Isabella Botelho; 07/06/2022 às 12:00

E se a Zona Franca de Manaus fechasse as portas?

Parque industrial abriga cerca de 600 fábricas e gerou R$ 39,5 bilhões de faturamento entre janeiro e março

Desde o início de 2022, muito se tem falado sobre a Zona Franca de Manaus (ZFM) e uma iminente ameaça a sua existência vinda diretamente do governo federal. Para entender o que está acontecendo com a ZFM e como o seu fechamento pode afetar a população amazonense, a economia e o meio ambiente, precisamos voltar no tempo e compreender a sua criação.

A ZFM foi criada em 1957 por meio da Lei n.º 3.173, durante o governo de Juscelino Kubitschek, mas só foi instituída dez anos depois, em 1967, por meio do Decreto-Lei n.º 288, durante a Ditadura Militar, sob a justificativa de “integrar para não entregar”. À época, utilizando-se de um discurso nacionalista, os militares queriam trazer a Região Norte, isolada e ainda pouco habitada, para mais perto do restante do país. Uma das soluções foi justamente a instituição da ZFM, que atrairia empresas para a região, geraria empregos à população e alavancaria a economia.

Desta forma, a ZFM, de acordo com o DL 288, pode ser entendida como: 

“[…] área de livre comércio de importação e exportação e de incentivos fiscais especiais, estabelecida com a finalidade de criar no interior da Amazônia um centro industrial, comercial e agropecuário dotado de condições econômicas que permitam seu desenvolvimento, em face dos fatores locais e da grande distância, a que se encontram, os centros consumidores de seus produtos.”

A ZFM é dividida em três grandes polos: comercial, industrial e agropecuário. Lá, são produzidos eletrodomésticos, eletroeletrônicos, veículos, motocicletas e bicicletas. Atualmente, o parque industrial abriga em torno de 600 empresas de diferentes áreas e especialidades. 

Entre as principais vantagens tributárias da ZFM estão a isenção do Imposto Sobre Produto Industrializado (IPI) e a suspensão do Imposto de Importação (II), por exemplo. 

Inicialmente, a decisão prevista no DL 288 vigoraria por 30 anos, até 1997, podendo ser prorrogada por decreto do Poder Executivo. Em 1986, no entanto, o então presidente José Sarney, por meio do DL 92.560, estendeu o prazo por mais dez anos. Dois anos depois, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, ficou estabelecida a validade dos incentivos fiscais por 25 anos (até 2013). Em 2003, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estendeu os incentivos por mais dez anos, até 2023. Foi então em 2014 que a ex-presidente Dilma Rousseff, por meio da Emenda Constitucional 83, acrescentou 50 anos ao prazo anteriormente fixado; desta forma, os incentivos valeriam até 2073. 

Além do próprio Amazonas, estado onde fica localizada, a ZFM também contribui diretamente para a economia de outros estados nortistas, como Acre, Amapá, Rondônia e Roraima.

Ao longo dos até agora 55 anos de existência, três presidentes da República olharam para a Zona Franca de Manaus entendendo sua importância para as economias amazonense, nortista e brasileira. Afinal, para termos ideia, a ZFM fechou o primeiro trimestre deste ano com um faturamento de R$ 39,5 bilhões e uma média de 105 mil empregos por mês, segundo a Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA). 

No entanto, desde o início de 2022, o atual governo federal está promovendo mudanças na economia do país, principalmente por meio da redução nos IPIs, ameaçando a existência da ZFM, apesar de todos os seus benefícios. 

Em fevereiro, o governo publicou o primeiro decreto com corte de 25% no valor do IPI em todo o território nacional. Em abril, este valor aumentou para 35%, valendo para produtos como aparelhos de som, carros, máquinas, calçados e brinquedos – produzidos pelas indústrias instaladas na ZFM. O problema é que muitos desses produtos são produzidos na área por empresas que já são isentas do IPI. Logo, ao promover o corte para produtos de indústrias em todo o país, o governo federal retira a vantagem da ZFM para atração de empresas ao pólo industrial de Manaus. Assim, a ZFM estaria ameaçada, podendo até mesmo fechar suas portas. 

Diante desta possibilidade, parlamentares e políticos amazonenses se posicionaram contra as mudanças e entraram com ações na justiça brasileira contra os decretos federais. Em maio, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a redução do IPI para produtos que são fabricados na ZFM. 

“A redução da carga tributária nos moldes previstos pelos decretos impugnados, sem medidas compensatórias à produção na ZFM, reduz drasticamente a vantagem competitiva do polo industrial, ameaçando a própria persistência desse modelo econômico diferenciado constitucionalmente protegido”, afirmou o ministro em sua decisão.

Além da clara instabilidade econômica e perda de empregos, um possível fechamento da ZFM também representaria uma grave ameaça à preservação da Amazônia. Uma vez desempregadas, as pessoas que hoje trabalham nas fábricas do parque industrial precisariam obter uma nova fonte de renda e poderiam recorrer à exploração ambiental, por meio do desmatamento e garimpo ilegal, como explica Nelson Azevedo, vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (FIEAM), em artigo.

“Além de não impactar a espiral inflacionária, a redução do IPI não assegura a reindustrialização no Brasil, tira os 500 mil empregos do Amazonas e deixa a população à mercê da economia do narcotráfico das queimadas, do desmatamento e do garimpo ilegal em terras indígenas”, afirma.

A Zona Franca de Manaus é o principal pilar da economia amazonense e fonte de empregos para a população. Também cabe a nós, cidadãos nortistas e brasileiros, defendermos a ZFM. Esse ano temos eleição, e podemos dar a resposta nas urnas.

*O Mercadizar não se responsabiliza pelos comentários postados nas plataformas digitais. Qualquer comentário considerado ofensivo ou que falte com respeito a outras pessoas poderá ser retirado do ar sem prévio aviso.