Isabella Botelho; 07/04/2022 às 17:00

Black Mirror ou vida real? Eis a questão

Situações do cotidiano parecem se confundir com o enredo da série de ficção científica

Com certeza, em algum momento, você já deve ter ouvido ou lido alguém comparar uma situação da vida real com um episódio de Black Mirror, série disponível na Netflix.

Com um pé na ficção científica, a produção britânica se passa num futuro distópico e retrata histórias que revelam o pior da tecnologia e das relações humanas. Na maioria dos episódios, são exploradas situações que, por mais obscuras que pareçam, são cotidianas – ou um dia serão -, como o impacto das redes sociais na saúde mental (episódio “Nosedive”) ou a cultura do cancelamento e o linchamento virtual (episódio “White Bear”). 

É verdade que a vida real está muito Black Mirror. E isso é assustador. Trazendo essa reflexão para a vida real, somente nas últimas duas semanas aconteceram casos de repercussão nacional que você poderia facilmente olhar e dizer: “Isso só pode ser um episódio bizarro de Black Mirror.” E, não, isso definitivamente não é um elogio. 

A ânsia pelas postagens, pelos likes e pelo engajamento tem revelado um lado doentio da nossa sociedade. Nas redes sociais, a espetacularização de tragédias, acidentes e até mesmo crimes tornou-se comum e banal.

Qual o limite entre a “solidariedade” e a falta de noção?

O ex-BBB Rodrigo Mussi sofreu um grave acidente na madrugada de 31 de março. Ele estava num carro de aplicativo quando o motorista supostamente cochilou ao volante e perdeu o controle da direção, acertando a traseira de um caminhão. Rodrigo, sentado no banco de trás e sem cinto, sofreu traumatismo craniano, além de lesões nas pernas.

Rodrigo participou da 22a edição do reality show da Rede Globo e foi o segundo eliminado do programa. À época de sua eliminação, e mesmo depois, recebeu duras críticas e uma onda de hate nas redes sociais por conta de sua participação. 

Uma hora após a confirmação do acidente, por meio de uma nota de sua assessoria de imprensa, o perfil de Rodrigo no Instagram já registrava 200 mil novos seguidores. Até o momento desta publicação, pouco mais de uma semana após o acontecido, foram mais de 1 milhão de novos seguidores. 

O questionamento que fica é: por que essas pessoas começaram a segui-lo se, mesmo sendo um influenciador digital, ele ficaria um tempo sem publicar? A curiosidade faz parte da natureza humana e também é normal que as pessoas fiquem mais sensíveis diante de situações delicadas, principalmente aquelas que envolvem acidentes ou problemas de saúde. 

Quanto vale o hype nas redes sociais?

Na última semana, “influenciadoras” brasileiras estiveram em festas e produziram “conteúdo” com Givaldo Alves, morador de rua que é investigado por estupro e recentemente foi flagrado tentando beijar uma mulher contra a sua vontade. 

A história envolvendo Givaldo ganhou notoriedade nas redes sociais e nos jornais do país no início de março: após ser flagrado mantendo relações sexuais com uma mulher, o morador de rua foi espancado pelo marido dela, um personal trainer. No entanto, a mulher envolvida na situação foi diagnosticada com transtorno afetivo bipolar em fase maníaca, ou seja, ela não estava consciente e a relação sexual não foi consentida, podendo ser configurada como crime de abuso de vulnerável. A família dela registrou ocorrência na delegacia e, agora, o ex-morador de rua é investigado pela Justiça.

Enquanto isso, como se nada acontecesse no âmbito legal, Givaldo se tornou uma “celebridade” na internet. Ele faz presença em festas e eventos e até mesmo produz conteúdo para as redes sociais – ele tem perfil no TikTok e no Instagram. O que mais chama a atenção nesta situação são as personalidades que têm se associado à sua imagem, como influenciadoras conhecidas nacionalmente, por exemplo. Quando perguntadas sobre o porquê, elas explicaram que é pelo engajamento, afinal, ele virou um “fenômeno”.

Por que precisamos ter uma opinião crítica sobre tudo?

Também nesta última semana, uma usuária do Twitter publicou que, por indicação médica, precisaria comer apenas itens gelados por determinado período de tempo, e que por isso seu pai comprou potes de sorvete para ela. 

Em menos de 24h, seu perfil estava lotado de críticas, chegando até mesmo aos assuntos mais comentados do momento na plataforma (Trending Topics). Ela foi “cancelada” porque compartilhou uma situação de sua vida pessoal que foi problematizada como se fosse algo negativo ou errado, principalmente por conta da marca e do valor dos potes de sorvete em questão.

As redes sociais permitem que tenhamos acesso a diferentes conteúdos e, com a liberdade de expressão, nos sentimos à vontade para criticar livremente. Mas e quando uma crítica deixa de ser um apontamento e se torna linchamento virtual? E o pior, por um motivo banal?

Talvez seja tarde, mas nós, usuários de redes sociais, precisamos entender que não precisamos ter uma opinião sobre tudo. Se for uma opinião crítica, vale pensar duas vezes antes de publicar. Como dizem, a internet não é terra sem lei e ninguém sabe os danos psicológicos que pode causar aos outros. 

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