Há a ideia de que, para ser feliz e bem-sucedida, você precisa ser jovem e magra. Mas, isso tudo não passa de uma construção social e cultural.
A pressão estética, como o nome já sugere, é aquela pressão social difundida pela mídia. Ela nos leva a nos sentir insatisfeitas com a nossa imagem, com o nosso corpo, com o nosso rosto e com qualquer característica que esteja fora dos padrões impostos. Ela é tão sutil e tão enraizada em nossa sociedade que muitas pessoas nem percebem o que sofrem. Mas, no final, todos nós, homens e mulheres, sofremos pressão estética, cada um com seu grau de cobrança.
Mulheres, no entanto, são as principais vítimas dos padrões impostos por uma sociedade machista. Quantas vezes você, mulher, se olhou no espelho e ficou descontente com o que viu? Deixou de usar determinada roupa ou ir a algum evento por não estar satisfeita com a imagem que ali refletia? Em algum momento da vida, toda mulher já questionou sua beleza: uma gordurinha que não deveria existir, seios mais firmes e maiores, pele mais lisa e a obrigação de seguir uma dieta “super saudável”.
A pauta feminista em prol da afirmação da liberdade e da autonomia de mulheres sobre seus corpos sempre foi desafiadora. Um das manifestações mais icônicas foi a de autoria do grupo Women’s Liberation Movement contra o concurso Miss America, em 1968, na qual as ativistas queimaram simbolicamente objetos relacionados a beleza feminina (sutiãs, sapatos de salto alto, cílios postiços, maquiagens, revistas femininas, espartilhos e cintas). À época, as mulheres participantes foram consideradas radicais pela rejeição ao que, socialmente, seria um dever natural da atitude feminina. Num apelo ao fim das imposições sociais, elas só queriam mostrar que uma mulher pode sim ser feminina sem precisar se encaixar nos padrões.
Enquanto todas as pessoas estão sujeitas a sofrer com a pressão estética, a gordofobia atinge somente pessoas gordas, que sofrem estruturalmente esse preconceito. Para muitos, pode parecer a mesma coisa, mas a complexidade das duas opressões não se compara, já que apenas pessoas gordas passam por determinadas situações.
Quem explica é a publicitária, modelo e ativista contra a gordofobia Nathalya Brandão: “A pressão estética, resumidamente, é a busca pela perfeição. É o padrão que a mídia e a medicina consideram aceitáveis. É o resultado de uma sociedade capitalista onde corpos fantasiosos são levados a sério porque geram mais consumo. Por isso, de alguma forma, todo mundo sofre com essa pressão, independente de qualquer característica física. A diferença entre um e outro está na acessibilidade, nos direitos e na opinião patológica. Uma pessoa realmente gorda é tratada como doente e não tem seu espaço garantido nos lugares de socialização. Se onde você vai não tem onde sentar, como passar, o que vestir; se não há vagas de emprego para você ou se no próprio hospital não tem onde você ser atendido, você provavelmente sabe o que é gordofobia. É algo estrutural e não se ‘cura’ apenas com a construção de uma boa autoestima”.
O corpo gordo está envolto de uma série de estigmas sociais e mitos. Entre eles, o de que pessoas gordas não são saudáveis ou nem mesmo felizes pelo simples fato de serem gordas. Estudos indicam que, apesar dos esforços de conscientização, atitudes preconceituosas explícitas contra gordos aumentaram consideravelmente entre 2001 e 2010. Ainda é mais comum, no entanto, que esse preconceito apareça travestido de elogio ou preocupação. Frases como “você tem um rosto tão bonito, por que não emagrece?” são ouvidas por mulheres como Nathalya um dia sim, outro também.
“Desde os 10 anos de idade tenho problemas hormonais, então, o que mais ouvi durante a minha adolescência foi o famoso ‘tem que emagrecer para ter saúde’. Já fiz dietas malucas, já me receitaram remédios pesados e todo tipo de procedimento, e parece que nunca levavam em consideração o meu histórico. A impressão é que a maioria só me ensinava a maltratar e odiar meu próprio corpo. É claro que existem casos e casos para alguém ser submetido a um emagrecimento, mas percebi que não precisava ser o meu. Os exames estão ok, a alimentação e a prática de exercícios também. E o que mais importa: estou de bem com meu corpo”, relata.
Enquanto injúria racial e homofobia são considerados crimes no Brasil, o preconceito contra pessoas gordas não apenas passa batido como também chega a ser encorajado por órgãos da saúde pública e campanhas de publicidade, especialmente durante o verão, quando os corpos estão mais à mostra.
Mas, afinal, por que tanta intolerância com o corpo gordo? A resposta é: a representação do que é belo muda com o passar dos anos e o “avanço” da sociedade. Da Vênus de Willendorf, uma das primeiras representações humanas e uma idealização da figura feminina de forma corpulenta – com seios, barriga e bunda fartos, ao Renascimento, que valorizava corpos cheios, principalmente porque estavam relacionados à maternidade, chegamos à meados de 1800, quando houve a invenção da palavra “obesidade”, na França. O termo surgiu aliado a um discurso médico do período através do qual apontavam que as gorduras do corpo poderiam entupir os vasos sanguíneos. A partir de então foi sendo construído, ano após ano, o discurso de que um corpo gordo era “ruim”. O gordo foi associado ao feio e o magro, ao belo.
De acordo com o artigo “Padrões de beleza restritivos causam sofrimento a mulheres”, ser gordo num mundo pensado para pessoas magras é uma punição social. A pessoa é punida quando, para encontrar uma roupa que lhe sirva, precisa buscar lojas especializadas em tamanhos grandes, cujos preços não são acessíveis a todos; quando uma atividade trivial como pegar um ônibus se torna impossível porque a catraca e os assentos são estreitos e não comportam pessoas com um corpo diferente do pequeno e magro; ou quando não há representação positiva na televisão, nos livros ou nas revistas.
Mas, afinal, por que aprendemos a não nos amar?
Assim como a maioria dos fenômenos sociais, a construção do pensamento preconceituoso gordofóbico é moldado pela mídia. A Publicidade tem um papel bem grande na construção identitária do que é aceito, considerado bonito e “visto com bons olhos pela sociedade”. Por mais que tenhamos um leve esboço de representatividade e diversidade, os padrões e ideais como concursos de beleza ainda têm um impacto na vida das mulheres.
Enquanto modelos e atrizes que estrelam campanhas continuarem sendo magras e dentro de um padrão muitas vezes inatingível, nada vai mudar. “A mídia é a grande responsável pela frustração das mulheres. Ela cria o padrão de corpos, cabelos e aparência. Ela dita o que é belo e o que não é. Por isso, precisamos de uma publicidade inclusiva, que vai ajudar quando uma pessoa não cresce achando que o corpo, a cor, o cabelo ou qualquer coisa que ela tenha de diferente é errado. Ela é importante não apenas para nos vermos nela, mas porque a sociedade já cobra essa inclusão”, afirma Andréa Gouvea, mais conhecida pelo perfil @gordeia_, através do qual iniciou o debate sobre gordofobia em Manaus.
No entanto, isso deve ser feito de maneira responsável. “Comunicação não é só persuadir, informar ou emocionar, é também responsabilidade social e nós, comunicadores, nunca podemos esquecer disso. Levantar uma bandeira é um ato extremamente poderoso, importante e tem altos riscos de dar errado. Antes de qualquer campanha bonita com qualquer minoria no meio, é extremamente importante conhecer bem a marca e seu histórico para que esteja tudo bem alinhado. A marca precisa saber que a partir do momento que ela resolve comunicar um posicionamento, ela está dando voz a pessoas reais e também está dando abertura para que todos fiquem atentos a cada passo da marca”, completa Nathalya.
Outra questão apontada por Andréa é que muito do movimento contra a gordofobia é pautado no autoamor, autocuidado e aceitação. No entanto, segundo a ativista Luana Carvalho em entrevista à Tpm, pessoas gordas podem ter a autoestima que for, elas continuam sofrendo desumanização, negligência, preconceito, falta de acessibilidade e gordofobia médica. “A luta, além da aceitação corporal, é contra a gordofobia. Só amar o seu corpo não basta, você precisa pertencer à sociedade com o corpo que você tem”, completa Andréa.
Nuvens na pele
“A maior coisa que eu aprendi nessa vida é que nós somos muito mais do que o exterior. Seja no movimento de desestigmatização do vitiligo, das celulites, espinhas, peso ou cabelo. O que a gente tem que buscar não é que os outros ‘aceitem’ nossa forma de ser e de se expressar, mas sim a forma como nós mesmas nos enxergamos”, diz a modelo Karen Leda, 20.
Ela tinha apenas três anos quando foi diagnosticada com vitiligo e, por conta da pouca idade, se lembra vagamente dos primeiros anos. “O que eu tenho lembrança é só da minha família me levando em vários dermatologistas para fazer tratamento, como se essa fosse a única coisa a ser feita, a única alternativa possível”, conta.
O vitiligo é uma doença caracterizada pelo surgimento de manchas brancas na pele. Os melanócitos, que produzem a melanina, pigmento que dá cor à pele, são atacados pelo próprio sistema imunológico do corpo.
O vitiligo é uma condição estritamente estética, que não afeta a saúde. Apesar de não ser contagiosa, gera grandes impactos nas relações sociais e na autoestima. Ainda criança, Karen sofria com os fortes tratamentos e, principalmente, com a dificuldade em se relacionar com outras crianças por conta da doença. “Quando as manchas começaram a espalhar, as outras crianças não encostavam em mim com medo e nojo, diziam que ia passar pra elas, me colocavam apelidos e até os professores faziam comentários ruins”, completa.
Ela conta que lutou contra o vitiligo durante muitos anos, até que aos 16 anos parou de fazer o tratamento e começou a se aceitar. “Eu parei os tratamentos quando eu cansei de me machucar para tentar acabar com algo que não me trazia nenhum tipo de incômodo. A única coisa difícil no vitiligo é exposição ao sol, mas eu passei por tantos tratamentos com medicamentos, laser e tantas medicações que me machucavam que eu vi que eu só estava seguindo o que os outros achavam que eu precisava seguir por estética. Parece que quando acordei, nada mais foi igual e aí eu comecei a ver outras pessoas iguais a mim tendo uma vida normal, leve, despreocupada e aí virou a chave: eu jamais conseguiria ser feliz se continuasse perseguindo algo que não fazia sentido pra mim”.
Hoje, Karen incentiva pessoas com a mesma condição a se aceitarem e deixa o conselho: “Quando você começa a se olhar com carinho e a perceber o ser humano incrível que você é, todos esses rótulos deixam de fazer sentido. Você entende que se afirmar no mundo vai muito além disso. Claro que é incrível olhar no espelho e se amar, mas isso só é possível quando a gente se olha como um todo e percebe que tá tudo bem ser como a gente é, com todas as ‘imperfeições’”.
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