Patrícia Patrocínio; 06/12/2021 às 16:30

Exposição coletiva de artistas brasileiras em Nova Iorque questiona a sexualização da mulher 

"Oh, I Love Brazilian Women!" traz 12 trabalhos realizados por artistas de diferentes regiões do Brasil

A mulher brasileira será protagonista em um dos espaços de arte mais vibrantes de Manhattan, em Nova Iorque. A exposição coletiva “Oh, I Love Brazilian Women!”, que conta com a concepção da curadora e tradutora Luiza Testa, apresentará, a partir do dia 14 de janeiro, trabalhos de doze artistas na apexart (Church Street, 291) que têm como objetivo criticar a imagem da beleza erotizada forjada sobre o corpo das mulheres brasileiras.

A seleção das obras foi realizada a partir de uma pesquisa aprofundada e em colaboração com as artistas sobre as mazelas que as mulheres carregam por serem mulheres, verificando que, em comum, tiveram a capacidade de transformar suas dores em algo universal e palpável pela arte. “A intenção da exposição é abordar o problema do estereótipo da mulher brasileira, provando como a própria produção de cada uma das artistas contém uma multiplicidade de pensamentos, de histórias, de corpos e de formas de existir”, conta Luiza Testa.

Dessa forma, as obras expostas em “Oh, I Love Brazilian Women!” discutem, questionam e respondem a colocações como: o que é uma mulher? Qual é a ligação entre a mulher e a natureza? Qual a diferença entre o sofrimento das mulheres negras e indígenas e o das brancas? E, trazendo à tona a realidade atual do mundo: como o isolamento social da Covid-19 impactou a violência doméstica?

O projeto curatorial de Luiza Testa foi um dos quatro selecionados entre 450 propostas recebidas por meio da Chamada Aberta de NYC 2021-22 da Apexart. Os trabalhos foram avaliados por mais de 400 jurados individuais, incluindo 23 turmas universitárias e 3 turmas especializadas do ensino médio, resultando em mais de 16.000 votos emitidos. As propostas e jurados vieram de mais de 89 países.

As artistas presentes na exposição são: Arissana Pataxó (BA), Benedita Arcoverde (PE), Brenda Nicole (SP), Camilla D’Anunziata (RJ), Fernanda Sternieri (SP), Juliana Manara (Londres), June Canedo (Nova Iorque), Lenora de Barros (SP), Micaela Cyrino (SP), Milena Paulina (SP), Santarosa Barreto (SP) e Vitória Cribb (RJ). Seus trabalhos serão apresentados em diferentes suportes, como pintura, fotografia, intervenção e videoperformance.

Por dentro da exposição

“Brazil”, de Santarosa Barreto (foto no topo deste texto), é o resultado de uma residência artística da qual Santarosa Barreto participou na França. A artista, assim como muitas das mulheres que vivem fora do Brasil ou que visitam outros países, era frequentemente confrontada com uma forma de “negging” – em que um aparente elogio, na verdade, está imbuído de outra intenção. Neste caso, o comentário sugere a expectativa sexual que se tem em relação às mulheres brasileiras ou latinas. (@santarosa)

Durante o período de quarentena imposto pela pandemia, em 2020/21, somado ao desmonte que vem sofrendo a cultura brasileira no atual momento, a arte foi uma das frentes mais impactadas. Arissana Pataxó foi uma das artistas convidadas a participar do “Quarantine”, projeto criado para incentivar a produção e venda de obras de arte. Sua obra “Indiogente, Indigente, Indigen-a-te”, presente na exposição, é um tríptico composto de fotografias de pessoas indígenas nas quais Arissana Pataxó faz uma intervenção cirúrgica, apagando os corpos e rostos, deixando apenas seus contornos. A obra aborda diretamente a questão do apagamento dos povos indígenas desde a chegada dos primeiros colonizadores até os dias de hoje. Não restam dúvidas de que as mais afetadas neste longo processo de violência foram as mulheres. (@arissanapataxoportfolio)

Na performance “Cadê minhas irmãs?”, Benedita Arcoverde promove uma séria denúncia: ao fazer a pergunta que serve de título ao trabalho, a artista se refere ao hediondo dado que mostra o Brasil como o país que mais mata pessoas transgênero no mundo, embora figure também como o país em que mais se busca vídeos pornográficos com temática transexual. (@benedita_arcoverde)

“Volume 7”, de Brenda Nicole, retrata uma personagem dançando ao som de música e rodeada de diversos elementos, tais como letras de funk – frequentemente obscenas – além de outras palavras. O funk brasileiro é um gênero musical cujas origens estão na favela carioca e que se popularizou posteriormente em todo o país e no mundo. Uma das muitas discussões que emergem das letras e da dança com teor sexual refere-se à misoginia: afinal, o funk libera e empodera as mulheres para que ajam da forma como quiserem ou ele objetifica o corpo da mulher? (@deztrui)

“There’s no place like home”, de Camilla D’Anunziata, mostra um par de sapatos vermelhos brilhantes unidos por uma corrente de metal e a frase “fica em casa”. Uma crítica ao fato de que, durante o período de isolamento pela Covid-19, a taxa de violência doméstica no Brasil aumentou quase 45% – provando que nem todas têm em seu lar um porto seguro. (@danunziata)

Atividades têxteis são, tradicionalmente, consideradas tarefas femininas, mas Fernanda Sternieri acrescenta contemporaneidade a suas tapeçarias. “Alfabeto Cibernético” é uma peça que fecha a série chamada “Alfabeto Selvático”, na qual a artista explora a ideia por trás da comunicação e de quem éramos antes mesmo da língua existir. A comunicação na era digital parece invocar sons rudimentares, como o “kkkk” que, em português, é utilizado para expressar uma risada. (@fernanda.sternieri)

“Our Bodies Our Selves” é uma série de fotografias que compõem uma imagem maior imbuída de uma mensagem bastante clara. Juliana Manara, que mora em Londres, ficou chocada após descobrir um estudo mostrando que quatro em cada cinco mulheres brasileiras em Londres já enfrentaram violência de gênero. Após o violento ataque e assassinato de Sarah Everard na noite de 3 de março de 2021 (também em Londres), ficou claro para a artista que a sociedade ainda não aprendeu a respeitar a mera existência das mulheres. (@julimanara_)

Em “Procuro-me / Procura-se (Wanted / Wanted By Myself)”, uma performance de 2002, Lenora de Barros percorre a cidade de Curitiba portando cartazes do tipo “procura-se” retratando a própria artista vestida em diferentes fantasias e pergunta aos transeuntes se viram aquela pessoa do cartaz. Confusos, alguns notam que é a artista quem está no cartaz, enquanto outros ignoram o fato. Os pôsteres e o espelho apresentados na exposição remetem à nossa perpétua busca por uma identidade própria. (@ledebe).

A emocionante performance “A Cura”, de Micaela Cyrino, foi criada durante sua residência artística em Quito, no Equador. A obra trata de sua experiência como alguém que nasceu com o vírus do HIV e que alega que devemos encontrar a cura – não para o vírus, mas sim para a doença social que é a estigmatização e o preconceito. (@micaelacyrino)

As fotografias de Milena Paulina chamaram atenção nas redes sociais. Paradoxalmente, a artista trava uma batalha contra a censura nas redes e, frequentemente, tem sua conta deletada por postar imagens contendo corpos nus, e mais: corpos nus, pretos, gordos e/ou de pessoas não-binárias ou gênero fluído. Os retratos de Paulina, como “O grito”, mostram um Brasil desconhecido para o olhar estrangeiro e que pode até parecer não-convencional para alguns, mas que é, sem dúvidas, a realidade de muitos. (@olhardepaulina_)

A instalação “W97M/MELISSA”, de Vitória Cribb, tem como ponto de partida a pesquisa da artista acerca de um macro vírus conhecido como Melissa, criado em 1999. E-mails contendo o vírus foram disparados, tendo como alvo alto executivos (uma área tradicionalmente dominada por atores homens e brancos, particularmente na década de 1990) e cuja mensagem era escrita de forma provocante, como se uma mulher chamada Melissa a tivesse enviado. Esta obra pode ser interpretada à luz da antiga prática, que data desde Eva e Pandora, em que as mulheres são consideradas as culpadas pela causa de todos os males. (@louquai)

Brasileira radicada nos Estados Unidos há mais de 20 anos, June Canedo apresenta a obra “The Water Fountain”. Nesta performance a artista corre em um buraco por uma hora, trazendo à tona toda tensão e exaustão em resposta à perda de identidade após eventos traumáticos como assédio sexual, a vida em um lar violento e as agruras da imigração.

Fonte: Assessoria

 

 

*O Mercadizar não se responsabiliza pelos comentários postados nas plataformas digitais. Qualquer comentário considerado ofensivo ou que falte com respeito a outras pessoas poderá ser retirado do ar sem prévio aviso.