O tempo reverbera mudança, transformação nas mais diversas organizações sociais, traz à tona questões que outrora eram invisibilizadas por um sistema opressor e discriminatório. Um cenário que, hoje, é um campo de batalha no qual outras vozes ecoam e resistem. Nós, indígenas, por anos, fomos representados a partir de uma visão exótica que se estruturou em uma memória discursiva dominante, direcionando a produção de determinadas “verdades” que superiorizam certos sujeitos em detrimento de outros. Tantos estigmas foram cristalizados diante de uma percepção colonialistas, como: “o indígena é atrasado”; “indígenas são preguiçosos”, “índio não quer mais ser índio”. “Verdades” que são reproduzidas até os dias atuais e marcam de forma negativa a vida dos povos indígenas diante de uma sociedade plural, mas excludente.
Em um processo de luta pela tomada de palavra e a legitimação dos lugares de fala pelos indígenas, estabeleceu-se nas organizações a necessidade de assumir diferentes espaços nas mais diversas instituições. Como a palavra é poder, ao assumir um lugar legítimo e por meio dele falar das próprias demandas e garantir nossos direitos, os/as indígenas puderam, de fato, apresentar para a sociedade não-indígena outras representações que fogem ao lugar comum de fala, assumido por um porta-voz que era autorizado a falar do/sobre os indígenas.
Diante de um longo processo de luta, assumimos paulatinamente nossos espaços, principalmente, quando falamos das mulheres indígenas. Assim, como comumente vemos na história das mulheres em toda sociedade, nada foge a esse mundo particular feminino quando falamos no processo de silenciamento e apagamento das mulheres indígenas, ora marcado por um patriarcalismo que não permitia o nosso protagonismo em diversas situações, tanto dentro quanto fora das comunidades indígenas. Situações que foram reconfiguradas no cenário social, dando espaço para novas representatividades. Dessa forma, em um contexto de disputa pelo poder, houve a ocupação de diferentes espaços pelas mulheres indígenas no processo de resistência.
Ao rememorar os papéis assumidos por minhas antepassadas, percebo o quanto de força, coragem e sabedoria existiam em cada uma delas. O quanto suas ações cotidianas contribuíram para a construção do que conhecemos hoje, como processo de pertencimento e o protagonismo feminino indígena. Ao contrário de minha avó, que no alto de sua sabedoria se alfabetizou aos quase 60 anos, eu pude percorrer outros caminhos e com base neles fortalecer ainda mais o processo de legitimidade das nossas vozes, as vozes indígenas femininas.
Nenhum processo de transformação social é fácil, romper estigmas é travar uma luta contra a própria história que enraizou na sociedade as suas “verdades”, é seguir o fluxo tenebroso dos rios com suas mais diversas intempéries e não esmorecer, é continuar remando por mais fortes que sejam os banzeiros das águas, é lembrar que enfrentar o caminho do preconceito é tão cansativo quanto o caminho da roça que percorremos para conseguir o nosso alimento diário, é compreender que mais forte do que o ato de nos silenciar é o nosso desejo de falar da nossa cultura, daquilo que nos constitui.
Assumir o meu espaço, ver familiares, amigos e tantos outros parentes ocupando lugares, apontando problemas, garantindo direitos, assumindo cargos e falando sobre tantas demandas indígenas, é um ganho para cada um de nós que já teve que lidar com a xenofobia, com a estigmatização dos nossos corpos, com a falta de conhecimento sobre a nossa cultura, os estereótipos que determinam quem somos e com o processo de apagamento da nossa existência. Mas, NÓS SOMOS RESISTÊNCIA e EXISTÊNCIA. Enquanto estivermos nas universidades, nas escolas, nos hospitais e em outras instituições, continuaremos existindo e resistindo, por isso, precisamos continuar, precisamos perseverar e motivar outras vozes a se juntarem a nós.
Como diria Michel Foucault, “o problema não é mudar a consciência das pessoas, ou o que elas têm na cabeça, mas o regime político, econômico, institucional, de produção da verdade”. Vamos continuar ocupando nossos espaços, pois NÓS SOMOS RESPONSÁVEIS PELA MUDANÇA, precisamos romper com a mera reprodução de estereótipos sobre os/as indígenas e garantir que as futuras gerações vivam, de fato, em uma sociedade plural.
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