e 80% dos morcegos capturados estavam em áreas urbanas ou periurbanas.
O fenômeno é reflexo da destruição de habitats naturais devido ao desmatamento e às mudanças climáticas na Amazônia, que têm forçado esses animais a migrar para mais perto das cidades, segundo o professor Luís Marcelo Aranha Camargo.
“Os morcegos encontram abrigo em sótãos e galpões abandonados e acesso a alimentos graças à iluminação pública, que atrai insetos”, explica Camargo.
A pesquisa, financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), apontou um potencial risco à saúde pública. Ectoparasitos encontrados nos morcegos testaram positivo para bactérias como Rickettsia, associada à febre maculosa, e Bartonella, que pode causar febre das trincheiras e anemia febril aguda. Embora não tenham sido registrados casos de transmissão para humanos, o professor Camargo reforça a importância do monitoramento constante para prevenir impactos maiores.
Ao longo de 25 meses, os pesquisadores realizaram capturas mensais em diferentes áreas com o uso de redes de neblina e buscas ativas. Os morcegos foram examinados por métodos não invasivos, e os ectoparasitos removidos foram analisados em colaboração com instituições como a Fiocruz, o Instituto Butantan e a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Além disso, amostras de sangue dos animais estão sendo estudadas para a detecção de patógenos como protozoários do gênero Leishmania.
Outro foco da pesquisa é a leishmaniose visceral canina na região de Monte Negro. Testes rápidos realizados com 450 cães revelaram que entre 15% e 20% deles tinham anticorpos para Leishmania chagasi. Esses cães podem atuar como hospedeiros, transmitindo a doença para humanos por meio do mosquito-palha, detalha o professor Camargo. Já foram coletados 102 flebotomíneos, atualmente em análise molecular para confirmar se estão infectados.
Os pesquisadores também pretendem expandir o estudo para a transição entre a Floresta Amazônica e o Cerrado, onde ecossistemas raros podem abrigar espécies ainda desconhecidas de morcegos e parasitos. Camargo destaca o papel ecológico essencial desses animais, que ajudam no controle de pragas, na polinização e na dispersão de sementes. Ele ressalta que apenas 5% das espécies são hematófagas; a maioria consome frutas, néctar ou insetos.
“Embora no Brasil não tenhamos morcegos raposas-voadoras, nossa preocupação é entender se espécies locais podem ser afetadas pelo vírus”, afirma Camargo.
O estudo ainda investiga possíveis infecções de morcegos com variantes do SARS-CoV-2. Essa pesquisa, realizada em parceria com o Ministério da Saúde e o Instituto Butantan, visa prever potenciais surtos e é um exemplo da urgência em preservar a saúde pública frente ao avanço das mudanças ambientais.
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