Sociedade

Encantados não são folclore: entenda por que seres da espiritualidade indígena não são personagens folclóricos

O dia 22 de agosto chegou e, com ele, temos a comemoração do Dia do Folclore. E quem aí já ouviu falar que Yara, Saci, Curupira e vários outros são “personagens folclóricos”? O problema é que, na realidade, estes seres são membros das espiritualidades dos povos indígenas e suas cosmovisões.

Para entendermos melhor sobre o assunto, o Mercadizar conversou com Marcelo Borari, indígena, escritor e professor de Arte e Filosofia do Ensino Médio Modular no estado do Pará.

Um pouco de história

No texto “Folclore brasileiro versus Literatura Indígena: entenda a diferença”, da escritora indígena Trudruá Dorrico, a autora traça a história de como o Dia do Folclore, no Brasil, foi criado durante a ditadura militar. Nos séculos XIX e XX, segundo o texto, os estudos sobre o folclore buscavam uma identidade nacional brasileira, explorando narrativas e propriedades intelectuais de povos negros e indígenas enquanto, historicamente, esses grupos eram violentados e excluídos.

Trudruá Dorrico explica que a construção do que se considera como características do folclore brasileiro aconteceu a partir de visões racistas e excludentes que reduziam todas as espiritualidades e culturas indígenas e negras à “tradição popular”. A  autora afirma que o “apagamento e folclorização (muitas vezes demonização) das espiritualidades negras e indígenas vão alimentar no imaginário nacional o racismo contra eles/nós (indígenas e negros).”

Assim, membros da espiritualidade e cosmovisão dos povos indígenas, como o Boto, Curupira, Saci, Mapinguari, Cobra-grande, Yara, Matinta passaram a ser usados como personagens folclóricos.

Encantados não são folclore! 

Reduzir os encantados indígenas a meros personagens é desconsiderar a oralidade, vivências, culturas e histórias que compõem a identidade das diferentes etnias dos povos originários.

Mas, o que são encantados e qual a importância deles para a história e espiritualidade dos povos indígenas? Marcelo Borari, entrevistado pelo mercadizar.com/, tenta responder:

“Se essa pergunta fosse feita para um antropólogo, certamente ele apelaria a um conceito amplamente aceito por parte de sua comunidade científica. Mas para um indígena, a resposta seria muito mais simples e direta, certamente seria um ‘Sei lá! Só sei que eles estão por aí protegendo e cuidando da gente e de toda natureza’.”

“Para tentar explicar a importância da espiritualidade indígena vou mencionar aqui um exemplo de um fenômeno espiritual que aconteceu com alguns jovens de nossa região. Não basta receber as orientações de como se relacionar com nossos encantados, elas devem ser seguidas à risca. Um grupo de jovens fez um ritual e chamou alguns espíritos para celebrarem um momento festivo, uma prática muito comum e segura quando feita por um pajé experiente. Contudo, quando se chama um encantado, é necessário devolvê-lo para seu lugar de origem. Não foi o que aconteceu. A partir daí, uma sequência de fenômenos espirituais começou a acometer esses jovens que, até o presente momento, estão em tratamento espiritual. Embora o tratamento seja nesse campo, o corpo físico também padece com sintomas que nenhum médico conseguiria resolver.”

“Como dizem nossos anciãos, tudo na terra tem mãe e tem dono. É evidente que tudo que eu estou mencionando aqui faz parte da espiritualidade de muitos povos indígenas. No entanto, a dimensão da importância das encantarias para um indígena pode não ser muito bem concebida por um não indígena, e isso não tem a ver com suas faculdades intelectuais, mas com a falta de vivência. Na nossa cultura, se eu vivo algo, eu sou esse algo. Uma simples caça ou pesca, para não se referir a tudo, no contexto da vida indígena, só é possível com a ‘permissão’ dos encantados, os regentes maiores da vida de todo e qualquer indígena, seja de qual religião forem.”

Ou seja, os encantados são parte fundamental da espiritualidade de povos indígenas, são guardiões da floresta, e têm ligação com o território ancestral dos povos. Lembrando que cada povo tem sua relação própria com seus encantados.

“Se perguntarmos para qualquer pessoa se os personagens folclóricos existem, provavelmente a resposta será: não. Eis o motivo de os encantados não poderem ser folclorizados para um indígena”, afirma Borari.

O professor explica também como a utilização de encantados como parte do folclore pode reforçar preconceitos e estereótipos sobre os povos indígenas:

“Ao nos depararmos com as Encantarias ‘folclorizadas’ em eventos escolares, por exemplo, clarifica-nos uma grande falha na educação como um todo. A obrigatoriedade da temática indígena a africana nas escolas foi um grande avanço, mas isso não basta. Retoricamente, muitos professores, pedagogos e profissionais da educação defendem a importância de abordar essas histórias nos espaços de ensino para minimizar a quantidade de desinformação que se tem sobre esses dois grupos. Mas são os mesmos que, amarrados a um tradicionalismo escolar, fomentam eventos que vão na contramão dos reais motivos da inclusão dessas temáticas nas escolas. A lei, nesse caso, sem vontade e comprometimento de todos os atores educacionais, é impotente.”

O #MercadizarIndica

Para entender mais sobre o assunto, o Mercadizar indica o vídeo “Encantado não é folclore”, do canal do YouTube da Associação Multiétnica Wyka Kwara, que conta com a participação de Valdeli costa, artesão de Abaetetuba (PA); Maickson Serrão, criador do podcast “O Pavulagem”; José Neto comunicador paraense, indígena kaeté-tupinambá; e Moara Tupinambá artista de Belém (PA).

Também indicamos as publicações sobre os encantados produzidas pela artivista paraense Tai Silva.

 

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