“É incrível como a gente continua a amar esse país e esse país não nos ama de volta”. O dono da frase é Doc Rivers, homem negro e atual técnico do Los Angeles Clippers, equipe semifinalista da Conferência Oeste da NBA (a liga americana de basquete). O trecho de um discurso emocionado dado três dias após a violência sofrida Jacob Blake, homem negro baleado na frente dos filhos por policiais em 23 de agosto, nos Estados Unidos, é um traço da revolta que atingiu ligas esportivas americanas nas últimas semanas.
Desde o caso George Floyd, quando um também homem negro foi imobilizado e brutalmente asfixiado por policiais em maio, atletas das principais ligas do país, principalmente NBA e NFL (a liga americana de futebol da bola oval), resolveram usar seus tamanhos e elevar suas vozes contra crimes raciais presentes – também é possível dizer frequentes – nos Estados Unidos neste ano. Com o retorno da NBA, em esquema de ‘bolha’ por medida de segurança contra a Covid-19, os protestos ganharam mais espaço.
Seja com os dizeres “Black Lives Matter” (Vidas Negras Importam, na tradução para o português) nas camisas de jogo ou com o ato de ajoelhar durante o hino nacional, os atletas usaram a relevância conquistada dentro das quadras em prol de uma luta gigante e necessária. Importante dizer que jogos dos dias 26 e 27 do último mês chegaram a ser boicotados por jogadores em protesto contra a violência policial vivida por negros no país. “Fod*-se, cara! Nós queremos mudanças. De saco cheio disso”, postou LeBron James, principal nome da liga na atualidade, em seu perfil do Twitter.
De craques a heróis
Uma frase de Martin Luther King, ativista político e eterno líder do movimento negro, parece ter atribuído novo significado, anos depois, ao papel dos atletas do século XXI: “O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons”. Cada vez mais, jogadores negros são porta-vozes das insatisfações da comunidade afrodescendente dos Estados Unidos. E o fazem colocando em risco contratos publicitários com marcas, vínculos com equipes e até mesmo presença em ligas.
Colin Kaepernick, ex-quarterback do San Francisco 49ers, nunca mais voltou a lançar uma bola na principal liga de futebol americano do mundo depois que passou a protestar contra casos de crimes raciais. Foi ele quem iniciou o ato de ajoelhar-se durante o hino nacional, causando ira em Donald Trump à época. Se realmente perdeu na carreira esportiva, ganhou a admiração de um povo e incentivou demais atletas a repetirem o gesto e se juntarem à causa. A qualidade de jogadores incríveis dentro de quadra deu espaço à coragem fora dela.
Para eles, jogadores negros, que são maioria nas ligas, é ‘gente da gente’ sendo morta dia após dias. A frase racista “shut up and dribble” (cala a boca e jogue, na tradução) dita por uma apresentadora branca, insatisfeita com protestos de LeBron James em 2018, não freou a luta do jogador – o efeito, acredito, foi contrário.
As ligas, por sua vez, tiveram que abrir os ouvidos e entender que o esporte do país passa por um momento marcante e de revolução. Não adianta mais atropelar protestos em prol do calendário e da programação comercial se os astros do negócio, no sentido mais literal da palavra, não estão dispostos a despender energia. A história passa diante dos nossos olhos e qualquer um que tenha políticas humanitárias na cabeça torce pelos jogadores, mais do que nunca.
Audiências caem?
Um senhor chamado Donald Trump parece ser o mais insatisfeito com toda a onda de protestos protagonizados por jogadores. No final da última semana, em meio aos boicotes que paralisaram o campeonato, chegou a dizer que as pessoas estavam cansadas de NBA e que os números de audiência diminuíram em decorrência do ativismo dos atletas. O discurso ainda conseguiu, como sempre, ganhar apoiadores. Importante deixar claro: mentira.
De acordo com o site Nielsen, que fez um levantamento dos números de transmissões da liga, a audiência da NBA está 4% abaixo da média antes da paralisação do calendário em decorrência da pandemia do novo coronavírus. Diminuiu, claro, mas vale ressaltar que o país vive momento de corrida eleitoral para a presidência, outras ligas além da NBA estão em andamento e os horários das partidas foram modificados. Nada indica a queda à influência dos protestos.
Inclusive, segundo dados da pesquisa da Nielsen, 70% dos fãs de basquete suportam os protestos dos jogadores. Em comparação com toda a sociedade do país norte-americano, onde apenas 62% veem a causa sem negatividade, a consciência é mais presente em quem acompanha a liga ‘dia sim, dia também’.
De qualquer forma, se incluir nos problemas e nas lutas de quem não tem voz é desejo de mudança, de revolução. Jogadores que fazem de si próprios uma marca de combate a injustiças raciais ganharão espaço na história. A luta antirracista será duradoura enquanto for necessária. Inclusive, não basta mais apenas não ser racista.
Referências:
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