De acordo com o artigo “A História Negra no Brasil” do Instituto da Mulher Negra (Geledés), os primeiros escravizados pretos teriam chegado no país em 1538 quando, Jorge Lopes Bixorda, arrendatário de pau-brasil, levou para a Bahia alguns africanos. Com cerca de três séculos de duração, a escravidão foi abolida no Brasil somente no dia 13 de maio de 1888 quando a princesa Isabel, que na época ocupava a Regência do Império do Brasil, assinou a Lei Áurea que declarava a extinção da escravidão no país.
Em 2015, Luiza Bairros, ex-ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), disse ao Geledés que, após o fim da escravidão, nem o Estado, a Igreja ou os escravocratas assumiram a responsabilidade de viabilizar a integração dos negros na sociedade, dessa forma, deixando-os contar somente com a sorte.
“Ainda estamos tentando recuperar a forma traumática como essa abolição aconteceu, deixando a população negra à sua própria sorte. Como os negros partiram de um patamar muito baixo, teremos que acelerar esse processo com ações afirmativas, para que possamos sentir uma diminuição mais significativa das desigualdades”, disse Luiza em entrevista.
Além disso, por volta da década de 70 movimento sociais que lutavam contra o racismo ganharam mais força e idealizaram o dia 20 de novembro, data atribuída como dia da morte de Zumbi dos Palmares, como o Dia da Consciência Negra. Esses grupos questionaram a perspectiva do dia 13 de maio, no qual o protagonismo é dado a elite branca abolicionista e a princesa Isabel, além da assinatura da Lei Áurea como um ato de generosidade de ambos.
Em entrevista ao site Nova Escola, Túlio Custódio, sociólogo e membro do Coletivo Sistema Negro, e Martha Abreu, professora e pesquisadora da Universidade Federal de Fluminense (UFF), apontam Zumbi como principal representação da luta contra a escravidão.
Com isso, o Portal Mercadizar convidou cinco pessoas, entre ativistas, comunicadores, historiadores e sociólogos para responder a pergunta: 13 de maio é uma data a ser comemorada?. Veja o que eles disseram abaixo:
Elisângela Almeida
Membra e uma das fundadoras da União de Negros pela Igualdade (UNENEGRO) do Amazonas e responsável pela Educação para relações étnico-raciais, gênero e LGBTQI+ da Secretaria de Estado de Educação (SEDUC).
Na perspectiva do Movimento Negro Brasileiro a data não é comemorada pois nós entendemos, falo enquanto UNEGRO, que o processo de abolição formal aconteceu, mas foi negado o acesso às pessoas que estavam sendo escravizadas. Não houve condições reais para a participação dessa população na sociedade. Mas, acredito que o Dia Nacional de Denúncia Contra o Racismo, também no dia 13, dá o recado de que tivemos uma falsa abolição. Lembrando que não queremos não pensar sobre o dia 13 de maio de 1888, ele historicamente está no nosso calendário mas reitero que a forma de pensar sobre o processo é que deve ser ressignificada.
Francinézio Amaral
Sociólogo, professor e doutorando no Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal (UFPA).
Várias datas históricas no Brasil são revertidas de polêmicas e isso ocorre porque a história oficial do país foi contada e escrita apenas pelas elites, seja ela econômica ou política. É uma narrativa contada para satisfazer e justificar o poder das elites e isso não é diferente com o 13 de maio de 1888.
É uma data para vangloriar muito mais a princesa Isabel, que assinou um decreto puramente burocrático de libertação dos escravizados, que não tiveram nenhum suporte de política pública pensado e executado para essas pessoas que estavam sendo ‘’libertos’’ da escravidão. Ela não foi pensada para fazer alusão aquele povo que tinha sido liberto. Esse dia não representa absolutamente nada para o povo negro que luta desde sempre por reconhecimento contra o preconceito, contra a opressão e essa visão escravista que ainda permanece até hoje na mente de boa parte da sociedade brasileira e, especialmente, da elite.
Isabel Varão
Professora de história pela da Secretaria de Estado de Educação (SEDUC) e Mestrando em História Social da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).
Talvez pudéssemos pontuar uma série de questões que evidenciam as problemáticas em volto a essa data, como a perspectiva que reitera que a abolição partiu de uma ação do império, ou seja, dos brancos compadecidos com o sistema escravista que há anos mantinha a estrutura senhorial econômica à base da escravidão na sociedade brasileira. Essa percepção cultua no imaginário popular a ideia de que a princesa Isabel, ao assinar a Lei Áurea, foi a grande salvadora que pôs fim à escravidão no Brasil, quando a história revisitada nos mostra uma série de outros fatores socioeconômicos e culturais que “obrigaram” a extinção da escravidão, como as crises do império, forças revolucionárias econômicas que eclodiram no mundo inteiro e que gerou consequências no país como a Revolução Francesa (1789) com seus princípios de igualdade, liberdade e fraternidade; a Revolução Industrial (1760 – 1840) que passou a exigir mão de obra livre e assalariada e também as revoluções de independência das colônias da américa latina a partir de meados do século XVII.
Agora existe um movimento de ascensão do pensamento negro no Brasil e a história tem sido vista de uma outra perspectiva para entender e ressaltar o protagonismo do papel da população preta ao longo de sua história. Não é à toa, que o 20 de novembro, emergiu como uma data para lembrar da morte de Zumbi dos Palmares, líder negro que resistiu ao processo de escravidão, evidenciando, dessa forma, a luta do povo negro em prol de sua liberdade.
Kevellyn Jéssica
Historiadora, professora e estudante de Filosofia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).
É muito corriqueiro que nos lembremos de nossa infância, no qual o professor entrava em sala de aula e fazia um discurso rodeado de enaltecimento monárquico e passando nada mais que uma percepção eurocentrista. Mas, o movimento negro no Brasil consegue ser a cada década revolucionário. Sabe-se que não é mais necessário ter um homem branco escrevendo sobre esse período, pois os próprios pretos estão podendo ocupar o lugar que lhes é de direito.
A Isabel não necessariamente libertou a população negra por pura empatia, mas também por saber que era crescente já os movimentos abolicionistas e muitos países antes de 1888 já haviam libertado a população explorada. No Brasil até alguns estados já haviam extinto a escravidão, como o Amazonas e o Ceará.
O 13 de maio serve para lembrar todo o discurso tecido por uma historiografia eurocentrista em torno do branco salvador e desmistificar toda essa estrutura que ainda é racista. Não podemos também deixar de relembrar a resistência preta que fizeram frente em busca de emancipação e abolição.
Ribamar Oliveira
Comunicador Popular e Diretor da Rádio Comunitária A Voz das Comunidades.
É uma data que não comunga com os ideais libertários do povo negro. Ela entrou para o calendário histórico do país somente pela sua formalidade folclorizada. Ela não representa as reais condições necessárias para que a população negra tenha sua inserção e sua dignidade reconhecida e respeitada na sociedade; não expressa e nem representa às políticas públicas de acesso à terra, moradia, saúde, educação…Nem antes e nem depois do advento da Lei Áurea houve um único projeto estatal que firmasse a assimilação dos negros “ditos libertos”, e seus descendentes, à sociedade e a economia.
Como dito acima, para além da princesa Isabel, o Brasil teve outros nomes que foram determinantes na história da abolição. Para conhecê-los, confira as reportagens “Muito além da princesa Isabel, 6 brasileiros que lutaram pelo fim da escravidão no Brasil” da BBC e “Os heróis desconhecidos da escravidão” da Superinteressante.
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