Patrícia Patrocínio; 01/12/2020 às 13:30

Dia mundial de luta contra o HIV: Os desafios enfrentados no combate à epidemia

Conversamos com a infectologista Adele Benzaken, vice-presidente do comitê de especialistas da Organização Mundial da Saúde (OMS) e ex-diretora do Departamento de IST/Aids e Hepatites Virais

Para início de conversa: HIV não é Aids!

HIV:  é o vírus da imunodeficiência humana

AIDS: é a doença da síndrome da imunodeficiência adquirida causada pelo vírus HIV. 

   Quando o assunto é HIV/AIDS é necessário esmiuçar o tema já que muita gente ainda se encontra na desinformação e presa a estigmas e preconceitos associados a doença há quase quatro décadas atrás. Apesar da inúmera quantidade de informação produzida ao longo desses anos, a falta de distribuição adequada desse conhecimento para os diversos públicos parece ser a maior dificuldade enfrentada no combate dessa epidemia.  Por isso, o Mercadizar conversou com a infectologista Adele Benzaken que dentre muitas atribuições é ex-diretora do Departamento de IST/Aids e Hepatites Virais, oficial do Programa Nacional do Unaids/Brasil, Diretora Regional para América Latina da União Internacional Contra Infecções Sexualmente Transmissíveis (IUSTI), vice-presidente do comitê de especialistas da Organização Mundial da Saúde (OMS), membro do comitê de certificação da eliminação da sífilis e do HIV da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e seu currículo se estende.  

Para a senhora Benzaken, O Dia Mundial de Luta Contra o HIV significa um marco importante: 

“por que marca a resposta não só dos países, mas também da sociedade ao HIV, uma epidemia que já tem cerca de quarenta anos no mundo e persiste como um sério problema de saúde pública. Acredito também que esse ano o dia mundial de luta contra o HIV homenageia a OMS e todos os profissionais de saúde pela resiliência que eles demonstram em fazer esse tipo de atendimento mesmo durante a pandemia.” 

Breve resgate histórico

      O primeiro caso notificado de Aids no Brasil ocorreu na cidade São Paulo em 1983. Em território nacional, houve um período de reação pelas autoridades em considerar a infecção um problema de saúde pública, alguns especialistas acreditavam que o vírus não seria epidêmico no país, outros profissionais, alertavam sobre experiência norte-americana, mas inicialmente o Ministério da Saúde não adotou nenhuma medida específica para o controle e prevenção da doença.

     Ao contrário do que especialistas da época diziam, a doença se espalhou pelas regiões brasileiras rapidamente e logo foi classificada como epidemia. Desde 1980 a junho de 2019, foram identificados aproximadamente 967 mil casos de aids no Brasil. O país tem registrado, anualmente, uma média de 39 mil novos casos nos últimos cinco anos segundo os dados do Boletim Epidemiológico HIV/AIDS de 2019. De 2014 a 2018, a Região Norte apresentou a média de 4,4 mil casos ao ano. No Amazonas, são 680 casos de HIV notificados e nos últimos 20 anos, 17.800 casos de amazonenses acometidos pela Aids, doença causada pelo vírus HIV

       Os primeiros passos para a criação do Programa Nacional de Aids começaram por volta de 1985; Já em 1988, por ocasião da publicação da Constituição da República Federativa do Brasil, foi instituído o Sistema Único de Saúde (SUS), que passou a oferecer a todo cidadão brasileiro acesso integral, universal e gratuito a serviços de saúde. Atualmente, dos protocolos de tratamento do vírus no Brasil adotados pelo SUS, o Ministério da Saúde, através do Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais (DDAHV), têm disponibilizado os medicamentos antirretrovirais de forma gratuita a todas as pessoas vivendo com HIV/AIDS. 

     E nessa história de combate e avanços,  vale ressaltar, que as mulheres da ciência cumpriram um papel muito importante, foram elas muitas vezes as responsáveis pela pesquisa, coordenação e criação de departamentos exclusivos, captação de orçamentos, controle e tratamento e os principais projetos para a estruturação das medidas de contenção ao vírus no território nacional. Dentre muitas, alguns nomes que se destacaram foram o de Peggy Pereira, Fabíola Nunes Aguiar, Maria Leide Van Del Rey e Lair Guerra.

Quase quarenta anos depois…

   Ainda é preciso reafirmar que a doença pode acometer qualquer pessoa em qualquer idade com qualquer orientação sexual, gênero, etnia, sexo e etc.. De acordo com dados oficiais, a maioria dos casos de infecção pelo HIV é registrada na faixa de 20 a 34 anos, em todos os estados; no período de 2000 até junho de 2019, foram notificadas 125.144 gestantes infectadas com HIV; de 1980 até junho de 2019, foram registrados 633.462 mil casos de aids em homens e 332.505 em mulheres; no ano de 2018, exceto as regiões Sudeste e Centro-Oeste todas as outras apresentaram predomínio da categoria de exposição entre homens heterossexuais; O boletim epidemiológico de HIV/AIDS de 2018, revelou que o número de pacientes diagnosticados com o HIV com mais de 60 anos havia avançado de 168 casos em 2007 para 627 em 2018. Os dados levantados comprovam mais uma vez que a infecção não estabelece nenhum parâmetro de seleção e pode afetar qualquer um, desmantelando toda e qualquer ideia preconceituosa associada ao vírus atingir apenas a comunidade gay. Dessa premissa ultrapassada, os estigmas e discriminação ainda se fazem presentes e pela lei 12.984 de 2 de junho de 2014 é crime discriminar pessoas soropositivas. 

Campanhas que atingem quem?

   Existem muitas coisas para ainda serem descobertas e desmistificadas sobre o HIV/Aids, no entanto, um dos maiores desafios que vivemos além do avanço do vírus, é com certeza, a falta de comunicar adequadamente o conhecimento que foi produzido ao longo desses anos para os públicos diversos. O enfrentamento e combate do vírus está ligado diretamente ao saber de comunicar, a dificuldade das campanhas de sensibilização dialogarem com diferentes grupos não só compromete o combate, como também contribuem para o avanço da epidemia, manutenção da desinformação que reforça os estigmas, preconceitos e a descriminação de pessoas infectadas. 

   O maior número das campanhas de sensibilização sobre HIV no Brasil está focada em atingir os jovens, independentemente de sua orientação sexual, o que demonstra que passam batido os outros importantes públicos-alvo. As peças publicitárias devem conversar todos, mas em um país que cerca de 900 mil pessoas convivem com o HIV e dessas, 135 mil provavelmente não sabem que têm a doença, a falta de campanhas específicas com linguagens mais adequadas para cada grupo, expressa um enorme problema para o controle da doença.

   Por outro lado, Adele Benzaken relembra:

¨países onde os governos são extremamente conservadores, um exemplo clássico, é o Brasil, temos uma epidemia chamada concentrada que atinge principalmente homens que fazem sexo com outros homens, profissionais do sexo, pessoas que usam álcool e outras drogas e que são chamadas de população chave, há uma proibição em se falar diretamente sobre e com essas populações e isso obviamente impacta enormemente a questão da prevenção.” Como afirma nossa entrevistada “as populações chaves tem sofrido com estigmas e discriminação o que limita o acesso aos serviços e as questões de prevenção.” 

Qual epidemia combater?

    As políticas preventivas de HIV/AIDS vêm sendo ameaçadas. Em maio de 2019, o Ministério da Saúde decidiu alterar o nome do Departamento de ISTs, Aids e Hepatites Virais para Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis, a atitude foi motivo de preocupação pelas organizações que fizeram com que o País caminhasse nessa questão de saúde pública. 

  Além disso, este ano fomos surpreendidos com a pandemia do novo Coronavírus que paralisou inúmeras atividades, especialmente as culturais. O carnaval é o período em que mais se fala na mídia sobre o combate do vírus e por ser a época de maior exposição por isso, a importância das inúmeras campanhas. Não há nenhuma outra época do ano que esse tipo de material circule com tanta expressividade. O que gera uma preocupação por parte de especialistas e instituições responsáveis na luta do combate ao vírus, o receio ocorre em relação ao governo, que vem desde 2019 ameaçando as políticas de preventivas.  

    A vice-presidente do Comitê da OMS, aponta:

“Com a pandemia da Covid, e isso não só com relação ao programa de HIV, mas também aos outros programas, como o de saúde sexual e reprodutiva, imunização, todos foram impactados pela pandemia, mas em especial do HIV. É marcante o impacto com relação a redução da testagem, essa redução que o Ministério da Saúde do Brasil coloca em 17%, mas que em alguns países chega a mais de 30%. O impacto dessas reduções faz com que as pessoas que são positivas não tenham acesso a testagem e que, portanto, não entram em tratamento e isso leva a um problema de evolução da doença muito mais grave. É por isso que o Unaids hoje mostra que o impacto com relação a óbitos por Aids e também novas infecções, vai aumentar.”

    No entanto, a infectologista reitera:

“Existem várias formas de mitigar o problema que a Covid vem causando aos programas de saúde, uma delas é com relação a testagem, tentar implementar o autoteste. No Brasil, o autoteste já é regulado, portanto, seria um bom instrumento para poder divulgar a questão da testagem. A outra alternativa é quando as pessoas que estão vivendo com HIV vão até a unidade de saúde, dar a medicação para três, seis meses ou tentar utilizar o máximo possível as redes sociais, por exemplo, a telemedicina, mensagem por Whatsapp para relembrar de fazerem sua consulta e etc.”

    Compreender as questões que pertencem ao universo das pessoas que convivem com esse vírus é se deparar com muitas histórias, muitas batalhas contra exclusão e o preconceito. Escrever essa matéria foi um aprendizado, falar sobre Aids é falar muito mais sobre vida e saúde do que morte. É encontrar uma forma de comunicar sem estigmatizar, buscando olhar através de olhares e lembrando que assim como tantas outras, a luta contra o combate do HIV é responsabilidade de todos e precisamos seguir lutando para evitar, principalmente as reduções ao Programa Nacional de Aids. 

       Adele Benzaken, finaliza:

“a pandemia de Covid-19 não deve ser usada como desculpa para diminuir o ritmo da resposta global ao HIV. Continua sendo fundamental garantir o acesso aos serviços de prevenção, testagem e tratamento. Até porque ainda há muito a ser conhecido sobre o novo Coronavírus, e os desdobramentos dele para outras doenças ainda são muito imprevisíveis. A crise atual deve ser usada como um momento para se tirar lições do trabalho que vem sendo desenvolvido. É hora de reconstruir o programa de enfrentamento do HIV e transformar as dificuldades em oportunidades.”

Ainda tem dúvidas? A gente te ajuda!

O que é prevenção combinada?

São as estratégias de tratamentos adotadas por indivíduos para evitar a transmissão do vírus. Um dos grandes erros cometidos atualmente pelas campanhas de combate à Aids, veiculadas nas mídias, é a simplificação da prevenção somente: use camisinha. Com o avanço das pesquisas, novas estratégias complementares surgiram para o enfrentamento dessa doença oferecendo mais alternativas que diminuem as brechas de contágio existentes apenas com o uso do preservativo. Das estratégias para a prevenção da transmissão do vírus destacam-se: o uso do Tratamento (TASP, em inglês, ou TcP, em português), a Profilaxia Pós-exposição (PEP) e a Profilaxia Pré-exposição (PrEP).

para mais informações acesse: https://unaids.org.br/

O que é e para serve Profilaxia Pós-exposição (PEP)?

A PEP é a utilização da medicação antirretroviral após qualquer situação em que exista o risco de contato com o vírus HIV. A medicação impede que o vírus se estabeleça no organismo – por isso, a importância de se iniciar esta profilaxia o mais rápido possível após o contato: em até 72 horas, sendo o tratamento mais eficaz se iniciado nas duas primeiras horas após a exposição. O tratamento deve ser seguido por 28 dias.

para mais informações acesse: https://unaids.org.br/

E  a Profilaxia Pré-exposição (PrEP)?

A PrEP é um medicamento também antirretroviral, ainda em avaliação, no entanto, já apresenta bons resultados e é utilizado por aqueles indivíduos que não estão infectados pelo HIV, mas se encontram em situação de elevado risco de exposição. No Brasil, a PrEP começou a ser disponibilizada pelo SUS em dezembro de 2017 e está disponível em 36 serviços de saúde em 22 cidades brasileiras. 

Acesse a lista completa dos serviços de saúde:  Serviços de Saúde – PrEP | Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis (aids.gov.br)

Para mais informações acesse: https://unaids.org.br/

Para você assistir no Dia de Internacional de luta contra o HIV: 

 1. Carta Para Além dos Muros:

 

2. Boa Sorte, João (2014) – Direção: Carolina Jabor

 

*O Mercadizar não se responsabiliza pelos comentários postados nas plataformas digitais. Qualquer comentário considerado ofensivo ou que falte com respeito a outras pessoas poderá ser retirado do ar sem prévio aviso.