Desde que a primeira pessoa foi confirmada com coronavírus na região do Marajó (PA), no dia 15 de abril, a equipe do Observatório do Marajó já estava acompanhando a situação dos estados do norte do Brasil e, a partir de então, realiza análises semanais por meio de boletim em suas redes, constatando que a cada 10 dias os números de casos de Covid-19 no Marajó mais do que dobra.
Atualmente, a região está com 2352 números de casos e Breves, o maior município do Marajó, é o terceiro do Estado em casos confirmados e de mortes, ficando atrás apenas da capital paraense, Belém, e de Ananindeua, município da Região Metropolitana.
A cidade de Breves concentra a maior quantidade de leitos públicos da região e é a única em que as unidades de saúde pública possuíam respiradores, fazendo da cidade a referência para atendimento médico da população de outros 09 municípios do Marajó. Breves foi a primeira cidade o arquipélago a receber um Hospital de Campanha, que teve um atraso de 18 dias. Contudo, segundo recente pesquisa realizada pela Universidade Federal de Pelotas (RS), 25% da população do município já foi infectada pelo novo coronavírus.
Tais dados alarmantes ressaltam uma realidade historicamente vulnerabilizada em diversos aspectos, conforme salienta a coordenadora do Programa Direitos Humanos, Infâncias e Diversidade no Arquipélago do Marajó (DHIDAM/UFPA), Jacqueline Tatiane da Silva Guimarães:
“Nesta região ainda há muitos casos sem confirmação em decorrência da estrutura precária do sistema de saúde e pela falta de recursos financeiros da população de se deslocarem de suas comunidades para os centros urbanos. Muitos neste momento estão praticando a automedicação ou o autocuidado, recorrendo às suas orações e aos seus chás de ervas, acreditando que estão lidando com uma gripe comum”, disse ela.
O novo coronavírus não revela o caráter desigual do Brasil, mas sim reafirma e escancara as desigualdades já existentes e a insuficiência de suas políticas públicas. Nesse sentido, a proposta do Observatório do Marajó é reunir dados que traduzem melhor o cenário atual do arquipélago, com o objetivo de trazer visibilidade para a região, mostrando que a desigualdade social, a falta de políticas públicas eficientes e a ausência de direitos garantidos costuram a realidade da vida das pessoas no Marajó, desde antes do acontecimento da pandemia do novo coronavírus alcançar a região.
“Enquanto um observatório, pode parecer que o elemento mais importante do nosso trabalho é o dado, mas não. O dado é só uma capa que envolve e representa o verdadeiro elemento que nos importa: a realidade da vida das pessoas. É sobre isso o observatório do Marajó e este caderno”, afirma o coordenador do observatório, Luti Guedes.
“Cadernos do Marajó” – Edição Especial: 40 dias de Marajó com Coronavírus
Os números relacionados a extensão do contágio do novo coronavírus no Marajó impressionam, mas não surpreendem. Não seria possível esperar outro cenário de uma região historicamente vulnerabilizada. Contudo, é importante evidenciar sobre as particularidades que envolvem este território que, assim como a Amazônia, é diverso e heterogêneo, para se compreender os desafios enfrentados pelos cidadãos marajoaras.
Lavar as mãos com água e sabão é a medida mais eficiente de autocuidado para a prevenção da Covid-19, no entanto, para os habitantes da maior ilha fluviomarítima do mundo, este simples ato se torna um desafio. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a estimativa da população total da região do Marajó em 2019 era de 564.199, espalhados pelos 16 municípios que compõem o arquipélago. Levantamento do Observatório do Marajó com apoio do Instituto Água e Saneamento mostrou que apenas 03 municípios (Salvaterra, Santa Cruz do Arari e Soure) têm mais da metade das suas populações conectada à rede geral de distribuição de água e apenas 02 municípios (Cachoeira do Arari e Soure) têm mais de um quarto da sua população com esgotamento sanitário (incluindo fossas sépticas).
A dependência do sistema público de saúde é mais um complicador: 12 municípios do Marajó dependem exclusivamente de estabelecimentos públicos de saúde (Afuá, Anajás, Bagre, Cachoeira do Arari, Chaves, Curralinho, Gurupá, Melgaço, Muaná, Portel, Santa Cruz do Arari, São Sebastião da Boa Vista).
Além disso, 07 municípios (Afuá, Anajás, Bagre, Breves, Curralinho, Melgaço e Portel) concentram 70% dos casos confirmados de Covid-19 na região. O pico de casos, no período dos 40 dias analisados, ocorreu no dia 22 de maio, o trigésimo oitavo desde o primeiro caso, com 127 pessoas confirmadas em 24 horas. O pico de óbitos, no período dos 40 dias analisados, ocorreu no dia 15 de maio, o trigésimo primeiro dia desde o primeiro caso, com 10 mortes notificadas em 24 horas.
No quesito transparência, de acordo com o levantamento realizado pelo Observatório do Marajó em parceria com o Instituto de Governo Aberto:
– Nesses 40 dias, apenas 09 municípios (Breves, Curralinho, Melgaço, Muaná, Ponta de Pedras, Portel, Santa Cruz do Arari, São Sebastião da Boa Vista e Soure) tinham sites ou páginas específicas de informação e atualização de dados sobre o coronavírus;
– Nesses 40 dias, somente 03 municípios (Muaná, Ponta de Pedras e Portel) tinham portais específicos de transparência de gastos relacionados às ações de combate ao coronavírus;
– Nesses 40 dias, unicamente o município de Salvaterra informava se as pessoas que pegaram coronavírus são da área rural ou área urbana do município.
Esses dados alarmantes mostram a importância do acesso à informação, que é também um direito à memória, já que dados não são apenas números em si, mas representações da população, de seres humanos. Nessa perspectiva, a reunião destas informações não se deu em virtude da magnitude do que o novo coronavírus representa neste momento para a sociedade, e sim pela relevância que a região do Marajó e os seus cidadãos possuem. Diante disso, esta edição especial dos “Cadernos do Marajó” se trata da análise dos 40 dias de Marajó com o coronavírus, e não o contrário.
O “Cadernos do Marajó” – Edição Especial: 40 dias de Marajó com Coronavírus está disponível no site www.observatoriodomarajo.org . Observatório do Marajó também disponibilizará em seu site a planilha com todos os dados usados no caderno, para que qualquer pessoa possa utilizá-los.
Fonte: Assessoria Observatório do Marajó
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