Maior pesquisador da história do audiovisual no Amazonas, Narciso Lobo, saudoso professor do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Amazonas, afirmava no livro “A Tônica da Descontinuidade” que a produção de cinema no Estado era marcada por ciclos de auge e declínio constante.
O primeiro grande momento do cinema amazonense aconteceu na década de 1920. Foi nesta época que brilhou o nome de Silvino Santos. Fotógrafo português, ele chegou à Amazônia no início do século XX e, com o suporte financeiro do comendador J.G Araújo, criou a primeira produtora local, a Amazônia Cine-Film. Também realizou importantes documentários como “Amazonas, o Maior Rio do Mundo” (1920) e o clássico “No Paiz das Amazonas” (1922), feito para a comemoração do centenário da Independência. O declínio econômico do Amazonas com o fim da era da borracha acabou por desestimular o investimento no audiovisual.
O segundo ciclo da produção local ocorreu nos anos 1960 com a geração cineclubista. Influenciados por movimentos como o Cinema Novo e a Nouvelle Vague, um grupo de notáveis como Cosme Alves Neto, Joaquim Marinho, Márcio Souza, José Gaspar agitou a cena cultural com exibições e debates de filmes clássicos. Isso acabou permitindo o surgimento de novos filmes dirigidos por profissionais como Roberto Kahané e Normandy Litaiff, quatro edições da Revista Cinéfilo e as realizações do I Festival de Cinema Amador (1966) e o I Festival Norte do Cinema Brasileiro – este último, aliás, rendeu a bela homenagem e o resgate histórico de Silvino Santos, dois meses antes dele morrer.
O surgimento em 2001 da Amazonas Film Comission, órgão para dar apoio a realizadores locais e de fora do Estado, inaugurou o terceiro grande momento do cinema amazonense. Apesar de graves reveses – o fim do Amazonas Film Festival, a extinção do inédito curso técnico de audiovisual da Universidade do Estado do Amazonas, a dificuldade na formação de plateia para o consumo dos filmes amazonenses – pode-se apontar o ciclo atual como o mais bem-sucedido e longevo da nossa produção.
O processo de regionalização, incentivado pelas políticas públicas nos editais do setor das últimas décadas junto com a evolução tecnológica, capaz de permitir maior acesso a softwares e equipamentos de filmagens, contribuíram para um salto do cinema amazonense. Somente na década 2010, três filmes locais – “A Floresta de Jonathas”, “Antes o Tempo Não Acabava” e “A Terra Negra dos Kawa”, todos de Sérgio Andrade – conseguiram ser lançados nacionalmente em circuito comercial, algo inédito na história.
Filmes dirigidos por amazonenses conseguem espaço em eventos nacionais – o mais recente deles, “Obeso Mórbido”, de Diego Bauer e Ricardo Manjaro, conseguiu ser selecionado, somente em 2019, para os importantes festivais de Tiradentes, Vitória e o Cine PE, em Recife – e internacionais – o diretor Aldemar Matias ganhou prêmios em Madrid e em San Sebástian, enquanto “Antes o Tempo Não Acabava” foi selecionado para a segunda mostra mais importante do Festival de Berlim, em 2016.
O surgimento do cinema de arte do Casarão de Ideias e do site do Cine Set com uma cobertura frequente da produção local são outros frutos importantes deste momento histórico. Para a década de 2020, quatro novos longas-metragens amazonense já estão previstos, incluindo, o quarto filme de Sérgio Andrade e as estreias de Christiane Garcia (“Enquanto o Céu Não me Espera”) e Rafael Ramos (“On/Off”).
Por tudo isso, faz-se necessário ficar atento aos ataques recentes sofridos pelo audiovisual em âmbito federal. A perda de um processo de fomento do cinema nacional, até aqui exitoso, pode afetar diretamente uma cadeia produtiva cada vez mais fortalecida (o audiovisual gera R$ 25 bilhões anualmente e representa 0,46% do PIB nacional) e com grande geração de empregos (100 mil pessoas trabalham diretamente no setor).
Os efeitos para o cinema amazonense podem ser graves e nos empurrar para o fim de um período especial, perto de completar 20 anos.
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