Realizado anualmente pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), o Prêmio Jabuti é o mais importante do mercado editorial brasileiro. Em sua 65ª edição, a premiação tem entre seus semifinalistas a obra “Linklado: teclado digital para línguas indígenas”, fruto de uma parceria entre as cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Noemia Kazue Ishikawa, Ana Carla Bruno e Ruby Vargas-Isla, com dois jovens estudantes amazonenses: Samuel Minev Benzecry e Juliano Dantas Portela. O aplicativo está disponível gratuitamente na Play Store, App Store e Microsoft Store.
Concorrendo no eixo Inovação, categoria Fomento à Leitura, o projeto é sobre o desenvolvimento de um aplicativo que reúne caracteres especiais e combinações de diacríticos para mais de 40 línguas indígenas: o Linklado. A ideia de criar um teclado inclusivo nasceu por volta de 2009, enquanto Noemia e Ruby realizavam um trabalho com os povos Tikuna (Magüta), no Alto Rio Solimões.
“Em 2001, eu tinha escrito parte da minha tese [de Doutorado] em língua japonesa, em um computador com teclado em japonês. Então, eu não me conformava. Se dá para escrever em língua japonesa com milhares de ideogramas, que é muito mais complexo, por quê não conseguir escrever menos que uma dezena de caracteres da língua indígena?”, questionava Noemia.
A falta de um teclado específico dificulta a continuidade da escrita em muitas etnias. “Diversas línguas indígenas estavam excluídas da revolução digital por terem em seu vocabulário caracteres especiais, como ʉ, ɨ, g̃, ʉ̈̃ e i̇̂, por exemplo, que não estavam na maioria dos teclados físicos e virtuais. Isso fazia com que os falantes dessas línguas se comuniquem evitando escrever ou usando substitutos para esses caracteres. O problema também era enfrentado por estudantes indígenas que queriam escrever suas monografias, dissertações, teses em suas línguas. Assim como, escritores que queriam publicar suas obras em línguas indígenas”, detalha.
Foram necessários aproximadamente 14 anos de discussões sobre o assunto entre as cientistas do Inpa e consultas com o setor de Tecnologia da Informática, até encontrar os jovens universitários Samuel Minev Benzecry e Juliano Dantas Portela, responsáveis pelo desenvolvimento do Linklado. Na época, ambos tinham 17 anos.
“Foi muito emocionante ver que o aplicativo que os meninos criaram funcionava no celular, no computador e especialmente quando vimos que os caracteres não desconfiguravam na hora de imprimir” Relembra Ruby.
O lançamento oficial do aplicativo aconteceu em 11 de agosto de 2022, na Banca do Largo São Sebastião, localizado no Centro Histórico de Manaus. Entre tantos exemplos, o Linklado foi utilizado para tradução da obra “Embaúba: uma árvore de muitas vidas” para a língua Tikuna, da autora Cristina Quirino Mariano, que hoje também faz parte do projeto como tradutora.
“Participar do projeto Linklado e ser reconhecido pelo Prêmio Jabuti é uma honra imensa. Este prêmio não é apenas um marco na carreira de qualquer pesquisador ou escritor, mas também uma plataforma poderosa para dar visibilidade a iniciativas cruciais como a nossa. O Linklado é mais do que um aplicativo: é uma ferramenta de empoderamento e preservação cultural. Ao possibilitar a escrita em mais de 40 línguas indígenas, estamos contribuindo para a sobrevivência dessas línguas, promovendo a diversidade linguística e cultural que é tão rica no Brasil. O Prêmio Jabuti, sendo o mais importante do mercado editorial brasileiro, reconhece não só a inovação tecnológica que o Linklado representa, mas também a sua importância social e cultural. Este prêmio ajudará a ampliar o alcance do nosso projeto, alcançando mais falantes e incentivando o uso dessas línguas tanto no dia a dia quanto em contextos acadêmicos e literários. É um passo gigantesco para garantir que as vozes das comunidades indígenas sejam ouvidas e preservadas para as futuras gerações”, comenta Juliano Portela.
Para Cristina Quirino Mariano, “o Linklado mudou totalmente minha vida para conversar com os meus parentes. Quando eu escrevia em português, meus parentes não entendiam direito. Então eu mandava mensagens só no áudio, na minha língua. Agora com o Linklado eu consigo escrever com todas as letras e eles entendem bem. E falei para eles baixarem o Linklado também. Agora a gente escreve tudo na nossa língua e a conversa ficou melhor”.
“Usando o Linklado também tive a chance de trabalhar como tradutora de livros, o que me ajuda a ter uma renda extra e fazer livros na língua do meu povo Magüta (Tikuna). Por isso, acho que o Linklado merece ganhar o Prêmio Jabuti, porque traz tecnologia para o povo indígena”, diz Cristina.
Cristina é do povo Magüta (Tikuna). Nasceu na comunidade indígena Belém do Solimões, na Terra indígena Eware 1, localizada no município de Tabatinga, Amazonas, em 1993. Mora em Manaus desde 2015. Em 2019, ingressou no curso de Farmácia na Faculdade Estácio Amazonas. Atualmente participa do projeto “Redes de mulheres indígenas tradutoras e cientistas: conexões para uma educação transformadora em ciência no Amazonas” do programa Amazônidas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), coordenado pela pesquisadora Noemia Kazue Ishikawa, desenvolvido no Inpa.
“Estamos muito felizes e eu, particularmente, pois estamos vivenciando a Década das Línguas Indígenas no mundo que vai de 2022 a 2032. Ação e movimento declarado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) com participação de vários povos indígenas do mundo e que tem como lema “Nada para nós sem nós”. E no Brasil várias mulheres indígenas estão encabeçando o movimento. Penso que o aplicativo Linklado pode ser uma singela contribuição da nossa equipe para Década das Línguas Indígenas no Brasil. A possibilidade de escrever na língua materna é uma das maneiras de mantê-las em uso, sobretudo entre os jovens. Ter o Linklado entre os finalistas do Jabuti, para mim, é possibilitar que o Brasil reconheça a sua diversidade linguística e que respeite os falantes destas línguas”, comenta Ana Carla Bruno.
“Participar de um projeto como o Linklado me afetou muito no sentido de manter minha esperança sobre o futuro da presença indígena milenar na Amazônia e através do continente Americano. O esforço de manter línguas em risco vivas, afinal, é o primeiro passo para aplicar conhecimentos ancestrais e garantir a convivência de humanos e não-humanos no Antropoceno”, declara Samuel Minev Benzecry.
Apesar das conquistas, Noemia afirma que a vitória ainda não foi totalmente alcançada. “Criamos o Linklado, mas precisamos divulgar melhor o aplicativo. Ainda falta chegar a mais usuários, os falantes das línguas, tanto para uso cotidiano, quanto na academia e no setor editorial de livros. Achamos que o Prêmio Jabuti pode ser um importante canal para que o aplicativo chegue ao conhecimento de mais e mais indígenas, e não indígenas que escrevem e publicam literatura, e consequentemente, os leitores em línguas indígenas”, finaliza.
Os membros da equipe do Linklado que concorrem ao prêmio são: Samuel Minev Benzecry e Juliano Dantas Portela, Ana Carla Bruno, Ruby Vargas Isla Gordiano, Cristina Quirino Mariano e Noemia Kazue Ishikawa.
Prêmio Jabuti
Considerado um patrimônio cultural do Brasil, o Prêmio Jabuti é responsável por reconhecer e divulgar a produção literária nacional, com a valorização de cada um dos elos que formam a cadeia do livro. A premiação também tem o propósito de dialogar com os diversos públicos leitores e assimilar as mudanças da sociedade.
Neste ano, o Prêmio Jabuti tem 21 categorias literárias divididas em quatro eixos: “Literatura”, “Não Ficção”, “Produção Editorial” e “Inovação”, além do tão esperado “Livro do Ano”.
A divulgação dos dez semifinalistas de cada categoria aconteceu no dia 9 de novembro, enquanto a dos cinco finalistas está marcada para 21 de novembro, às 12h. A cerimônia de premiação será realizada no dia 5 de dezembro, às 20h, no Theatro Municipal de São Paulo (SP).
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