A arte urbana tem atuado como um meio de revitalização de espaços públicos em Manaus, como uma ferramenta de transformação cultural e social. Ao ocupar muros, fachadas e outros espaços anteriormente degradados, a arte de rua não apenas embeleza a cidade, mas também ressignifica locais que antes eram associados ao abandono ou à insegurança.
Culturalmente, a arte urbana em Manaus serve como um meio de expressão autêntica da identidade local, refletindo a diversidade étnica, as lutas sociais e as tradições da região. Ela conecta a população com suas raízes, ao mesmo tempo em que introduz novas narrativas visuais que desafiam percepções e estimulam o diálogo sobre questões contemporâneas.
Socialmente, esse movimento contribui para a democratização da arte, levando-a para fora dos espaços tradicionais e tornando-a acessível a todos, independente de classe ou educação. Além disso, a revitalização dos espaços públicos por meio da arte urbana promove a apropriação comunitária desses locais, gerando um senso de pertencimento e responsabilidade coletiva pela preservação e cuidado da cidade.
A arte urbana em Manaus tem ganhado força nas últimas décadas, com raízes em intervenções urbanas que começaram com grafites em viadutos e murais em bairros centrais. Esse movimento cresceu especialmente durante a pandemia, quando o grafite foi utilizado para homenagear profissionais essenciais, como os da saúde, que atuaram durante o período crítico da Covid-19.
Recentemente, a cidade tem visto uma ampliação dessas manifestações em espaços públicos, como o Centro Histórico de Manaus. A arte em empenas e fachadas de prédios, como parte do projeto Circuito Urbano de Arte (CURA), é um exemplo marcante. Um dos destaques desse projeto é a obra monumental de Denilson Baniwa, que simboliza a resistência indígena através da “piracema”, a luta dos povos indígenas para preservar sua cultura e identidade em meio às adversidades.
O CURA Amazônia, um dos maiores festivais de arte pública do Brasil, trouxe um enfoque na arte indígena, com murais pintados pelos renomados artistas Denilson Baniwa e Olinda Silvano. Esses artistas exploram narrativas indígenas, trazendo visibilidade para as culturas ancestrais em espaços públicos de grande circulação, como o Largo São Sebastião.
Além disso, há um forte resgate das raízes indígenas na arte urbana de Manaus, refletindo a valorização da identidade dos povos originários, que enfrentam o risco de apagamento cultural no contexto urbano. Iniciativas como murais gigantes e grafites em espaços públicos buscam reconectar a população com suas tradições, trazendo à tona a história indígena da cidade em um movimento cultural de resistência e revitalização.
Alessandro Hipz, grafiteiro de Manaus há mais de vinte anos, destaca um ponto importante na evolução dos artistas urbanos, com o grafite saindo de uma forma de expressão marginalizada para uma forma de arte reconhecida e respeitada.
“Quanto mais os artistas vão se tornando profissionais da arte, consequentemente os seus trabalhos vão tomando outras dimensões, vão ocupando outros espaços e consequentemente também vai abrindo novos caminhos, novos horizontes”, afirma Alessandro.
A grafiteira amazonense Tyna Guedes conta que cresceu na zona Norte da cidade, área onde a pichação e o grafite sempre foram influentes. Ela acompanhou de perto o movimento e comenta sobre a importância da arte nas ruas.
Por estar mais presente na periferia, muitas vezes acaba sendo uma arte marginalizada e associada a atos de vandalismo. No entanto, embora tenha enfrentado resistência e preconceito no passado, atualmente o grafite é bem mais aceito e reconhecido como uma expressão artística, tendo um papel fundamental na definição da identidade urbana de muitas cidades, incluindo Manaus. O aumento da diversidade de artistas e estilos de grafite tem contribuído para tornar essa arte mais inclusiva. A presença de artistas mulheres e de indivíduos de diferentes origens étnicas e culturais tem ampliado a representatividade e o alcance do grafite.
“Há um tempo atrás, pintando na rua, era perceptível o quanto ali era um ambiente hostil, principalmente para mulheres. Hoje em dia, nós acabamos conquistando um pouco mais de liberdade em relação à forma que o grafite é artisticamente aceito”, afirma Tyna.
Projetos e coletivos em Manaus têm sido essenciais para promover e expandir a arte de rua na cidade. O Coletivo Artistas pelo Clima, focado em combinar arte urbana com ativismo ambiental, utiliza grafite, lambe-lambe e pichações para denunciar crimes ambientais e conscientizar a população sobre as mudanças climáticas. Suas ações incluem intervenções em espaços periféricos de Manaus, como a comunidade do Conjunto Viver Melhor 2, onde organizaram mutirões de limpeza e construíram murais com mensagens de justiça climática.
O projeto “Grafite é Arte”, organizado pelo espaço cultural Casarão de Ideias, revitaliza áreas no Centro de Manaus através do grafite. Um exemplo é a transformação de paradas de ônibus com pinturas que trazem mais vida ao espaço público e promovem segurança, destacando a importância da arte regional. O duo Curuminz, dupla parintinense formada por Alzyney Pereira e Kemerson Freitas, com uma abordagem moderna sobre o regionalismo amazônico, liderou a produção artística dos murais.
Os artistas de arte urbana em Manaus enfrentam diversos obstáculos, sendo a falta de apoio institucional e a marginalização dessa forma de expressão os mais comuns. Embora o grafite e outras formas de arte de rua sejam valorizadas em alguns círculos culturais, ainda existe um estigma que associa essas manifestações ao vandalismo, o que dificulta a busca por financiamento e incentivos governamentais. Muitos artistas acabam arcando com os custos de materiais e enfrentando dificuldades para encontrar espaços onde possam realizar suas obras sem o risco de serem removidas pelas autoridades ou desvalorizadas pela sociedade.
Além disso, a ausência de políticas públicas que incentivem a arte urbana limita o alcance desse movimento, impedindo que ele seja plenamente reconhecido como uma forma legítima de revitalização urbana e expressão cultural.
Embora iniciativas como o CURA e outros projetos tenham trazido visibilidade, o suporte por parte de órgãos governamentais ou entidades culturais ainda é insuficiente. Sem esse apoio, os artistas têm dificuldades para acessar editais de incentivo, espaços apropriados para a criação e a exposição de suas obras, além de enfrentarem barreiras burocráticas para a realização de projetos em áreas públicas.
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