Mariá Tomazoni; 13/02/2023 às 12:00

Menos é mais: a revolução do slow content e da curadoria de conteúdo na comunicação

Com o excesso de informação na internet, atividades de curadoria que priorizam qualidade à quantidade serão cada vez mais valorizadas

O termo “infoxicação”, criado pelo espanhol Alfons Cornella em 1996, compara o excesso de informação que não é totalmente processada pelo cérebro a uma intoxicação. Seus sintomas são dispersão, ansiedade, fadiga e estresse, para citar alguns. 

Se esses parecem problemas comuns, é porque estamos sempre conectados à internet. Desde sua invenção, a quantidade de dados gerados por humanos cresceu absurdamente, tanto que afetou nossa capacidade de digerir e desfrutar de informações, causando transtornos como a nomofobia – o medo de ficar sem celular – e a síndrome de FOMO – em inglês, “fear of missing out”, ou o medo de perder informações e experiências vividas por outros. Em matéria do Mercadizar, também falamos sobre como o streaming mudou a forma como consumimos, criando práticas como binge-watching (maratonar conteúdos) e speed watching (consumi-los de forma acelerada).

Já presente em tempos pré-pandêmicos, a infoxicação ficou ainda pior com a covid-19. Segundo um documento da OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde), a junção da pandemia e da hiperconectividade criou outra epidemia – a infodemia, relacionada também à disseminação de fake news. “O maior acesso global a celulares conectados à internet, além das mídias sociais, levou à geração exponencial de informações e a um aumento do número de meios possíveis de obtê-las, criando uma epidemia de informações, ou infodemia. Em outras palavras, temos uma situação na qual muitas informações estão sendo produzidas e compartilhadas em todos os cantos do mundo, chegando a bilhões de pessoas. Quantas dessas informações são corretas? Apenas algumas”, diz o documento.

Além de consumir mais informação – porque há mais para consumir –, passamos a preferir conteúdos mais rápidos. Nesse caso, um dos culpados pode ser o TikTok. Segundo a Exame, os vídeos da rede social liberam dopamina no cérebro, o que causa felicidade e satisfação, e essa sensação frequente acaba nos viciando em conteúdos curtos. “Quando você pega um vídeo e consegue essa sensação de prazer de forma mais rápida, você vai tender a repetir esse comportamento em detrimento de outros que demandem mais atenção, que a recompensa demore mais para chegar”, explica à revista a coordenadora do departamento científico de Neurologia Infantil da Associação Brasileira de Neurologia (ABN), Letícia Sampaio. 

Slow content: uma nova forma de produzir conteúdo

A infodemia e a popularização de conteúdos rápidos influenciam a forma como produzimos conteúdo para a internet. Nesse ciclo vicioso, só produzimos conteúdos curtos porque estamos viciados em conteúdos curtos, e postamos demais porque estamos acostumados a consumir demais.

Para tentar quebrar essa aceleração, surge o slow content, uma forma de produzir conteúdo que beneficia tanto consumidores quanto criadores. Como definido pelo Mercadizar Explica, o slow content, ou conteúdo lento, em português, é um movimento na comunicação que propõe que as pessoas diminuam a velocidade com que consomem e, principalmente, produzem informações.

Em resumo, fazer uso do slow content é preferir a qualidade à quantidade. E essa qualidade inclui a saúde mental dos envolvidos, que melhora com a prática: ao desacelerar o ritmo, os produtores de conteúdo podem realizar um processo mais orgânico, com menos pressão, e os consumidores tiram um segundo para respirar entre um post e outro. Quando os dois lados da moeda decidem não priorizar mais formatos rápidos e rasos, fica mais fácil driblar a infoxicação.

Para empresas de marketing e comunicação, há também um apelo mercadológico: o slow content é melhor para fortalecer a autoridade e a imagem das marcas, e gera mais engajamento e fidelização de clientes. 

Em seu cerne, o slow content funciona porque, ao filtrar e desacelerar o próprio conteúdo, cria algo essencial para o mercado da comunicação – valor. Como afirma Michael Bhaskar no livro “Curadoria: O poder da seleção no mundo do excesso”, “a natureza do valor está mudando. Tanto quanto (e geralmente mais que) simplesmente somar, o valor diz respeito a tirar. […] Quantidade não apenas não se iguala a qualidade, mas a prejudica”.

A importância da curadoria

As revoluções industriais aumentaram progressivamente a capacidade de produção do ser humano, e a internet é a ferramenta que mais impulsiona essa produtividade, criando um problema de abundância. O slow content é só um dos reflexos da necessidade cada vez maior de reduzir esse problema, ao fazer a curadoria de conteúdo. 

O TikTok pode até ser considerado um vilão por afetar nossa capacidade de atenção, mas foi o aplicativo mais baixado de 2021 porque entretém, em parte porque cria uma experiência personalizada, escolhendo os vídeos que sabe que cada usuário gostará de ver em meio a um número gigante de opções. Afinal, ninguém quer criar a própria página “For You” do TikTok, mas todos querem que ela seja boa.

Segundo Michael Marmot, professor da University College de Londres, é a sensação de ter opções que nos satisfaz, e não o ato real de ter que escolher. Quando temos opções demais, sofremos os efeitos do que Barry Schwartz, autor de “O paradoxo da escolha”, chama de “tirania da escolha”: nos sentimos oprimidos pela quantidade de opções que encontramos, e acabamos escolhendo não escolher. 

Antes restrita a obras de arte em museus e galerias, a curadoria é hoje uma das formas mais importantes de se combater o excesso de informação que nos deixa ansiosos, estressados e cansados, porque impede a tirania da escolha e separa o joio do trigo.

Assim, as revoluções na comunicação e nos negócios passarão a envolver não a produtividade, mas a seleção. No futuro, vai ser mais importante saber escolher os conteúdos corretos do que simplesmente criar conteúdo, e as atividades de seleção, edição e arranjo serão bem mais valorizadas que hoje, época em que vivemos o “mito da criação”, segundo Michael Bhaskar. 

“Herdamos a visão romântica da criatividade como algo que merece ser defendido a qualquer preço. Idolatramos nossos grandes criadores, cumulando-os de prêmios e destaque na imprensa. A criatividade é vista como a chave para os negócios e o sucesso. […] Esse é o mito da criatividade: a ideia de que a criação e criatividade são intrinsecamente boas. No contexto da sobrecarga, o atual, talvez seja hora de questionar esse pressuposto.”

O algoritmo do TikTok foi usado como um exemplo de seleção de conteúdo, mas curadoria e seleção por inteligência artificial não são a mesma coisa. O algoritmo do TikTok aprendeu muito bem a oferecer os conteúdos que mais interessam aos usuários, mas ainda não se compara à curadoria realizada por pessoas. Para Brian Armstrong, um dos fundadores da Canopy, empresa que faz curadoria das melhores peças de design encontradas na gigantesca Amazon, “a curadoria algorítmica com certeza ficará melhor, mas nunca terá o paladar exigente nem um ponto de vista singular. O público consegue perceber e valorizar a atenção humana que há na curadoria manual”. 

A inteligência artificial não substituirá a curadoria, mas a complementará, ajudando os curadores a economizarem tempo e esforço para que possam focar no que é mais importante e, consequentemente, ajudar outras pessoas. 

Como afirma Bhaskar em seu livro, “parte do apelo da curadoria está no inconfundível toque pessoal. Uma dimensão qualitativa proveniente do estilo, bom gosto, formação ou opinião de um indivíduo, interessante e útil exatamente em decorrência de peculiaridades e noções que derivam do que torna essa pessoa singular. Curadoria tem a ver, em parte, com o que as máquinas não fazem”.

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