Nos últimos dias, a população brasileira assistiu a dois casos que, embora distintos em algumas particularidades, demonstram toda a violência da sociedade contra mulheres e como seus direitos não estão garantidos, ainda que sejam leis.
Caso 1 – Menina de 11 anos é impedida de interromper gravidez fruto de estupro
No dia 20 de junho, uma reportagem dos sites The Intercept e Portal Catarinas revelou o caso de uma menina de 11 anos que engravidou após ser estuprada e estava sendo mantida pela Justiça de Santa Catarina em um abrigo para evitar o aborto do feto.
A criança descobriu estar grávida de 22 semanas, o equivalente a seis meses de gestação, num hospital de Florianópolis, onde teve pedido para realização de aborto recusado. Embora este seja um direito previsto pela lei brasileira e os hospitais possam realizar tal procedimento a pedido da paciente, o hospital em questão afirmou que apenas prosseguiria mediante autorização prévia da Justiça.
Por tal motivo, o caso foi parar nos tribunais. No entanto, o que, para muitos, poderia ser uma decisão óbvia, mostrou a irresponsabilidade e o desrespeito da justiça brasileira. Em trechos da audiência, que foi realizada em 9 de maio e divulgada na reportagem de The Intercept e Portal Catarinas, a juíza responsável pelo caso tenta dissuadir a vítima de sua decisão, questionando se ela “suportaria ficar mais um pouquinho” para gerar o feto até o momento em que sobreviva, cresça e, posteriormente, seja dado à adoção.
“Quanto tempo que você aceitaria ficar com o bebê na tua barriga para gente acabar de formar ele, dar os medicamentos para o pulmãozinho dele ficar maduro, para a gente poder fazer essa retirada antecipada do bebê para outra pessoa cuidar se você quiser?”
Além da juíza, a promotora que participa da audiência age da mesma forma:
“O que a gente queria ver se tu concordarias era de que a gente mantinha mais uma ou duas semanas apenas na tua barriga. Porque, para ele ter chance de sobreviver mais, ele precisa tomar os medicamentos para o pulmão se formar completamente.”
Após o caso chegar ao conhecimento da sociedade, o Ministério Público Federal (MPF) recomendou a realização do aborto e, na quarta-feira, 23, a criança fez o procedimento.
Caso 2 – Atriz tem estupro, gravidez e adoção sigilosa expostos por jornalistas
O segundo caso tornou-se de conhecimento da sociedade no sábado, 25, quando a atriz Klara Castanho, de 21 anos de idade, foi obrigada a publicar uma carta ao público após jornalistas exporem que a mesma estava grávida e entregou a criança à adoção.
Num forte relato publicado em seu perfil no Instagram, Klara afirma que foi vítima de violência sexual e descobriu a gravidez já na reta final, após sentir desconfortos. No hospital, com suspeitas de inúmeras possibilidades, como gastrite ou mioma, ela foi informada da gestação. Mesmo após falar ao médico que foi vítima de estupro, a atriz relatou que o mesmo lhe obrigou a ouvir os batimentos cardíacos.
“[…] disse que 50% do DNA eram meus e que eu seria obrigada a amá-lo.”
Klara explica que, entre descobrir sobre a gestação e o parto, passaram-se poucos dias. Nesse intervalo, ela buscou amparo legal e tomou a decisão de fazer uma entrega direta da criança à adoção – processo que requer entrevistas, audiências e supervisão do MPF e garante sigilo para ambas as partes.
Após o parto, e ainda no hospital, a atriz foi abordada por uma enfermeira que, condenando sua decisão, ameaçou expor o caso para jornalistas, e assim o fez. Os colunistas em questão entraram em contato com Klara, que explicou o acontecido e pediu para que a história não fosse publicada. No entanto, mais uma vez, ela teve seus direitos violados, e o caso chegou a público como uma “fofoca”, o que obrigou a atriz a se explicar. Nas redes sociais, mesmo após o relato pessoal divulgado, Klara sofreu diversos ataques por ter entregado a criança à adoção.
Mas por que a vítima teve que ser a pessoa a dar explicações? E os responsáveis pela exposição de sua vida particular e da violência por ela sofrida terão consequências legais? Citando diretamente uma das frases utilizadas para posicionamento contra os responsáveis por esta violência, fofoca não é jornalismo. Mais do que isso, a vida pessoal de uma celebridade não é pública. Jornalismo responsável passa pelo respeito às pessoas envolvidas numa notícia e o entendimento do que deve ou não ser publicado.
Os dois casos acima apenas reforçam que os direitos das mulheres não são respeitados no Brasil e que nem mesmo os profissionais e as instituições que supostamente deveriam protegê-las estão ao seu lado. Diariamente, situações como esta vitimam milhares de mulheres no país.
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