Desde julho de 2022, o dia 19 de abril passou a ser chamado oficialmente em todo o Brasil de “Dia dos Povos Indígenas”, em substituição à antiga denominação “Dia do Índio”. A data, longe de ser meramente comemorativa, tem sua importância ao marcar no calendário nacional um dia voltado aos povos originários, mas, ainda assim, merece críticas, vindas, inclusive, de membros da população indígena do país.
Ver a data com olhos críticos envolve dar atenção a vários aspectos como as reais lutas dos indígenas brasileiros, as violências e ameaças diárias por eles sofridas, a importância da luta pela preservação das diferentes etnias presentes em todo o território nacional – valendo lembrar que há diferentes povos indígenas originários de todas as partes do mundo -, entre outras.
A data
O então chamado “Dia do índio” foi criado em 1943, durante o governo de Getúlio Vargas, levando em consideração o primeiro Congresso Indigenista Interamericano, realizado no México, em 1940. Em 2022, a Lei nº 14.402 instituiu a data como “Dia dos Povos Indígenas”. A conquista da mudança de nome se deu graças ao Projeto de Lei n° 5466, de 2019, de autoria da então deputada federal Joenia Wapichana, primeira deputada federal indígena do país, e atual presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
O ano de 2023 marca o primeiro ano no qual o dia 19 de abril é celebrado sendo chamado de “Dia dos Povos Indígenas”. E alguns motivos fazem com que a mudança seja importante, apesar de não mudar totalmente equívocos socialmente reproduzidos durante a data, que é rejeitada por parte da comunidade indígena brasileira – principalmente quando ainda era denominada “Dia do Índio” – que a considera folclórica e muitas vezes utilizada para perpetuar preconceitos. Comumente interpretada como comemorativa, a data ainda não reflete o que de fato é buscado ao longo do ano pelos movimentos indígenas.
Entre os motivos que levaram à mudança para “Dia dos Povos Indígenas”, está a necessidade de evitar a palavra “índio”, dando preferência ao termo “indígena” e seu significado, que abrange a diversidade cultural dos povos originários, dando ênfase à representatividade.
Conforme afirma o escritor indígena Daniel Munduruku, em entrevista à BBC News Brasil, a palavra “índio” carrega consigo, historicamente, preconceitos, como a ideia de que indígenas são um grupo selvagem, além de generalizar toda a riqueza cultural dos povos indígenas.
Como mostra uma matéria especial do Mercadizar, o termo “índio”, além de ser preconceituoso, alimenta e perpetua diversos estereótipos em relação aos povos originários, que evitam o termo e indicam a utilização do termo “indígena” como correto. A palavra “indígena”, por sua vez, significa “natural do lugar que se habita” ou “originário”. O termo abrange a diversidade cultural e pluralidade étnica dos povos originários: costumes próprios, crenças, línguas, conhecimentos tradicionais, diversas etnias, manifestações religiosas, organização social, ancestralidade, entre muitos outros.
E não é só o antigo nome da data que carrega os preconceitos sobre os povos indígenas. Segundo Daniel Munduruku, comemorações feitas durante a data reproduzem estereótipos e deseducam sobre a realidade indígena, a exemplo da maneira como muitas escolas abordam a data: com fantasias, pinturas no rosto e a errada percepção de que indígenas são seres do passado. Munduruku, que é doutor em educação e pós-doutor em linguística, indica ainda que a data deva ser utilizada para a reflexão, gerando conhecimento e contato com a diversidade dos povos indígenas.
Uma parte importante da celebração do dia 19 de abril é a narrativa adotada para retratar os povos indígenas durante a data, que deveria colaborar com a descolonização da imagem estereotipada e pejorativa sobre os indígenas perpetuada historicamente no país, assim como evitar a invisibilidade desses povos nos espaços sociais. Narrativas sobre diversidade, representatividade, informação e educação sobre indígenas devem ser feitas de maneira fiel à realidade, cultura, lutas e identidade dos mesmos, especialmente dando destaque às falas de representantes das diversas etnias.
Mais que um dia: o mês inteiro
Para além de somente um dia, o mês inteiro de abril é importante para a luta pelos direitos dos indígenas. Durante todo o mês, a mobilização nacional “abril indígena” promove diversas atividades e discussões sobre os povos indígenas e suas reivindicações em todo o Brasil. É uma oportunidade de dar mais visibilidade às causas e lutas indígenas.
Algumas reivindicações levantadas em abril – e no ano inteiro – têm a ver com as principais ameaças ao povos indígenas como a falta de demarcação de terra, invasão aos territórios, violência, racismo, extinção de línguas, etnocídio, preconceito, falta de ações afirmativas, garimpo ilegal (e os problemas por ele gerados como exploração sexual de indígenas, contaminação dos rios e alimentos, desnutrição, desmatamento, ameaças e violências físicas), entre outros.
Um dos principais momentos do “abril indígena” é a realização anual do Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília. O ATL é considerado como a maior assembleia dos povos indígenas brasileiros e, em 2023, na sua 19ª edição, traz como tema “O futuro indígena é hoje. Sem demarcação não há democracia!”.
Segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que organiza o ATL, o objetivo deste ano é reforçar a importância da demarcação de terras indígenas no país, considerada essencial para a preservação de biomas, luta contra genocídio e manutenção da democracia brasileira.
Em 2022, de acordo com a Apib, o evento reuniu mais de 8 mil indígenas de 100 povos diferentes. Este ano, assim como abordará as questões territoriais, o ATL também busca enfatizar a luta por direitos dos povos originários e denunciar as violências que acontecem diariamente em todo o país.
Alguns exemplos de violência são mostrados no relatório “Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil”, de 2021, produzido pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi). De acordo com o relatório, em 2021, foram registrados 1294 casos de violência contra o patrimônio; 355 casos de violência contra indígenas; 744 casos de mortes de crianças indígenas; 148 suicídios indígenas; entre outros tipos de violência.
Como destacam os próprios indígenas, todos os dias são de resistência no país, pois buscam sobreviver perante à realidade a eles imposta desde 1500. O “abril indígena” vai além: é um mês de destaque em um ano de mobilizações e reivindicações que buscam evidenciar lutas invisibilizadas.
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