Isabella Botelho; 11/10/2019 às 19:00

A polêmica relação entre o cinema e a violência

Vencedor do Leão de Ouro, troféu máximo no Festival de Veneza, um dos mais importantes festivais de cinema do mundo, Coringa é uma das grandes apostas para a próxima temporada de prêmios. Estrelado por Joaquin Phoenix, que nos entrega uma atuação impecável, o filme conta a origem do grande vilão dos quadrinhos do Batman. 

A trama gira em torno de Arthur Fleck, um aspirante a comediante frustrado, morador da cidade fictícia de Gotham. Após ser marginalizado pela sociedade, Fleck enlouquece aos poucos e, assim, temos o processo que o transforma no psicótico e violento vilão que já conhecemos. 

Recentemente, a estreia do filme passou a chamar a atenção por sua constante presença em fóruns on-line, nos quais grupos disseminam ideias extremistas e violentas, preocupando civis e autoridades. Entre estas comunidades, a que mais tem utilizado o filme como justificativa para atos e ideais violentos é a dos chamados incel, sigla em inglês para a expressão “celibatários involuntários”, que, com argumentos misóginos, culpam a sociedade pela falta de relações íntimas em suas vidas.

A comunidade incel tem um histórico de episódios de violência. Diversos casos de tiroteio em massa nos Estados Unidos e em outros lugares do mundo já foram atribuídos a atiradores que participavam destes grupos, muitas vezes anunciando suas ações nestas comunidades on-line. 

As ameaças de uma revolução incel, reportadas em sites como Reddit e 4Chan mudaram até mesmo o tom das entrevistas concedidas por Todd Phillips e Joaquin Phoenix, que se viram obrigados a deixar de lado o trabalho produzido e discutir a influência da obra em atos de violência.

No entanto, esta não é a primeira vez que o cinema é utilizado por pessoas com ideias problemáticas como justificativa para seus atos violentos ou apontado como responsável por inspirar crimes. Diversos filmes, hoje reconhecidos como obras-primas, foram, à primeira vista, recebidos com certo receio e choque, chegando até mesmo a serem vaiados por pessoas que não entendiam as mensagens passadas por cineastas, roteiristas e atores. 

Muito além dos aspectos cinematográficos, os longas se tornaram, ao longo dos anos, objetos de estudo pelo retrato, mesmo que muitas vezes exagerado, que faziam da sociedade. Após a primeira reação do público, as abordagens escolhidas pelos cineastas tornaram-se exemplos e base para discussão em seus respectivos gêneros e parte obrigatória de qualquer cinéfilo.

Enquanto agressores e vítimas culpavam as obras por encorajar ondas criminosas, a real intenção dos autores era, na verdade, expor a situação e problematizar a sociedade por meio do entretenimento e, assim, criar espaço para que esses temas fossem debatidos. Apesar disso, as críticas a uma sociedade doente, violenta e mimada não impediram que diversas cenas de violência fossem repetidas na vida real, a maioria delas, inclusive, por sujeitos que as obras tentavam criticar. 

Selecionamos três outros filmes que causaram polêmica:

Taxi Driver

(Foto: Reprodução/Internet)

Dirigido por Martin Scorsese, Taxi Driver foi lançado em 1976 e levantou a sua primeira polêmica logo antes da estreia: Jodie Foster, à época com 12 anos, foi escalada para viver Iris, uma criança que vivia no mundo da prostituição. A atriz precisou passar por testes psicológicos e sessões de terapia para garantir que a personagem não a marcasse de maneira negativa. 

Anos depois, mais exatamente em 1981, John Hickley Jr., em uma tentativa de impressionar Foster, atentou contra a vida do então presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan. Com um corte de cabelo moicano semelhante ao do personagem de Robert De Niro, ele não acertou Reagan, mas sim um agente do Serviço Secreto e Secretário de Comunicação da Casa Branca. 

Clube da Luta

(Foto: Reprodução/Internet)

Clube da Luta foi uma maneira do autor Chuck Palahniuk e do diretor David Fincher abordarem o sentimento de opressão que homens brancos da classe média-alta americana tinham ao longo das décadas de 1980 e 1990 e a única resposta era a violência. Inspirado num livro de Palahniuk, o filme foi vaiado em sua estreia no Festival de Veneza de 1999. 

O Cavaleiro das Trevas

Lançado em 2008 e considerado um dos filmes de super-herói mais cultuados de todos os tempos, O Cavaleiro das Trevas, de Christopher Nolan, só foi associado a violência em 2012, quando a sequência Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge, chegou aos cinemas. Durante uma sessão do filme em Aurora, no Colorado, James Holmes abriu fogo contra as pessoas nas salas de cinema e atingiu oitenta e duas pessoas, deixando doze mortos. Ao sair escoltado pela polícia, ele gritava “Eu sou o Coringa”, o que fez com que a polícia e a mídia afirmassem que o filme inspirou o ataque. 

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