Patrícia Patrocínio; 16/12/2020 às 13:35

Você já se perguntou sobre o ato de compartilhar o luto nas redes sociais?

O crescente uso das redes sociais extinguiu as divisas entre o espaço real e o virtual, experimentamos hoje o surgimento de diversos fenômenos sociais e comunicacionais

O Brasil representa na cabeça de muitos indivíduos o país do samba, da alegria, do carnaval, da riqueza cultural e do futebol. Por isso, em nossa cultura falar de morte costuma ser bastante desagradável, especialmente, porque na busca incansável pelo bem-estar e felicidade plena, driblar o sofrimento faz parte do processo. 

Com o avanço das tecnologias digitais de informação e comunicação, e o crescente uso das redes sociais, foi extinguido, para muitos, as divisas entre o espaço real e o virtual. A sociedade de hoje, experimenta o resultado do surgimento de diversos fenômenos que transformaram a forma como interagimos com o mundo, através do uso dessas plataformas, que ressignificam diariamente os processos sociais e comunicacionais. Nesse cenário, a morte e o luto receberam um novo sentido para o ambiente online.

Duas sociólogas da Universidade de Washington estudaram a maneira como os usuários interagem nas redes sociais com os perfis de pessoas que já morreram. Nina Cesare e Jennifer Branstad analisaram 39 perfis do Twitter de pessoas falecidas e os compararam com outros, do Facebook, para estudar as conversas e o comportamento das pessoas diante da morte. Elas descobriram que no Twitter os perfis dos mortos servem um propósito muito diferente do que se vê no Facebook ou em qualquer outra rede social. “O Twitter foi mais usado para discutir, debater e inclusive condenar ou canonizar o falecido. No Facebook, por outro lado, os perfis dos falecidos eram usados mais para mostrar sua dor de um modo mais íntimo, com mensagens muito mais profundas”, diz Cesare. Dessa forma, o Facebook é entendido mais como uma extensão da vida privada, onde nossos sentimentos parecem estar sendo expressados a pessoas próximas.

O professor do Centro de Pesquisa em Mídia, Comunicação e Informação, Andreas Hepp, propôs o conceito de “mundos midiatizados”, considerando a midiatização cotidiana. Para o autor, mundos midiatizados podem ser entendidos como certos “pequenos mundos da vida”. 

Portanto, a midiatização confere às redes sociais uma intersecção da vida pública com a privada, as pessoas se envolvem e interagem umas com as outras mesmo sem saber do assunto em pauta ou sem ter vínculos fora das telas. O fato é que a mídia aproxima, e tomando como referência a  pesquisa de Cesare e Branstad, ela cria a impressão de  ampla proximidade  apontado pelas pesquisadoras no caso do  Facebook. 

Muito além das manifestações tradicionais, no espaço virtual, é possível que a mensagem de luto se manifeste por qualquer um, até mesmo por aqueles que não tenham nenhum conhecimento de quem seja a pessoa falecida, ou conheça sua família, ou saiba os motivos daquela morte. A velocidade de transmissão de informações por meio das redes sociais, não só fornecidas em tempo real, mas também reemitidas por meio do compartilhamento, tem o poder de alcançar em poucos segundos inúmeras pessoas, tornando a propagação da notícia ainda mais rápida entre os usuários e rede de amigos de cada indivíduo. Com isso, dentre tantos usos e sentidos que as redes sociais atribuíram para o luto e a morte, tornar público esse momento pode assegurar manter viva a memória de uma pessoa que morreu por meio da lembrança coletiva já que a morte representa algo como o fim ou esquecimento de tudo. 

Por outro lado, para além do desejo dar voz à dor da perda, a atitude de tornar público, também, pode ser associada ao fato de que a morte é uma questão que naturalmente desperta curiosidade, e quando partilhada no ambiente virtual tem o poder de transformar-se em espetáculo, através de likes, comentários e compartilhamento chamando ainda mais a atenção das pessoas para o acontecimento. Tornar publica a morte de alguém por meio das redes sociais não significa que a dor seja menor ou que a internet possa fazer bem para todos os enlutados. Mas, dependendo do uso e do significado que o usuário dá ao mundo virtual, ela pode ajudar no sofrimento causado pela perda. A Publicitária, Paola Silva, relata :

“Depois que perdi minha mãe, o luto ainda me ensina muito e todos os meses passei a compartilhar no meu Facebook tudo que eu venho sentindo nesse processo, já fazem 6 meses, que escrevo para ela mesmo sabendo que ela não irá mais ler nada do que eu disser, mas essa foi uma das formas que eu encontrei de mantê-la sempre viva na minha memória e fazer com que ela seja lembrada também pelas outras pessoas que a conheciam. Passei também a escrever mensagens cuidadosas para os amigos e conhecidos que perderam um ente querido. As redes sociais tem sido uma ferramenta poderosa para lidar com o luto da morte da minha mãe, traz ela para perto e me conecta com o melhor dela e da vida que se segue. Minha mãe continua comigo. Como sempre esteve.”

Em entrevista exclusiva para o Mercadizar, a Psicóloga Laena Portela explica o que motiva ato de tornar público o sofrimento na internet:

“Compartilhar o sofrimento pode representar um pedido de apoio, uma forma de elaborar todas as fases de um processo doloroso e inesperado, as redes sociais podem ser aliadas quando outras pessoas também compartilham dos mesmos processos ou conseguem acolher e serem empáticos com o sofrimento do outro.”

Sobre como o compartilhamento do luto no ambiente virtual ajudar as pessoas a lidarem melhor com a perda, a psicóloga afirma:

“O luto é um processo que precisa ser legitimado e elaborado pelos entes que ficaram, é um processo de dor e de adaptação a mudanças que necessita de uma rede de apoio. Lidar com o desconhecido, com as emoções mais dolorosas acaba sendo desesperador, e as redes sociais podem trazer esse acolhimento ao enlutado, principalmente em um período de isolamento social, onde as pessoas que não puderam comparecer às tradicionais cerimônias, então acabam por utilizar os meios virtuais para demonstrar apoio e consolo.”

Perguntada sobre os motivos que criam a necessidade nas pessoas de expor as partes mais íntimas de suas vidas nas redes sociais, ela responde:

“As redes sociais já se tornaram parte das nossas vidas, compartilhamos momentos de êxitos e momentos de luta, momentos de alegria e de tristeza. Devemos apenas ter a consciência de que expor as partes íntimas das nossas vidas abre espaço para que outras pessoas falem, opinem ou até mesmo julguem o momento tendo como referência apenas a partir da sua história pessoal, expor o que sentimos pode nos conectar mas também há chances de ouvirmos ou lermos relatos que ainda não estamos preparados para lidar. Por isso, é importante buscar a rede de apoio em outros lugares, como amigos próximos, familiares e a ajuda profissional!”

 

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