Isabella Botelho; 04/11/2020 às 10:26

Caso Mari Ferrer: de “estupro de vulnerável” a sentença inédita de “estupro culposo”

Nesta terça-feira, 03, o The Intercept Brasil divulgou reportagem e vídeo da audiência que inocentou o réu

Desde maio de 2019, o Brasil acompanha o caso da modelo e influenciadora Mariana Ferrer, 23, que abriu um processo na justiça contra o empresário paulista André de Camargo Aranha, a quem acusa de estupro. O crime aconteceu em dezembro de 2018, no Café de La Musique, um famoso beach club em Florianópolis, Santa Catarina. 

O processo, que corre desde julho de 2019, chegou ao fim no último mês de setembro, quando Camargo foi inocentado pela Justiça de Santa Catarina. De acordo com a defesa, o réu teria cometido um “estupro culposo”, quando supostamente não há a intenção de estuprar, alegando que ele não sabia de uma possível vulnerabilidade de Mariana e que acreditava estar praticando um ato sexual consentido pela mesma. O juiz aceitou a argumentação e, como não há pena para um crime que simplesmente não existe, o acusado foi absolvido.

Durante todo o julgamento, muito se falou nas redes sociais sobre as humilhações sofridas por Mariana durante o processo, quando até mesmo fotos da vítima chegaram a ser utilizadas numa estratégia para deslegitimar suas acusações e desqualificar o comportamento da mulher vítima de violência. 

Nesta terça-feira, 03, o The Intercept Brasil publicou uma reportagem sobre o caso e um vídeo da audiência, no qual o advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho humilha Mariana. O advogado mostra fotos da modelo, dizendo que ela posou em “posições ginecológicas”. Fala também que ela aparece “chupando dedinho”. 

https://www.youtube.com/watch?v=X–JAQShBBw

Em outro momento, Cláudio chega a dizer que “Graças a Deus” não tem uma filha do mesmo “nível” que Mariana e complementa: “E também peço a Deus que meu filho não encontre uma mulher que nem você”, continua ele. “A verdade é essa, não é? É o seu ganha pão a desgraça dos outros. Manipular essa história de virgem…”. 

Mariana chegou a questionar o juiz sobre o interrogatório feito, mas não obteve uma resposta a altura. “Excelentíssimo, eu tô implorando por respeito, nem os acusados são tratados do jeito que estou sendo tratada, pelo amor de Deus, gente. O que é que é isso?”. Mesmo assim, no vídeo, Rudson Marcos, juiz da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, é visto fazendo apenas uma intervenção no vídeo divulgado pelo The Intercept Brasil. Ele afirma que irá pausar a sessão para que a influenciadora possa tomar uma água e “se recompor”. Além disso, ele pede para que o advogado “mantenha um bom nível”, ainda assim, não foi o suficiente para seguir os parâmetros de uma boa justiça”.

Repercussão

Durante o dia, uma onda de protestos tomou conta das redes sociais. Temas relacionados ao caso entraram nos trending topics do Twitter Brasil, movimentando os perfis de anônimos e famosos que se posicionaram a favor da influenciadora. 

De acordo com informações divulgadas pela VEJA, Henrique Ávila, integrante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), acionou a corregedoria nacional de Justiça para que abra uma reclamação disciplinar contra o juiz Rudson Marcos pelo seu comportamento e atuação no julgamento em questão.

Além disso, segundo o Mídia Ninja, o advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho será oficiado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Santa Catarina para que “preste os esclarecimentos preliminares” sobre o julgamento. 

Através de suas redes sociais, Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), condenou a audiência, classificando as cenas como “estarrecedoras” e ressaltou que a Justiça não deve ser instrumento de “tortura e humilhação”. 

Deixamos registrado aqui também o posicionamento da equipe do Mercadizar.com, 90% formada por mulheres. O caso de Mariana Ferrer nos relembrou que não existe lugar seguro e nem justiça por nós, mulheres. Num sistema fundado em leis feitas por homens e para homens, nós não temos vez. 

O Brasil registra um estupro a cada oito minutos. Casos como este são mais comuns do que imaginamos. Eles se escondem nas delegacias, nos tribunais, são silenciados e abafados. Quando denunciamos, encaramos a deslegitimação, os questionamentos “mas o que ela estava vestindo?”, “o que ela fez?”, como se a violência fosse um castigo, uma punição. A todo momento somos caladas, interrompidas e questionadas. A pergunta que fica é: até quando? 

Fontes: The Intercept Brasil e VEJA

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