Isabella Botelho; 29/10/2020 às 15:00

Estudo sobre mulheres negras no mercado de trabalho identifica oportunidades e entraves para inclusão racial no Brasil

Indique uma Preta e Box1824 se unem em pesquisa inédita que ouviu mais de mil entrevistadas e mostra barreiras sistemáticas e as potencialidades da mulher negra no mercado de trabalho

Fruto de seis meses de trabalho, a consultoria Indique Uma Preta e a empresa de pesquisa Box1824 lançaram na quarta-feira, 28, a pesquisa “Potências (in)visíveis: a realidade da mulher negra no mercado de trabalho”, um dos maiores levantamentos já feitos no Brasil sobre inclusão de mulheres negras no mundo corporativo.

O objetivo da pesquisa é reforçar os efeitos positivos de ambientes de trabalho mais diversos e inclusivos, bem como identificar entraves que barram a maior inserção e promoção de profissionais negras no mercado de trabalho. O estudo compila dados qualitativos inéditos coletados em grupos de discussão, entrevistas com especialistas, invasões digitais e pesquisa de futuro pela  Box1824 e Indique uma Preta, e dados  quantitativos, coletados via pesquisa online realizada com mais de mil mulheres negras de todo o país pela plataforma MindMiners. A pesquisa foi desenvolvida entre os meses de março e setembro, já dentro do contexto da pandemia do novo coronavírus.

O ponto de partida do documento foi entender por que, apesar de representarem a maior força de trabalho no país, a população negra segue subrepresentada no mundo corporativo. E, a partir disso, traçar caminhos para uma mudança de cenário. Para traduzir em dados a urgência do tema, as mulheres negras representam 28% da população brasileira, compondo o maior grupo étnico e também a maior força de trabalho do país. Juntos, negros e negras representam 54,9% da força de trabalho do Brasil e 57,7 milhões de pessoas, segundo dados do IBGE. No entanto, são também os representantes mais comuns entre os profissionais desocupados e subutilizados.

Entre oportunidades e vulnerabilidades, a pesquisa “Potências (in)visíveis: a realidade da mulher negra no mercado de trabalho” notou as barreiras que interferem nas relações de trabalho e empregabilidade das mulheres negras, impedindo um olhar para suas potencialidades. A primeira questão que chama atenção é a da inserção e ascensão, já que a falta de oportunidades de crescimento profissional é a principal causa de insatisfação entre mulheres negras. Questionadas, 51% das entrevistadas afirmaram que receber promoções foi difícil ou muito difícil nos últimos anos; 37% se disseram insatisfeitas ou muito insatisfeitas com esse fator; e 54% das mulheres negras de classe CDE afirmam que o reconhecimento profissional é difícil ou muito difícil.

Outro fator é a falta de seguridade, que gera sensação de instabilidade e leva essas profissionais a questionarem suas habilidades com frequência. Isso, por sua vez, compromete o potencial de rendimento. “Quando estabelecidas na carreira, ainda existe o desafio da transição entre empresas e a dificuldade de manter o nível hierárquico conquistado, uma vez que o mercado não promove essas mulheres a cargos mais qualificados com a mesma frequência com que outros perfis são”, afirma Verônica Dudiman, sócia e co-fundadora da consultoria Indique uma Preta. Questionadas sobre o impacto de experiências racistas no contexto profissional, 44% se sentem inseguras para acreditar no seu potencial e trabalho; 42% temem se posicionar ou falar em espaços coletivos; 41% têm a qualidade de vida alterada (sono, ansiedade, bem-estar); e 32% fazem alterações compulsórias sobre a estéticas para se adequar à espaços de trabalho.

Neste contexto, não é de se surpreender que exista, entre profissionais negras,  uma busca pela “super performance”: há um esforço constante por entregar o trabalho acima das expectativas e, assim, transpor o preconceito. O autodesenvolvimento é a estratégia que elas encontram para conseguir dar retorno aos investimentos feitos por elas mesmas ou pela família para ter destaque e reconhecimento no trabalho. Essa super performance as coloca em situação extrema de cobrança, bem como de fadiga física e mental. São 44% as mulheres de classe CDE que consideram a qualificação profissional difícil ou muito difícil. Porém, mesmo com menos oportunidades, as mulheres negras pretendem continuar se aprimorando para o mercado de trabalho: 43% pretendem voltar ou continuar a estudar; 31% querem fazer cursos específicos de capacitação em sua área; e 33% desejam buscar melhores condições de trabalho.

Já sob o ponto de vista dos líderes das empresas, existem barreiras como o desconhecimento da questão e uma visão enviesada dos avanços. “Por não se aprofundarem na multiplicidade de existências, o pouco que caminhamos em medidas afirmativas já é entendido como muito. Por isso, acreditam na diversidade de forma mais superficial, sem entender suas múltiplas potencialidades e os benefícios para o negócio”, avalia Malu Rodrigues, pesquisadora cultural e estrategista de conteúdo da Box1824.

Outra questão, segundo o estudo, que afeta líderes é o medo de errar. Apesar do tema racial e da diversidade estarem tendo visibilidade mais ampla nos últimos anos, há ainda muito desconhecimento sobre conceitos básicos e seu impacto na estrutura corporativa. Líderes, marcas e empresas ainda engatinham para se aprofundar nessas temáticas — e muitos se paralisam por medo de se expor. Por fim, há uma rede em desconexão, com o abismo entre pensar em ter pessoas negras na empresa e de fato tê-las.

Oportunidades

A diversidade é um dos pilares da sustentabilidade dos negócios no século XXI e, como tal, é o segredo para o sucesso de empresas que promovam a inclusão para impulsionar a companhia. Independente de interesses, metas e categoria em que atuam, o estudo demonstra que as empresas que pensam na presença da mulher negra conseguem elevar sua potencialidade econômica e estratégica ao nível máximo.

A pesquisa “Potências (in)visíveis: a realidade da mulher negra no mercado de trabalho” identificou três perfis profissionais que podem movimentar a presença e potencialidades das mulheres negras dentro das empresas. O primeiro deles é o Incentivador, que atua de forma mais básica, mas que pode ter funções importantes na empresa, como de sensibilizar e engajar as lideranças, ou quebrar barreiras inconscientes e criar espaços confortáveis para a inserção de mulheres negras no ambiente de trabalho.

Já o Catalisador compreende as demandas emocionais e funcionais para se movimentar no agora. Esse profissional pode selecionar, contratar e pensar em soluções dos perfis diversos já existentes na instituição pensando na sua promoção e reconhecimento, além de trabalhar a manutenção e o desenvolvimento com feedbacks e métricas de crescimento, e sensibilizar os colaboradores. Por fim, o Transformador tem o poder de promover mudanças estruturais e pensar estrategicamente, promovendo investimentos em capacitação, projetando a representatividade em cargos de decisão e transformando a reputação da empresa, com performance e inovação.

Hierarquia

Apesar do aumento de iniciativas para inclusão por algumas empresas, o caminho a ser percorrido é longo. Não só há poucas mulheres negras inseridas no mercado, como são raros os casos de líderes negras no Brasil. Das trabalhadoras negras entrevistadas, 54% não exercem trabalho remunerado e 39% delas dizem estar procurando emprego no atual momento. Outro dado aponta que 72% das mulheres negras não foram lideradas por outras mulheres negras nos últimos cinco anos de trabalho, contra 28% que foram. De todas as mulheres negras entrevistadas, nenhuma é CEO e apenas 2% é diretora no atual trabalho, contra 3% de gerentes, 3% de supervisoras/coordenadoras, 3% de sócias/proprietárias, 8% de analistas, 18% de administrativo/operacional, 23% de assistente/auxiliar e 5% de estagiários/trainees.

O estudo apontou três tópicos que estão diretamente atrelados à manutenção dessa hierarquia social no mercado de trabalho. O primeiro é a Política de Diversidade, já que as empresas fazem políticas afirmativas, mas com direcionamentos amplos e pouco estratégicos. “Os primeiros beneficiados são aqueles que já estão na ‘frente’, como pessoas de outros grupos minorizados, mas ainda assim brancas. Ao olharmos as metas estabelecidas por grande parte das empresas brasileiras, a mulher negra fica para o final da fila” aponta Verônica Dudiman, da Indique uma Preta.

Outro ponto é o Sistema de Indicações, que privilegia a contratação de pessoas conhecidas ou próximas de profissionais que já estão nos quadros das companhias. Como esses espaços são majoritariamente ocupados por pessoas brancas, o sistema privilegia que mais pessoas brancas sejam contratadas. Além disso, mesmo em contextos em que existem ações afirmativas, os Tipos de Vagas demonstram que, quando se fala de projetos de inclusão de negros no mercado, a maior parte das companhias foca em cargos na base da hierarquia, como assistentes ou analistas juniores. “Mesmo que a pessoa tenha experiência, ela necessita percorrer um caminho de enfrentamentos para ocupar cargos maiores. Em grande parte, o trabalho de inserção não atinge as camadas mais vulneráveis, deixando-a na base da pirâmide, onde há apenas trabalhos informais ou oportunidades autoprojetadas. Esse fato corrobora para a permanência das mulheres negras em situação de vulnerabilidade”, resume Malu Rodrigues, da Box1824.

Desenvolvido em parceria com a Mutato, que desde o início do ano incuba a Indique uma Preta, o estudo  “Potências (in)visíveis: a realidade da mulher negra no mercado de trabalho” está disponível no site do projeto. Com foco em suas atuações, Indique uma Preta e a Box1824 oferecem apresentações customizadas para empresas interessadas em se comprometer de forma estratégica com o tema de Diversidade&Inclusão.

Fonte: Assessoria

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