Ariel Bentes; 25/06/2020 às 10:22

A invisibilidade da letra B na comunidade LGBTQI+

Bissexuais relatam sofrer com preconceitos e pressões por parte da comunidade e da sociedade em geral

Bissexuais são pessoas que podem se atrair, de forma afetiva ou sexual, pelo mesmo gênero e pelo gênero oposto. Frequentemente, essas pessoas relatam que ouvem frases como “Você só está confuso”, “Não fique em cima do muro” e “Você precisa decidir um lado” da própria comunidade LGBTQI+, ocasionando em uma invisibilidade da letra B no movimento. 

Arte: Mercadizar

De acordo com a TODXS, startup social sem fins lucrativos que busca empoderar a comunidade LGBTQI+, muitos desqualificam a bissexualidade e acreditam que ela é um período de transição para a homossexualidade ou heterossexualidade, por não acreditar ser possível se atrair por mais de um gênero. Para Marina Ferreira, estudante do curso de Direito, essa invisibilidade ocorre devido a uma forte narrativa binária vigente na sociedade. 

“Tudo na sociedade é definido de forma binária e isso tem implicação na bissexualidade, pois durante toda a nossa a vida nós fomos socializados pelo nosso gênero. Dentro do movimento também temos uma resistência muito grande porque ele ainda é predominantemente gay. Essa invisibilização ocorre porque as pessoas não compreendem a bissexualidade enquanto uma orientação sexual, no qual uma mulher, por exemplo, pode se relacionar com homens e mulheres, mas gostar mais de mulheres”, afirma Marina. 

O publicitário Victor Felipe também concorda com a existência dessa invisibilidade. Segundo ele, junto com ela ocorre uma pressão e uma cobrança em cima de pessoas bissexuais e isso é devido a uma falta de conhecimento dentro do meio LGBTQI+. “Eu não falo tanto fora do meio, pois tudo o que a sociedade diz que é ‘normal’, nesse caso, a heterossexualidade,  ocasionará algum tipo de preconceito se você não se encaixar nisso. Agora quando isso ocorre dentro do meio que você deveria se sentir acolhido, aí pesa ainda mais”, disse ele. 

Tanto Marina quanto Victor contam que frequentemente são alvos de preconceitos direcionados à bissexuais. Victor afirma que existe um discurso de que os homens precisam entender dos dois “mundos”, pois se ele entender somente de um ele é considerado hétero ou gay, nunca bi. 

“Muitas vezes eu ouço que, por ser bissexual, eu sou uma mulher promíscua, que tenho relação sexual com qualquer pessoa, que eu sou vagabunda e outras coisas que eu já ouvi. Ninguém fala escondido não”, disse Marina.

Em entrevista ao site de notícias G1 Santos, Júlio Cézar de Andrade, militante do movimento Rede Leste, afirmou que o preconceito relatado por bissexuais se dá pela reprodução do que as pessoas que fazem parte da comunidade vivem diariamente nas relações sociais. “Se existe algum preconceito, parte da sociedade patriarcal, e a comunidade reproduz”.

Saúde Mental

Segundo o estudo BiNetUSA, da Bisexual Resource Center e Movement Advancement Project (MAP), apontou que pessoas bissexuais tem até seis vezes mais chance de esconder sua orientação sexual em relação a gays e lésbicas. O levantamento também mostra que apenas 28% deles afirmaram que somente as pessoas mais próximas sabiam sobre sua orientação sexual. 

Situações como essas levam inúmeros bissexuais a enfrentarem problemas com a sua saúde mental, até mais do gays e lésbicas. De acordo com uma pesquisa feita pela Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, publicado na revista científica Journal of Public Health, mulheres bissexuais possuem mais problemas de saúde mental do que lésbicas. As chances de enfrentamento com distúrbios alimentares, são maiores do que com as lésbicas, cerca de 64%, além as chances para a automutilação serem em torno de 37%.

Em Manaus, Walber Junior, estudante do curso de Medicina da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), também tem desenvolvido uma pesquisa sobre o assunto. Intitulada como “A saúde mental de jovens gays e bissexuais: uma abordagem antropológica do processo saúde-doença” e orientada pela Dra. Fátima Weiss, a pesquisa fez um levantamento com homens gays e bissexuais, com idade entre 18 a 30 anos, e residentes em Manaus. 

Em entrevista ao mercadizar.com, Walber disse que como gay sempre percebeu em seus círculos de amizades diversos relatos tristes e de dificuldades na vida pessoal e familiar. “Pensei que fossem casos isolados, até que um dia, estava no Facebook e vi um artigo que falava sobre ‘a epidemia da solidão gay’ e tinha várias referências sobre o assunto, mas nada nacional. Aí tive a vontade de conhecer a realidade no nosso contexto e o que levava à esse adoecimento mental nesta população”, afirmou ele. 

O pesquisador também conta que bissexuais tem apresentado as piores avaliações de saúde mental em Manaus e que as estatísticas são parecidas com as internacionais. “Muitas vezes é difícil de se encaixar em um grupo de amigos, porque tanto os heterossexuais quanto os próprios homossexuais têm dificuldade em aceitar, como se existisse uma dualidade na orientação sexual. Assim como já ficou consagrada a dualidade de gênero, com uma visão na heteronormatividade compulsória, tornando esses indivíduos marginalizados”. 

O caso de Victor não foi diferente. O publicitário conta que acredita que a sua saúde mental é totalmente afetada devido às cobranças e preconceitos que sofre. Durante a fase de descoberta da sua sexualidade, Victor vivia com uma grande pressão de dentro da comunidade. “Por conta disso, muitas vezes as pessoas dizem que são uma coisa, mas que na verdade não são. Eles estão apenas dizendo porque querem ser aceitos em uma comunidade”. 

Já Marina, fala sobre os questionamentos que ela mesmo faz sobre si e as dificuldades com a família:

“Tem vários fatores que influenciam na nossa saúde mental, um deles é o fato de a gente está sempre duvidando da nossa sexualidade, por causa de uma cultura muito forte que ainda tem que ser desconstruída. Quando eu estou com alguma menina eu acabo me fazendo o questionamento ‘será se eu sou lésbica e é a heterossexualidade compulsória que me faz bissexual?’. Além disso, para explicar para a família é bem complicado e tenho muitas dificuldades com a minha avó. Eu tento lidar com isso da melhor forma possível, não deixando isso me consumir, para eu poder viver feliz”, disse ela. 

Bi-sides 

Criado em 2010, o coletivo Bi-sides tem o objetivo de reunir bissexuais, discutir e criar bases para o movimento no Brasil. Inicialmente o Bi-sides era somente um blog, mas hoje está presente em todas as redes sociais e promove eventos e rodas de conversa em São Paulo. O coletivo também possui um grupo no Facebook com mais de 5 mil membros e um site que dispõe de uma biblioteca e uma lista de terapeutas.

Em entrevista ao G1, Natasha Avital, uma das idealizadoras do coletivo, disse que não havia movimento organizado em prol dos bissexuais no país, mas que hoje as cidades de São Paulo, Belo Horizonte e Ipatinga já possuem alguns coletivos. “É muito importante criar espaços onde as pessoas não sintam que são bem-vindas só em parte. É o que sentimos o tempo inteiro”, explicou.Para acompanhar o coletivo Bi-sides, acesse www.bi-sides.com.br ou o perfil @coletivobisides no Instagram. Para fazer parte do grupo clique aqui.

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