O Dia Mundial do Meio Ambiente, comemorado em 5 de junho, levanta um alerta sobre a preservação ambiental, especialmente na Amazônia, onde há a maior biodiversidade do mundo. Em conteúdo especial sobre o tema, o Mercadizar mostrou, a partir de estatísticas recentes, como os povos indígenas contribuem para a preservação de biomas em Terras Indígenas (TIs).
Dando continuidade ao tema, o #MercadizarEntrevista conversou com a Coordenadora Secretária da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Marciely Ayap Tupari, sobre o ponto de vista dos povos originários sobre sua atuação na preservação dos biomas brasileiros.

Confira a entrevista completa:
Mercadizar: Como as populações indígenas da Amazônia contribuem para a preservação ambiental do bioma e de seus territórios? Qual a importância desses povos para o meio ambiente?
Marciely Ayap Tupari: Nós, povos indígenas da Amazônia, temos vivido e cuidado dessa floresta há milhares de anos. Nossa relação com o território é sagrada, porque entendemos que não somos donos da terra, somos parte dela. Quando falamos da preservação ambiental, não estamos falando de um conceito abstrato, mas estamos falando da nossa vida, da nossa cultura, da nossa espiritualidade e do futuro das próximas gerações. As populações indígenas contribuem diretamente para a preservação da Amazônia porque manejam os recursos naturais com equilíbrio, respeitando os ciclos da natureza e sem destruir o que sustenta todos os seres vivos. Nossos modos de vida, conhecimentos tradicionais e práticas de manejo sustentável, como o uso da floresta para alimentação, medicina e construção, garantem a conservação dos ecossistemas e da biodiversidade.
Muitos estudos já comprovaram que os territórios indígenas estão entre as áreas mais preservadas da Amazônia. Isso não é coincidência, é resultado da nossa resistência, da nossa luta diária contra as invasões, o desmatamento ilegal, a grilagem de terras e os grandes projetos que ameaçam a vida na floresta. A importância dos povos indígenas para o meio ambiente é vital. Nós somos os guardiões das águas, das árvores, dos animais e dos saberes que sustentam esse equilíbrio natural. Defender os direitos dos povos indígenas é também defender a vida do planeta, é garantir o ar que todos respiram, o clima que sustenta a agricultura e a água que chega nas cidades.
Por isso, exigimos respeito aos nossos territórios, aos nossos direitos garantidos pela Constituição e à nossa autonomia. A floresta vive porque nós vivemos nela. Proteger os povos indígenas é proteger a Amazônia. E proteger a Amazônia é proteger o futuro da humanidade.

Mercadizar: Os territórios indígenas também fazem parte da relação ancestral destes povos e sua cosmovisão. Como esta relação é importante e influencia a preservação dos territórios?
Marciely Ayap Tupari: Para nós, povos indígenas da Amazônia, o território não é apenas um espaço físico ou um pedaço de terra delimitado por mapas. O território é vida, é parte da nossa ancestralidade, da nossa identidade e da nossa espiritualidade. É ali que nossos antepassados caminharam, que nossos espíritos habitam, que realizamos nossos rituais, que ensinamos nossas crianças e onde nossos conhecimentos são mantidos vivos.
Na nossa cosmovisão, as terras indígenas são a forma como compreendemos o mundo, está profundamente ligada à natureza. Nós entendemos que tudo está interligado, os seres humanos, animais, rios, florestas, espíritos, céu e terra. Cada elemento tem seu papel e seu valor. Por isso, cuidamos da terra com respeito, como se fosse um ser vivo, porque é assim que a enxergamos.
Essa relação ancestral com o território é o que nos guia na luta pela preservação. Nós não protegemos a floresta porque nos foi ensinado em livros ou leis, mas porque aprendemos com nossos mais velhos que, sem ela, não há como viver. É por essa razão que os territórios indígenas são tão preservados. Porque neles a relação com a terra não é de exploração, é de reciprocidade. Nós tiramos dela apenas o necessário e sempre devolvemos em forma de cuidado e respeito. Nossa relação com o território é espiritual, coletiva e contínua.
Mercadizar: A Coiab tem dados quantitativos recentes ou pesquisas sobre preservação e desmatamento nas Terras Indígenas?
Marciely Ayap Tupari: Como estratégia de monitoramento permanente da Amazônia Brasileira, a equipe técnica elabora boletins e diagnósticos que servem como subsídio aos povos indígenas e a rede Coiab através de informações estratégicas às comunidades, organizações de base e à sociedade civil.
Em 2024 houve uma redução de 32% no desmatamento no Brasil quando comparado com 2023, segundo o MapBiomas. No entanto, em abril de 2025 foi registrado um aumento de 55% para o mesmo período em 2024, gerando atenção para a complexidade de enfrentamento e os desafios persistentes na proteção dos territórios.
No ranking de desmatamento em 2024 entre os estados da Amazônia Brasileira, destacam-se Maranhão (218 mil ha), Pará (157 mil ha) e Tocantins (153 mil ha), acima de 100 mil hectares desmatados, seguidos pelo Mato Grosso (92 mil ha), Amazonas (79 mil ha), Acre (37 mil ha), Roraima (23 mil ha), Rondônia (20 mil ha) e Amapá (617 ha).
Nas terras indígenas entre janeiro de 2024 a maio de 2025 foram desmatados 17 mil hectares dentro dos limites das TIs, correspondendo a 23 mil campos de futebol distribuídos pela Amazônia. O ranking dos dez territórios mais vulneráveis nesse período segue o padrão do chamado “arco do desmatamento”, com destaque para os estados do Maranhão, Pará, Mato Grosso e Amazonas, mas também exigindo atenção especial para os demais territórios que não lideram o ranking até maio de 2025, mas aponta tendências de potencialização dessa vulnerabilidade para o segundo semestre, especialmente em territórios dos estados de Rondônia, Acre e Tocantins.

Mercadizar: Como a Coiab consegue monitorar o desmatamento nos territórios?
Marciely Ayap Tupari: A Gerência de Monitoramento Territorial Indígena (GEMTI) da Coiab é responsável por coletar, integrar e analisar informações geoespaciais sobre ameaças aos territórios indígenas. Para isso, a GEMTI utiliza diversas fontes oficiais e parceiras que oferecem dados sobre desmatamento, focos de calor, queimadas, seca, enchentes, garimpo e outras vulnerabilidades territoriais. Entre as principais fontes utilizadas pela GEMTI estão:
- Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE): fornece dados de desmatamento (PRODES), alertas de focos de queimadas (Queimadas INPE), informações de uso e cobertura do solo (MapBiomas, DETER), imagens de satélite (Sentinel, Landsat), além de indicadores climáticos, meteorológicos e hidrológicos.
- MapBiomas: disponibiliza séries históricas de uso e cobertura do solo, mapas de desmatamento e dados sobre focos de fogo, biomas, vegetação, matrizes temáticas, estatísticas, imagens raster.
- Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA): oferece informações sobre vulnerabilidade a enchentes e inundações, bem como dados hidrológicos e climáticos. Inclui também o Monitor de Secas, com indicadores específicos sobre estiagem.
- SOMAI – ACI: plataforma e aplicativo para os Povos Indígenas, apresentando indicadores de desmatamento, focos de calor, temperatura, chuva, seca e mineração, voltados às necessidades das comunidades indígenas e auxiliando na tomada de decisões mais rápidas e estratégicas através de relatórios automatizados.
- AdaptaBrasil (MCTI): gera indicadores de risco e impacto das mudanças climáticas no Brasil, incluindo enchentes, desastres geo hidrológicos e estiagens.
Com base nessas fontes, a equipe da GEMTI realiza cruzamentos entre os dados geoespaciais (como desmatamento, queimadas, secas e demais temáticas) e os limites territoriais das Terras Indígenas em ambiente SIG (ex.: QGIS). A partir dessa análise, são mapeadas as vulnerabilidades e quantificados os impactos sobre os territórios. Esse trabalho ocorre de forma colaborativa, com diálogo contínuo com as organizações de base através de lideranças comunitárias, caciques, mulheres, jovens, agentes ambientais, brigadistas e agentes de monitoramento indígenas, Dessa forma, fortalece-se a rede de monitoramento territorial da Amazônia e o protagonismo indígena na proteção dos territórios.
Mercadizar: Quais são as principais ameaças aos territórios indígenas e sua preservação?
Marciely Ayap Tupari: Os territórios indígenas na Amazônia enfrentam hoje uma série de ameaças graves e crescentes, que colocam em risco não só a nossa existência como povos originários, mas também a preservação de toda a floresta e sua biodiversidade. Essas ameaças são impulsionadas, majoritariamente, por interesses externos, sendo eles econômicos, políticos e institucionais, que desrespeitam nossos direitos, nossa cultura e comprometem a vida da floresta.
Entre as principais ameaças que enfrentamos hoje estão: os projetos de infraestrutura e grandes empreendimentos, hidrelétricas, rodovias e outros megaprojetos são muitas vezes impostos sem consulta prévia aos nossos povos, violando a Convenção 169 da a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e impactando diretamente nossas vidas, os ecossistemas e nossas formas de organização. O garimpo ilegal, a mineração dentro dos nossos territórios contamina os rios com mercúrio, destrói a floresta, traz violência, doenças e degradação social. Além disso, rompe o equilíbrio ambiental e espiritual dos nossos povos. As pressões políticas e legislativas para enfraquecer nossos direitos, tais como leis e propostas como o Marco Temporal tentam impedir a demarcação de nossas terras e retirar os direitos conquistados na Constituição de 1988, essas medidas tentam legalizar a injustiça histórica e ameaçam a existência e o futuro dos territórios.
As principais dificuldades que enfrentamos estão ligadas à falta de demarcação e proteção efetiva das terras indígenas, muitos povos ainda vivem em territórios não demarcados ou com processos paralisados. Sem a demarcação, ficamos mais vulneráveis às invasões e à violência.
Nós, da Coiab, junto à sua rede de organizações de base, continuamos lutando todos os dias para defender nossos territórios, nossas vidas e o futuro do planeta. Queremos que os povos indígenas sejam respeitados como protagonistas na proteção da Amazônia. Defender nossos direitos é defender o equilíbrio climático, a biodiversidade e o futuro do planeta.
Mercadizar: Qual a importância das mobilizações nacionais dos povos indígenas em prol da manutenção dos seus direitos?
Marciely Ayap Tupari: As mobilizações nacionais dos povos indígenas são fundamentais para a defesa dos nossos direitos, dos nossos territórios e da nossa existência. Elas são a forma mais legítima e poderosa que temos de nos fazer ouvir, de mostrar ao Brasil e ao mundo que estamos vivos, organizados e dispostos a lutar por aquilo que nos pertence por direito. Essas mobilizações cumprem diversos papéis estratégicos, em primeiro lugar garantem visibilidade e pressão política. Quando marchamos em Brasília, ocupamos espaços públicos, fazemos articulações e ações conjuntas, estamos pressionando os governantes, o Congresso Nacional, o Judiciário e a sociedade para que nossos direitos constitucionais sejam respeitados. É assim que barramos retrocessos como o Marco Temporal e outras ameaças.
Outra característica é a unidade entre os povos e organizações indígenas. As mobilizações fortalecem a união entre os diferentes povos e organizações indígenas de todo o país. Mesmo com culturas, línguas e histórias diversas, nos reconhecemos na mesma luta. A força coletiva é nossa principal arma contra os ataques aos nossos direitos. É importante lembrar que as mobilizações não são apenas atos de protestos, mas sim atos de resistência histórica, sabedoria ancestral e esperança para o futuro. Cada passo que damos nas ruas é um passo na defesa da floresta, da vida e da dignidade dos povos indígenas. Seguiremos mobilizados, enquanto for necessário, até que nossos direitos sejam plenamente respeitados e garantidos.
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