Isabella Botelho; 03/07/2020 às 09:30

Por que grandes marcas como Coca-Cola, Diageo e Unilever suspenderam a publicidade nas redes sociais?

Entenda como a campanha #StopHateForProfit levou empresas a pausarem a publicidade e a importância do apoio às causas sociais

Segundo o Financial Times, quase um terço das maiores marcas do planeta suspenderão sua publicidade em mídia social ou existe grande probabilidade de que o façam, de acordo com pesquisa. Realizada ouvindo os principais anunciantes, ela que revela a escala da revolta que plataformas como o Facebook, Snapchat e o Twitter estão enfrentando.

De acordo com a Federação Mundial de Anunciantes, uma organização setorial que congrega empresas responsáveis por 90% do investimento publicitário mundial, 41% dos respondentes ainda não tinham decidido se suspenderiam suas campanhas por causa do conteúdo divisivo e do discurso de ódio que é veiculado nessas plataformas. 

As informações reveladas pela pesquisa indicam que o boicote contra o Facebook e outras plataformas tem o potencial de se estender à maioria dos grandes anunciantes. A pesquisa envolveu 58 companhias afiliadas à federação, que respondem por mais de US$ 90 bilhões anuais em investimento publicitário em todo o mundo.

O anúncio via redes sociais talvez seja, hoje, um dos principais meios para grandes marcas se comunicarem com o público consumidor. Afinal, nenhum outro meio permite segmentação tão específica quanto a de plataformas como o Facebook, o Instagram e o Twitter. O momento é de pressão por mudanças sociais em todo o mundo, principalmente após os inúmeros protestos gerados pelo assassinato de George Floyd nos Estados Unidos. O movimento Black Lives Matter, por exemplo, nunca teve tanto holofote em sua trajetória. Por isso, marcas de renome mundial estão se posicionando e procurando formas de contribuir para o progresso social.

O problema é que, diante da ascensão de grupos de extrema-direita e supremacistas raciais principalmente na Europa e nos Estados Unidos, as redes sociais se tornaram um espaço de livre propagação de discurso de ódio. Muitas das empresas não reagem veementemente e acabam permitindo que suas plataformas sejam usadas para tais fins. Neste contexto, surgiu um movimento em prol do boicote a estas redes sociais.

Lançado em meados de junho, o movimento #StopHateForProfit (Pare de dar lucro ao ódio, em tradução livre) pede às empresas que deixem de anunciar no Facebook durante o mês de julho. A iniciativa, que foi criada por seis grupos norte-americanos de direitos civis, exige que a rede social seja menos “complacente” com mensagens de ódio publicadas na plataforma. Em pouco tempo, gigantes como Coca-Cola, Diageo, Starbucks e Unilever começaram a divulgar nas últimas semanas a decisão de que estão abandonando anúncios em redes sociais, como uma resposta à omissão das plataformas. 

“Nós acreditamos em unir comunidades, tanto pessoalmente quanto online”, afirmou a Starbucks em um comunicado. A empresa pretende manter sua atividade em redes sociais, mas sem promover anúncios pagos. A marca disse ainda que pretende manter discussões internamente e com seus parceiros de mídia e organizações de direitos civis para pôr fim à disseminação do discurso de ódio.

A Coca-Cola, no entanto, já foi mais radical. A empresa decidiu interromper toda a publicidade feita em mídias sociais, em todo o mundo. Apesar das medidas,  Starbucks e a Coca-Cola disseram que, apesar de suspender propaganda em redes, não estavam aderindo oficialmente à campanha #StopHateForProfit. 

A Unilever, dona de diversas marcas importantes dos mercados de higiene e alimentação, por exemplo, reduzirá pela metade sua publicidade no Facebook, no Instagram e no Twitter pelo menos até o fim de 2020.

Além delas, outras empresas que anunciaram suspensão de sua publicidade em mídia social até agora incluem outras gigantes como Verizon, Adidas, Ford, Volkswagen e HP. Algumas marcas estão adotando o boicote de um mês de duração, enquanto outras estão se afastando da mídia social de maneira mais ampla, por prazos de até seis meses.

Apesar de ser cada vez mais comum vermos fortes posicionamentos das marcas, outras preferem não se manifestar em favor da diversidade. Em momentos como os que vivemos agora, precisamos relembrar que a publicidade não apenas reflete a sociedade, como também a influencia. A propaganda reforça e cria, contribuindo direta e indiretamente ao imaginário coletivo. Além da publicidade em si, vale lembrar a importância e a influência que as marcas têm na sociedade: elas têm o poder de ocupar o espaço e modificar a produção cultural que vemos na mídia, através da educação do público geral e presença de todos os tipos de pessoas em suas campanhas. 

Para atingir essa visão ampla e plural, é necessário ir muito além de uma peça publicitária. As empresas precisam de equipes igualmente diversas: setores de marketing, comercial e agências de publicidade compostos por todos os tipos de pessoas, gêneros, etnias e orientações sexuais. Equipes diversas trazem resultados e soluções inovadoras sob olhares e perspectivas distintas.

Case Nike

Nos últimos anos, quando paramos para relembrar empresas engajadas em causas sociais, uma das primeiras que vem a mente é a Nike. O apelo emocional já é uma marca das campanhas da Nike, que aposta em mensagens de motivação em diferentes contextos. Pode ser através do depoimento de um atleta olímpico ou uma história de uma comunidade local, o que faz com que a marca seja conhecida por levantar diversas bandeiras de forma sutil.

Do apoio à equidade de gêneros, à sustentabilidade, apoio à pessoas trans e empoderamento negro, a marca transita por diferentes causas. O Mercadizar selecionou oito campanhas que, de forma direta ou indireta, abordam o apoio da Nike às mais diferentes causas e são exemplo de um posicionamento sólido e verdadeiro. 

For once, Don´t Do It (2020)

Em meio aos protestos que ganharam as ruas de várias cidades dos Estados Unidos por causa da morte de George Floyd, em uma ação policial em Minneapolis, a Nike lançou um manifesto incentivando que “todos façam parte da mudança”. A iniciativa ganhou apoio da concorrente Adidas.

A Nike transformou seu famoso slogan Just Do It, (faça, em tradução livre) em Don’t Do It (não faça) para discutir o racismo. No comercial, publicado nas redes sociais da marca, a empresa chega a incentivar que as pessoas participem dos protestos.

“Não faça isso. Não finja que não há um problema na América. Não vire as costas ao racismo. Não aceite que vidas inocentes sejam tiradas de nós. Não dê mais desculpas. Não ache que isso não te afeta. Não fique em silêncio. Não ache que você não pode fazer parte da mudança. Vamos fazer parte da mudança”, diz o manifesto.

Dream Crazy – 30º aniversário do Just Do It (2018)

Em 2018, a marca criou uma grande polêmica ao escolher o jogador de futebol americano Colin Kaepernick para ser uma das estrelas da campanha de 30° aniversário do slogan Just Do It. Em 2016, Kaepernick começou a se ajoelhar durante a execução do hino dos Estados Unidos, antes das partidas de futebol americano, em protesto contra o racismo, a brutalidade policial e a injustiça social.

Seu exemplo foi seguido por alguns jogadores, que se ajoelhavam, ficavam de braços dados ou erguiam os punhos cerrados durante a execução do hino. O presidente Donald Trump fez da iniciativa uma luta política, ao postar diversas mensagens no Twitter criticando os jogadores e declarando que eles deveriam ser demitidos.

Kaepernick possuía contrato com a Nike desde 2011, mas não aparecia em uma campanha da marca desde 2016, desde que parou de ser contratado pelos times da liga de futebol norte-americano.

Após a veiculação da propaganda, a marca sofreu com o boicote de alguns consumidores. Após a hashtag #NikeBoycott ganhar destaque nas redes sociais, as ações da empresa chegaram a cair 4%. O valor de mercado da companhia despencou na ocasião, em uma perda de aproximadamente US$ 3,75 bilhões.

Apesar das reações negativas e dos muitos protestos contra a ação, a empresa recebeu em 24 horas mais de 43 milhões de dólares em exposição na mídia.

Dream Crazier (2019)

Protagonizada pela tenista Serena Williams, a campanha criada pela Wieden+Kennedy evidencia como as mulheres são julgadas e taxadas como loucas e em alguns casos perseguidas por fazerem escolhas que parte da sociedade censura.

Em cena, o vídeo exibe mulheres de outras modalidades em momentos decisivos e de extrema tensão, como Becky Hammon, ex-jogadora de basquete e a primeira assistente técnica principal da história da NBA, Kathrine Switzer, a primeira mulher a correr a Maratona de Boston e Ibtihaj Muhammad, esgrimista que se tornou a primeira a usar um hijab durante uma competição olímpica. 

Lançada às vésperas da Copa do Mundo Feminina, disputada em junho do ano passado na França, a campanha é uma celebração das mulheres no esporte.

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