A experiência da mulher no jornalismo guarda semelhança a de mulheres em outros campos demarcados como espaços do masculino. Estranhamento, desafios, suspeição e testes de longa duração sobre a capacidade profissional, o ‘equilíbrio’ emocional e desrespeito são vivências cotidianas da mulher trabalhadora ainda vigentes nessas primeiras duas décadas do século 21.
Amazonense ou não, a mulher é submetida nos mais diferentes ambientes (de trabalho, aprendizagem, lazer, nos espaços público e privado) a uma trama de condutas articuladas pela cultura patriarcal (o homem como detentor do poder primário) e pela discriminação de gênero (sexismo). A noção de supremacia masculina relaciona-se com a da desvalorização da identidade feminina e a da subalternização da mulher. Algumas condições reais e subjetivas podem funcionar para reduzir ou aprofundar as assimetrias nessa relação e estas resultam do grau de compreensão do papel de sujeito que homem e mulher exercitam, se ativo, libertário, ou assujeitado, objetificado; do perfil ideológico de governos, das instâncias municipal, estadual e nacional dos poderes legislativos e do judiciário como impulsionadores da equidade, da participação e da autonomia ou da manutenção da violência entranhada nas instituições.
Das lutas do passado às da contemporaneidade um indicador permanece para as mulheres jornalistas, o do longo caminho a ser percorrido. Tanto nos embates internos da categoria quando nos ambientes de atuação profissional a estrada da afirmação do direito e do respeito é comprida, adversa e pavimentada por obstáculos historicamente construídos. Na maioria delas, as instâncias das organizações de jornalistas estão sob o comando dos homens; mulheres que conquistam postos de direção nessas organizações passam a ser submetidas a um grau de exigência muito mais intenso do que aquele feito aos homens, e têm o desempenho de dirigente adjetivado por um leque de ideias machistas e desqualificadoras. A linguagem violenta manejada contra a mulher nesses ambientes precisa ser pautada nos debates dos e das profissionais de jornalismo pela importância e urgência que tem e por ser um dos instrumentos de luta no enfrentamento ao machismo a partir de três passos mentais: conhecer, refletir e agir para transformar o que nos oprime e nos agride.
O exercício do jornalismo pela mulher implica enfrentar, diariamente, dimensões de interesses do âmbito público e do privado em um jogo de poder instituído na lógica do masculino. Este está demarcado pelo acionamento de uma série de mecanismos consentidos e até valorizados pela sociedade ocidental, entre os quais estão a força física, a linguagem sexista de dominação, os estereótipos sobre o feminino, os arranjos do assédio sexual e moral.
É nesse mundo que a mulher jornalista trava batalhas invisibilizadas quando, por exemplo, perguntas por ela formuladas em entrevistas com homens detentores de poder político e econômico são respondidas com “minha querida…” “você tem problema …” ou é diretamente inquirida, no particular, por emissários desses homens ora em tom de ameaça ora pela tentativa de oferecer vantagens que possam comprar comportamentos passivos e de colaboração inadequada.
O efeito colonizador na formação da sociedade amazonense é outro detalhe demarcador da forma de relação de autoridades públicas, líderes de setores públicos e privados com a jornalista mulher (sem ignorar que também atinge os homens jornalistas). Permanece vigoroso o pensamento de que as jornalistas são bonitinhas, frágeis e detêm reduzida capacidade de pensar porque são mulheres e amazonenses.
Com muita frequência, há importação de profissionais, majoritariamente homens, de outras regiões brasileiras para ocupar funções nas empresas da mídia do Amazonas supostamente porque eles têm mais competência que os daqui. Nessa escala, a jornalista da terra é secundarizada. Quando assume um posto de comando o salário pago, na maioria das ocorrências, tem valor mais baixo se comparado ao do homem jornalista e, mais acentuada é a diferença, quando se trata das contratações externas. A elite amazonense e, nela, a econômica, costuma se sentir contemplada com esse tipo de arranjo presente nas mais diferentes áreas.
Existe uma história que nós, mulheres jornalistas, conhecemos bem porque em muitas páginas dela somos as protagonistas. É a história das lutas da jornalista amazonense, da resiliência tecida dia a dia para romper barreiras na realização de suas tarefas profissionais, no enfrentar diferentes tipos de riscos, ameaças e em lidar com o peso de um sistema que se formula na tática da inferiorização da mulher.
Os relatos da mulher jornalista neste Estado são pedaços preciosos da memória da história de mulheres amazonenses, amazônidas, da cidade de Manaus e do Estado do Amazonas. Estes devem ser feitos cada vez mais e circular amplamente para compor outras narrativas que desacomodem o pensamento colonizador, machista e paulicêntrico normatizador de condutas que precisam ser questionadas, confrontadas e destituídas.
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