A publicidade evolui para incluir questões sociais e culturais, mas enfrenta o desafio de representar comunidades indígenas de forma autêntica, evitando apropriação cultural
A publicidade, tradicionalmente focada em promover produtos e serviços, tem evoluído para incluir questões sociais e culturais, buscando engajamento e uma conexão mais autêntica com o público. Nesse contexto, campanhas que destacam causas e comunidades têm se tornado cada vez mais comuns, refletindo uma demanda por representações mais diversificadas e inclusivas.
Arte: Mercadizar
Edinho Kambeba, técnico de comunicação na Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), é formado em publicidade e acredita que a profissão ainda tem, em grande parte, um foco no consumo, limitando a profundidade das interações.
Imagem: COIAB
“Eu não acredito que o mercado publicitário esteja aberto a criar parcerias mais justas com as comunidades indígenas. O principal objetivo da publicidade é despertar o desejo de compra e convencer o público a adquirir um produto”, afirma Edinho.
Entre essas iniciativas, a abordagem das comunidades indígenas ganha destaque, trazendo à tona suas histórias e seus desafios individuais e coletivos. No entanto, essa interação não é isenta de críticas, levantando questões sobre apropriação cultural e a necessidade de um diálogo genuíno.
Com o aumento da valorização da diversidade cultural, as agências de publicidade assumem uma grande responsabilidade ao representar comunidades indígenas. Além de criar campanhas esteticamente atraentes, as agências de publicidade devem considerar a história, a cultura e os desafios enfrentados por esses povos. A falta de cuidado nesse processo pode resultar em campanhas que acabam reforçando estereótipos, perpetuando visões superficiais ou distorcidas das culturas indígenas.
O sucesso dessas campanhas depende de um compromisso real e contínuo. Marcas que apenas adotam temporariamente a bandeira da diversidade sem ações concretas correm o risco de serem acusadas de “greenwashing” ou “cultural washing“, quando a responsabilidade social é usada apenas como fachada para promover vendas, sem um envolvimento verdadeiro.
Cultura indígena na publicidade: autenticidade x apropriação
Na publicidade, é importante diferenciar campanhas com foco em vendas daquelas voltadas para a conscientização. Campanhas comerciais que incluem representações indígenas muitas vezes utilizam elementos culturais para agregar valor à marca e se conectar com a demanda por diversidade. No entanto, essas iniciativas podem correr o risco de superficialidade ou apropriação cultural, quando a cultura indígena é usada como mero adorno sem um envolvimento genuíno das comunidades.
Nesses casos, a autenticidade da campanha é questionada, pois o objetivo principal é impulsionar vendas e não necessariamente apoiar ou valorizar essas culturas. Esse tipo de abordagem pode gerar críticas e um impacto negativo tanto para as comunidades representadas quanto para a marca.
“Na mídia de massa, não vemos campanhas amplas abordando temas como o marco temporal, o desmatamento ou a contaminação dos rios. A publicidade está lá para vender, nada é feito de graça”, declara Edinho.
Por outro lado, campanhas específicas de conscientização focam em promover mudanças sociais, com o objetivo de educar e dar visibilidade às causas indígenas. Nelas, há a necessidade ainda maior dessas comunidades serem diretamente envolvidas no processo criativo, para uma representação mais fiel e respeitosa de suas culturas. Esse tipo de campanha busca não apenas amplificar vozes indígenas, mas também estabelecer um impacto social positivo.
O conceito de apropriação cultural refere-se ao uso de elementos de uma cultura minoritária por um grupo dominante sem compreender e respeitar seu significado. Na publicidade, isso ocorre quando símbolos, roupas ou outros aspectos culturais indígenas são usados como adornos visuais, desconsiderando seu contexto e valor. Essa prática não apenas desvaloriza as culturas representadas, mas também perpetua desigualdades históricas, privando essas comunidades de controlar a narrativa sobre sua própria identidade.
A representatividade indígena na publicidade
Um ponto importante na busca por uma publicidade mais inclusiva e representativa é a participação ativa de pessoas indígenas em todas as etapas do processo criativo. Quando os próprios indígenas são responsáveis por criar campanhas, seja diretamente ou através de parcerias com marcas, as chances de representarem fielmente suas culturas aumentam significativamente.
Infelizmente, não há dados oficiais que indiquem a quantidade de publicitários indígenas no Brasil, o que aponta para uma lacuna que precisa ser abordada. Apesar disso, as redes sociais têm permitido que influenciadores e criadores indígenas ocupem esse espaço de maneira autônoma e inovadora. Muitos deles têm se destacado, seja promovendo campanhas publicitárias próprias ou colaborando com marcas para transmitir mensagens autênticas, conectadas às suas tradições e à atualidade.
Diversos criadores indígenas já são referência nesse campo, como por exemplo:
Maíra Gomez, conhecida como Cunhãporanga, é uma influenciadora digital indígena das etnias Tatuyo e Wanano. Ela compartilha em suas redes sociais, especialmente no TikTok e Instagram, aspectos do cotidiano de sua comunidade, localizada na Amazônia, incluindo tradições culturais, culinária e práticas artesanais. Seus vídeos autênticos e educativos conquistaram milhões de seguidores, ampliando a visibilidade das culturas indígenas brasileiras.
Mari Wapichana, nascida Mari Williams, é uma influenciadora digital e educadora indígena das etnias Wapichana e Makuxi, originária de Roraima. Em 2021, destacou-se ao ser eleita a primeira Miss Indígena de Roraima, título que impulsionou sua visibilidade nas redes sociais. Em suas plataformas, como TikTok e Instagram, compartilha conteúdos que celebram a cultura e os costumes de seu povo, abordando temas como culinária tradicional, rituais e o cotidiano na comunidade. Em 2024, foi indicada ao Prêmio iBest como Melhor Influenciadora de Roraima, refletindo seu impacto significativo na promoção da cultura indígena e na representatividade nas mídias digitais.
Cláudia Ferraz, do povo Wanano, é uma destacada comunicadora indígena e membro ativo da Rede Wayuri, uma iniciativa que fortalece a comunicação indígena na Amazônia. Ela atua como produtora e editora de conteúdos em áudio, além de ser radialista e educadora popular. Cláudia é uma das apresentadoras do programa semanal “Papo da Maloca”, transmitido ao vivo na rádio FM O Dia, em São Gabriel da Cachoeira, e também disponível online nos canais de áudio da Rede Wayuri.
Ativista indígena e comunicadora do povo Sateré-Mawé, originária do Amazonas. Graduada em Biologia pela Universidade do Estado do Amazonas, ela utiliza sua formação para promover a conscientização ambiental e a valorização das culturas indígenas.
Samela atua como comunicadora na Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e é membro da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA). Sua presença nas redes sociais, especialmente no Instagram, onde compartilha aspectos da vida indígena contemporânea, tradições culturais e questões ambientais, tem sido fundamental para ampliar a visibilidade das pautas indígenas no Brasil.
Tukumã Pataxó, nascido em 2000 na aldeia Pataxó, é um influenciador digital, comunicador e chefe de cozinha indígena. Atua como ambientalista, defendendo os direitos dos povos indígenas e promovendo a preservação ambiental. É co-apresentador do podcast “Papo de Parente”, um original do Globoplay, ao lado de Célia Xakriabá.
Em suas redes sociais, compartilha conteúdos que abordam desde a gastronomia indígena até a desconstrução de estereótipos relacionados à cultura de seu povo, buscando sensibilizar o público sobre a importância da sustentabilidade e da valorização das tradições indígenas.
Alice Pataxó, nascida em 7 de junho de 2001, é uma comunicadora e ativista indígena da etnia Pataxó. Ganhou destaque nacional e internacional ao participar da COP26 em Glasgow, onde atuou como porta-voz na defesa do meio ambiente e dos direitos indígenas. Em 2022, foi indicada por Malala Yousafzai e reconhecida pela BBC como uma das 100 mulheres mais inspiradoras e influentes do mundo.
Djuena Tikuna, nascida Denizia Araújo Peres em 1984 na Aldeia Umariaçu II, Terra Indígena Tikuna, Tabatinga, Amazonas, é uma cantora, jornalista, ativista, produtora cultural e documentarista da etnia Tikuna. Reconhecida como uma das maiores referências em música indígena no Brasil, Djuena foi a primeira indígena a realizar um espetáculo musical no Teatro Amazonas, em 2017, onde lançou o álbum “Tchautchiüãne”.
Trudruá Dorrico, também conhecida como Julie Dorrico, é uma escritora e pesquisadora indígena da etnia Makuxi, nascida em Guajará-Mirim, Rondônia. Doutora em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), é reconhecida por sua atuação na promoção da literatura indígena contemporânea no Brasil. Administradora do perfil @leiamulheresindigenas no Instagram, Trudruá dedica-se a divulgar obras de autoras indígenas, incentivando a leitura e valorização dessas narrativas. É autora de “Eu sou Macuxi e outras histórias” (2019) e “Originárias: uma antologia feminina de literatura indígena” (2023), obras que destacam a riqueza cultural e literária dos povos indígenas.
Uýra Sodoma, nascida em Santarém, Pará, em 1991, é uma artista indígena, bióloga e educadora. Formada em Biologia e com mestrado em Ecologia da Amazônia, Uýra atua como artista visual e arte-educadora, dedicando-se à educação ambiental e à valorização das culturas tradicionais. Uýra utiliza sua arte para abordar questões ambientais, sociais e culturais, promovendo a conscientização sobre a preservação da Amazônia e a valorização das identidades indígenas e LGBTQIAPN+.
Para superar os desafios da apropriação cultural e garantir uma representação genuína, é fundamental que as campanhas publicitárias contem com a colaboração de indígenas em todas as suas etapas, desde a concepção até a veiculação. A presença de influenciadores e criadores indígenas não apenas amplia a visibilidade de suas culturas, mas também contribui para a desconstrução de estereótipos e promove um entendimento mais profundo sobre as diversas realidades vividas por esses povos.
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