Nos últimos meses, o Twitter trouxe à tona uma discussão sobre narcisismo, um transtorno de personalidade que causa problemas em muitas áreas da vida, como relacionamentos, trabalho, vida financeira e outros setores. Para entender um pouco mais sobre esse transtorno, precisamos retornar às civilizações da antiguidade. 

A palavra “narcisismo” faz referência ao mito grego de Narciso que, segundo a versão do poeta romano Ovídio, conta a história do filho de um deus com uma ninfa. O casal, então, decidiu consultar um sábio para saber sobre o futuro da criança e descobriu que o menino viveria longos anos, desde que não conhecesse a própria imagem. Com o passar do tempo, Narciso se tornou um jovem extremamente bonito que despertava a paixão tanto de mulheres quanto de homens. No entanto, rejeitava a todos em uma atitude de arrogância, tornando-se insensível ao amor. Entre as ninfas rejeitadas, existia Eco que, apesar de tudo, o amava incondicionalmente. 

Em uma atitude desesperada, para dar uma lição em Narciso, ela e outras ninfas pediram ajuda aos deuses. Nêmesis, a deusa Justiça, recebeu o pedido e o amaldiçoou de maneira que ele também amasse, mas não pudesse obter esse amor. Para isso, ela usou uma fonte de águas cristalinas que havia na região:  ao se inclinar sobre esta fonte para beber água, Narciso acabou vendo o seu reflexo e, encantado pela própria imagem e beleza e, sem conseguir alcançá-la, deitou-se no leito do rio, definhando até a morte. 

O termo narcisista quase sempre é utilizado de maneira pejorativa. No entanto, vale ressaltar que existe uma diferença entre um bom nível de autoestima, vaidade ou o reconhecimento de seus valores e as manifestações exageradas desses aspectos que podem se tornar características patológicas, com transtornos no pensamento e conduta. 

Qual a diferença entre autoestima e narcisismo?

De maneira simples e objetiva, a autoestima está mais relacionada ao respeito que você tem por si mesmo, sua capacidade de reconhecimento tanto de defeitos como qualidades. Já o narcisismo trata-se de uma necessidade de idolatração. Em entrevista ao Mercadizar, a Psicóloga Mayara Rangel, explica: 

“A autoestima tem a ver com o quanto você mede o seu valor e envolve quatro aspectos: a sua autoimagem, o seu autoconceito, a sua autoeficácia e o seu auto-reforço. Uma pessoa com autoestima alta consegue manter estes quatro aspectos em equilíbrio, reconhecendo que possui capacidades e incapacidades. E tudo certo! Já uma pessoa com traço ou transtorno da personalidade narcisista tem uma baixa autoestima. O seu autoconceito inclusive é bem depreciativo. E para ‘mascarar’ isso, ela lança mão de estratégias de compensação disfuncionais, como por exemplo: sensação de grandiosidade, necessidade de admiração excessiva, desqualificação daquilo que é do outro para se autopromover, humilhações e por aí vai. Como é difícil reconhecer que isso é um problema, ela não busca melhoria e só perpetua o ciclo de disfuncionalidade.”

Vale lembrar que uma pessoa com boa autoestima não ignora seus defeitos, pelo contrário, os observa e avalia de maneira profunda e realista. Quando você consegue enxergar com clareza e entender quem você é e qual o seu papel, você entende que faz parte de um todo. Logo, compreende que não pode exigir que todos lhe deem de tudo.

Afinal, o que é um transtorno de personalidade? 

De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtorno Mentais, um transtorno da personalidade é um padrão persistente de experiência interna e comportamento que desvia de maneira intensa das expectativas da cultura que indivíduo está inserido. O transtorno de personalidade ode começar na adolescência ou no início da fase adulta, é estável ao longo do tempo e leva a situação de sofrimento ou prejuízo. Em entrevista ao Mercadizar, a Psicóloga Laena Portela, aponta: 

“Os transtornos de personalidade representam padrões de pensamento, percepção, reação e relacionamentos que se tornam rígidos e mal adaptativos e prejudicam o trabalho e também o funcionamento interpessoal. Essas mal adaptações sociais podem causar sofrimento significativo em pessoas com transtornos de personalidade e naqueles em volta delas.” 

Além disso, transtornos de personalidade podem se manifestar em pelo menos duas das seguintes áreas:

• Cognição: São os pensamentos e está relacionados tanto a forma de perceber quanto a de interpretar a si mesmo, outras pessoas e  eventos;
• Afetividade: Está relacionada ao humor/emoções, envolve a variação, a intensidade, a instabilidade e a regulação desses afetos;
• Funcionamento interpessoal: São as relações e o controle de impulsos.

E o transtorno de personalidade narcisista?

O transtorno de personalidade narcisista (TPN) é uma forma patológica de condição mental caracterizado, segundo Mayara Rangel, por um padrão de pensamento “difuso de grandiosidade, necessidade de admiração e falta de empatia”. Este tipo de transtorno está presente em vários contextos e pode ser indicado por cinco ou mais dos seguintes aspectos:

1) Sensação grandiosa da própria importância; 

2) Fantasias de sucesso ilimitado, poder, brilho, beleza ou amor ideal; 

3) Acreditar ser especial e único; 

4) Demandar admiração excessiva; 

5) Apresentar sentimento de possuir direitos; 

6) Exploração nas relações interpessoais; 

7) Falta de empatia: reluta em reconhecer ou identificar-se com os sentimentos e as necessidades dos outros; 

8) Invejar os outros ou acreditar ser invejado; 

9) Comportamentos e atitudes arrogantes e insolentes.

É importante frisar que apenas profissionais da área podem fazer diagnósticos e o acompanhamento deste transtorno de personalidade, justamente para garantir o enfrentamento de forma segura e ética. De acordo com o Psicólogo Rodrigo Serrão, identificar esse tipo de transtorno é difícil:

“Ele apresenta características de outros transtornos de personalidade como o borderline, histriônico e antissocial. Todos esses apresentam instabilidades emocionais e tendem a serem dramáticos, portanto, somente um profissional de Saúde Mental com experiência clínica e teórica conseguirá identificar e diagnosticar de maneira eficaz.”

Além disso, o psicólogo também aponta para a dificuldade no tratamento em pacientes com transtorno de personalidade narcisista: 

“Pacientes com esse transtorno são considerados difíceis de aderirem a qualquer tratamento, pois não se consideram doentes pela dificuldade de mostrar fraquezas ou depender de outros. Por isso, não conseguem perceber os prejuízos de seus atos às pessoas. Quando procuram por atendimento, geralmente o fazem por se sentirem pressionados no trabalho ou por familiares. O tratamento, por sua vez, consiste, em um primeiro momento, na criação do vínculo terapêutico com o objetivo de evitar o abandono da terapia e oferecer um espaço seguro e acolhedor. Logo após, o foco é ajudar o paciente a entrar em contato com emoções e pensamentos difíceis, principalmente aqueles que demonstrem algum tipo de fraqueza. Assim, o terapeuta consegue ajudá-lo a conectar-se consigo mesmo.”

Em relação ao que podemos fazer para ajudar pessoas com TPN, Laena Portela, explica: 

“Todo o sofrimento psicológico, incluindo os transtornos de personalidade, existe o apoio psicológico e psiquiátrico. Para ajudar as pessoas em sofrimento psicológico é fundamental ter empatia, incentivar a busca por ajuda profissional e a compreensão de que o processo pode ser duradouro.”