O Brasil ganhou seu primeiro Oscar: o longa “Ainda Estou Aqui” foi anunciado como o Melhor Filme Internacional na última edição da premiação. A obra acompanha a história de Maria Lucrécia Eunice Facciolla Paiva na busca de informações sobre o desaparecimento e morte de seu marido, o ex-deputado federal Rubens Paiva, torturado e assassinado pela ditadura militar brasileira. O filme consagra nacional e internacionalmente a luta de Eunice Paiva contra as perseguições e violências cometidas pela ditadura militar. Porém, fora das telas, a atuação da ativista teve destaque na luta contra violações dos direitos de povos indígenas.

Eunice Paiva se formou em Direito em 1976, aos 47 anos. A advogada foi pioneira na defesa dos direitos dos povos indígenas, tornando-se especialista em direito indígena. De acordo com a matéria publicada pelo Ministério dos Povos Indígenas, Eunice Paiva “contribuiu de forma significativa para a elaboração do capítulo da Constituição Federal de 1988 que trata sobre os direitos territoriais, o reconhecimento à diversidade étnica e cultural e à autonomia e autodeterminação dos povos indígenas”. Além disso, em 1988, foi consultora da Assembleia Nacional Constituinte, que promulgou a Constituição Federal Brasileira.
Demarcação de Terras Indígenas e atuação na Funai
Na década de 1980, Eunice Paiva passou a atuar como consultora da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Seu trabalho, inicialmente, se deu no âmbito de um convênio com a Companhia Vale do Rio Doce devido à construção da Estrada de Ferro Carajás, já que a obra afetava diversas terras indígenas nas proximidades entre São Luís (MA) e Parauapebas (PA), cidades ligadas pela ferrovia. Neste contexto, Eunice atuava no processo de regularização fundiária dos territórios afetados. Seu trabalho contribuiu para a demarcação da Terra Indígena (TI) Krikati, no Maranhão.
Outras TIs também foram demarcadas a partir da contribuição social e jurídica da ativista. De acordo com o Ministério dos Povos Indígenas, o trabalho de Eunice foi essencial para a regularização da Terra Indígena Xikrin do Rio Cateté, no Pará, e para a demarcação da TI Awá, do povo Guajá, localizada no Maranhão. “A advogada conseguiu a interdição urgente da área para proteger a comunidade indígena que estava sendo alvo de ataques de invasores. O parecer foi fundamental para a posterior demarcação do território pela Funai”, descreve o ministério sobre a TI Awá.
De acordo com informações da BBC News Brasil, na década de 1980, o povo da etnia Zoró, do estado do Mato Grosso, enfrentava invasores em seu território e grande mortandade por contaminação de doenças causadas por fazendeiros, madeireiros e garimpeiros. Em 1986, Eunice Paiva passou a trabalhar no caso Zoró, elaborando um parecer jurídico sobre os argumentos favoráveis e contrários ao reconhecimento do território como Terra Indígena. Bem consolidado, o trabalho de Eunice resultou na declaração da área como Terra Indígena Zoró no ano seguinte, em 1987.
A defesa de tais territórios estava diretamente ligada a questões como luta contra violências aos povos indígenas, mineração, grilagem, invasões, preservação do meio ambiente, entre outros, que já ameaçavam a sobrevivência física e cultural dos povos indígenas e faziam parte dos trabalhos desenvolvidos e apoiados por Eunice Paiva.
A participação dos grupos indígenas envolvidos nos conflitos também era característica marcante de seu trabalho, promovendo diálogos com os povos e estando presente nas comunidades para conhecer as diferentes realidades.
Eunice Paiva foi uma das personalidades brasileiras engajadas na redemocratização, políticas sociais e direitos indígenas. No dia 13 de dezembro de 2018, aos 86 anos, ela faleceu em São Paulo, após viver por 14 anos com Alzheimer. Marcada na memória nacional, Eunice Paiva virou símbolo da luta pela democracia, direitos humanos e cidadania.
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