Ariel Bentes e Elânny Vlaxio; 10/04/2020 às 09:00

Racismo na comunicação: do telejornalismo ao BBB

Apesar‌ ‌de‌ ‌55,8% da‌ ‌população‌ ‌no‌ ‌Brasil‌ ‌ser‌ ‌negra,‌ ‌apenas‌ ‌3,7%‌ ‌dos‌ ‌apresentadores‌ ‌de‌ ‌ TV‌ ‌e‌ ‌46‌ ‌participantes‌ ‌do‌ ‌BBB‌ ‌são‌ ‌pretos

No dia 30 de março, Rodrigo Branco, ex-diretor da TV Band, foi acusado de racismo. Em uma live no Instagram com Ju de Paulla, influenciadora digital, Rodrigo disse: “Eu assisti hoje e ela fala tudo errado. Ela só está lá por causa da cor”, disse ele em referência a jornalista Maju Coutinho, apresentadora do Jornal Hoje da TV Globo. 

Arte: Mercadizar

Rodrigo também comentou sobre o programa Big Brother Brasil e afirmou que “torcer por Thelma é racismo” e que “ela é negra coitada”. Logo, Ju de Paulla demonstrou estar desconfortável com a situação e o público da rede social repreendeu Rodrigo. Em seu perfil, ele publicou um vídeo pedindo desculpas:

“Falei um monte de merda. Não falei nada como eu penso, queria explicar o que queria falar. Queria falar uma coisa e falei totalmente outra coisa, fui totalmente racista. Recebi ligações de amigos meus, principalmente. Por isso é bom ter amigos. […] Eu sei escutar”, disse.

Um outro episódio como esse foi com Rodrigo Bocardi, apresentador do Bom Dia São Paulo. Em uma entrevista com entrada ao vivo, ao falar com um rapaz negro que vestia uma camisa de um clube de classe alta de São Paulo, o jornalista perguntou se ele era gandula de bolinhas de tênis do local. Em seguida, o jovem Leonel Dias afirmou ser jogador de polo aquático no clube e, por esse motivo, utilizava aquele uniforme. Após a situação, diversas pessoas na internet apontaram a fala do jornalista como racista. 

Ambos os casos fazem parte do racismo estrutural. Quando falamos sobre esse assunto, é necessário relembrar primeiro o que é racismo: uma forma de discriminação que tem como principal alvo a raça e no Brasil, principalmente, pessoas negras. O racismo estrutural trabalha com o mesmo a partir de uma perspectiva de herança histórica, no qual ele se manifesta tanto em práticas conscientes quanto em inconscientes através de hábitos e costumes da sociedade que promovem, de forma direta ou indireta, a segregação racial. 

Para entender como isso funciona, relembre alguns fatos da história. O Brasil foi o último país do continente Americano a abolir a escravidão e, quando isso ocorreu em 1888, cerca de 1 milhão e 500 mil pessoas negras foram colocadas na sociedade sem direito à educação, moradia e trabalho digno. Os lugares continuaram preservando o pensamento escravocrata e criou-se diversos obstáculos para que eles não acendessem de forma social e econômica, dessa forma, perpetuando diversos estigmas vistos até hoje. 

Por isso, é necessário entender que o racismo estrutural é o racismo naturalizado. Ele está na estrutura da sociedade e pode se apresentar de forma física, verbal ou no espaço (quando não se encontra negros em universidade e espaços considerados elitizados, por exemplo). “Não parte somente da prática do não gostar do negro, mas também está intrinsecamente ligado nas relações interpessoais, nas universidades, no direito a história, no direito de existir, no direito do direito e no direito de estudar. É quando a população negra é alocada no papel de subalterno dentro de uma sociedade capitalista que ainda tem uma alto porcentagem de negros pobres e negros mortos na favela”, disse Kevellyn Jéssica, historiadora e professora em entrevista ao Portal Mercadizar.  

Agora você pode fazer o questionamento: quantas pessoas negras você já viu como repórter ou apresentador de um jornal na televisão? Em janeiro deste ano, uma foto publicada pela CNN Brasil com o grupo de âncoras chamou a atenção pois na imagem é possível observar que apenas dois, dos 15 apresentadores, são negros, sendo eles os jornalistas Diego Sarza e Luciana Barreto. 

Onde eu entro faço um trabalho gratuito de letramento racial. Vou falando, plantando uma semente para eles entenderem. Você já percebeu que aqui não tem um estagiário negro? Você já percebeu que aqui não tem um profissional negro? Quando você abre a mente dessa pessoa branca dentro das redações é um mundo sem volta. É como se você tivesse tirado uma lente do rosto, ela começa a observar o mundo de outra maneira. Já vi isso em muitos chefes. Eu brinco que faz parte constranger o branco, tirar a pessoa daquela zona de conforto. Isso serve para aquecer o nosso debate”, ressaltou Luciana ao site da revista Tpm.

Esta é uma realidade antiga e que é presente também nos outros veículos de jornalismo do Brasil. Em uma pesquisa publicada pelo coletivo de mídia Vaidapé em 2017, nota-se que apenas 3,7% dos apresentadores dos jornais brasileiros são negros, sendo 10 apresentadores pretos contra 261 brancos. “Checamos 204 programas das sete emissoras citadas (Cultura, SBT, Rede Globo, Rede Record, RedeTV!, Gazeta e Bandeirantes) que foram transmitidos entre o segundo semestre de 2016 e o primeiro de 2017. O resultado foi um levantamento de 272 apresentadores que compõem as grades de programação”, diz a pesquisa.

Dados como esse não refletem o percentual da população negra no Brasil que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), já é de 55,8%. Isso reforça a insatisfação dos estudantes de jornalismo pretos que não se sentem representados na TV, como é o caso do Luiggi Bacelar, estudante do 5º período na Universidade Federal do Amazonas (Ufam). “Temos raros casos de pessoas negras desempenhando o papel de âncora ou qualquer outro cargo importante em programas televisivos. Temos que sempre diminuir ao máximo qualquer aparência de descendência negra e isso é uma realidade ainda muito presente”, afirmou ele. 

Segundo o sociólogo Francisco Machado, a falta de representatividade no telejornalismo é uma violência simbólica feita por meio da mídia que muitas vezes é porta voz dos costumes e da mentalidade da classe alta do país. Para ele esses ideais se repetem constantemente na TV e se transformam em padrões fixos como, por exemplo, o idioma que deve-se aprender e comportamentos que tem que se ter. “É como se colocasse um óculos que filtra o que devemos entender sobre o mundo”, afirma Francisco. 

De acordo com o relatório “Quem é o jornalista brasileiro? – Perfil da profissão no país”, publicado pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em convênio com a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) em 2012, jornalistas negros, entre jornal impresso, televisão e internet, são apenas 5% no Brasil. E é essa ausência da população negra em espaços, inclusive no telejornalismo, uma das causas que perpetua estereótipos e situações como as citadas acima com Rodrigo Branco e Rodrigo Bocardi, além de refletir na carência de representatividade nas pautas, seja na inclusão de reportagens com temáticas raciais ou com a participação de um especialista preto.

Para que isso aconteça se faz necessário a presença de profissionais negros tanto na frente das câmeras quanto por trás. Além disso, o jornalista e ativista Raull Santiago, do coletivo Papo Reto, ressalta que esses profissionais não devem ser condicionados a falar somente de questões raciais.

“Nos lugares em que trabalham, quantas pessoas pretas e faveladas estão falando sobre coisas que não se resumem a ser pretas e faveladas? A busca por diversidade nas redações significa não tratar as pessoas negras e da periferia como objetos, e sim como sujeitos; significa entender que questões racionais estão no centro, e não à margem de qualquer discussão sobre a sociedade brasileira” disse ele em fala no Festival 3i. 

BBB 20

Situações com o ator Babu Santana e a médica Thelma Assis, únicos negros do reality show Big Brother Brasil 2020 (BBB), chamaram a atenção e levantaram questionamentos sobre o comportamento das pessoas brancas da casa. Apesar de em rede nacional não mencionarem de forma explícita o assunto, nas redes sociais telespectadores apontaram comentários racistas por parte de alguns participantes do programa.

Nas primeiras semanas Babu foi associado mais de uma vez à figura de “monstro” e de instaurar a sensação de “medo” em duas participantes. Além disso, Babu desabafou com Thelma sobre como se sentia em relação a médica Marcela. A Marcela me olha que nem uma madame, do mesmo jeito que minha patroa me olhava. Eu tenho trauma desse olhar”. 

Ivy também foi acusada de preconceito racial após um comentário com Giselly e com o ex BBB Pyong. Ao ver o pente garfo do Babu, ela questiona: “Quem penteia o cabelo com um trem desse?” ao pegá-lo na mão. Pyong responde que é do ator e ela caia na risada. Já Thelma também não foi poupada dos comentários. Em um deles Giselly observa o lençol da médica e diz “Gente, eu não sei o que a Thelminha passa na cara. É barro? Isso é barro!”, diz ela aos risos se referindo a maquiagem de Thelma que fica constrangida com a situação. Além disso, Thelma sempre foi vista como uma participante tranquila mas ao tirar satisfação com Mari, por causa da prova do Líder em que elas foram finalistas, a atitude de Thelma foi caracterizada como “agressiva”.

Mas de onde surgem discursos como esse? Culturalmente, devido ao racismo estrutural, os corpos negros são carregados por um olhar criminalizado, no qual ele é visto como “raivoso”, “agressivo” e até “monstruoso”, como no caso do Babu. “Essa visão infectou as instituições e, sim, o entretenimento. A maior parte da população brasileira é negra, parda, cabocla, não é branca/europeia. Mas, ao olhar para o BBB, só há dois participantes negros”, avalia o escritor Ale Santos ao site de notícias UOL.

A diferença entre a quantidade de indivíduos pretos e brancos no BBB é gritante. Ao longo de 20 temporadas passaram pela casa cerca de 300 pessoas mas somente 46 delas eram negras, incluindo Babu e Thelma, segundo o podcast Lista Preta, e de vencedores foram apenas três, Cida (2004), Mara (2006) e Gleici (2018). Além disso, é importante observar que oito deles foram eliminados com mais de 70% de rejeição.  

Negro ou preto?

Uma semana após a saída do candidato Felipe Prior, Babu chamou a atenção em uma conversa com as outras participantes sobre racismo e o significado ao redor das palavras “negro” e “preto”. O ator disse: “‘Nigro’ quer dizer ‘inimigo’! Não tem nenhuma atribuição positiva a ‘negro’. O certo é ‘preto’”. Após Babu terminar sua fala, a mineira Ivy disse “Preto para mim soa engraçado”

Babu prosseguiu com sua explicação após o comentário, afirmando: “Em nenhum lugar do mundo, alguém aceita ser chamado de ‘negro’”, falou dando o exemplo dos Estados Unidos, em que a palavra ‘nigger’ é considerada extremamente ofensiva. “Só no Brasil”, complementou Thelma. 

https://www.youtube.com/watch?v=pesaBA1nRG0

A fala de Babu gerou diversas discussões nas redes sociais sobre a utilização dos termos e no artigo “A definição do preto ou do negro no Brasil é maior do que as pessoas imaginam”, o escritor Ale Santos contou porque o debate sobre a utilização deles é profunda, que vai desde a etimologia da palavra, escravidão, diáspora, identidade e a busca pelo movimento negro em mudar o significado da palavra “negro” no Brasil.

“A negação da negritude em solo brasileiro foi absurda, o país não queria vender a ideia de que aqui existia um número exorbitante de Africanos e pretos, nossa sociedade partiu ora da descendência, ora da marca para determinar que essas pessoas seriam ‘cabras, mestiças (…)’. Foi a partir desse contexto que os movimentos negros criaram uma tensão contrária, trabalhando não apenas para ressignificar o sentido de ser negro no país, mas abrangendo todos os descendentes de africanos que eram chamados por vários termos racistas no passado”, afirma Ale. 

Para ler o artigo na íntegra, acesse este link.

“Não basta não ser racista é preciso ser antiracista”

A frase “Numa sociedade racista, não basta não ser racista, é preciso ser antirracista” é de Ângela Davis, famosa escritora e ativista dos direitos civis dos afro-americanos, proferida em um discurso em Oakland, Estados Unidos, em 1979. Hoje, a frase é muito usada e carrega a mensagem da necessidade de as pessoas adotarem práticas antirracistas como, por exemplo, repreendendo aquele amigo que cometeu uma discriminação racial. 

A prática contra qualquer tipo de discriminação racial é importante para estabelecer uma oposição e uma quebra a desumanização da população preta. Ser antirracista antes de tudo é também identificar e consumir trabalhos produzidos por pessoas pretas e, para você comunicador, é também buscar métodos de trabalho que não contribuam com racismo. Abaixo confira o “Minimanual de Jornalismo Humanizado : racismo” da ONG Think Olga: 

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