As problemáticas camufladas da mulher surda na sociedade

Por
Hilana Rodrigues
Há 4 anos atrás
Quem é Hilana Rodrigues?

Jornalista e repórter do Mercadizar.com.



A questão de gênero está presente em todas as esferas do convívio social e não é novidade que a mulher é desvalorizada desde o início dos tempos, sendo julgada e tida como competente apenas para os afazeres domésticos e familiares. Para que essa visão fosse minimamente alterada e os estereótipos de mulher frágil e sem voz desvencilhados foi necessária muita luta dos movimentos sociais feministas.

Ao comparar décadas passadas podemos notar algumas mudanças na jornada da mulher em sociedade como, por exemplo, os direitos diversos: direito ao voto, ao divórcio e mais liberdade nas relações e escolhas trabalhistas. Porém ainda há muito que ser alterado para garantir efetiva igualdade e leis que amparem a mulher não só na teoria, mas na prática.

Sabemos que o movimento feminista possui suas vertentes, como o feminismo negro e feminismo branco, mas há dentro deles outros grupos que são, muitas vezes, negligenciados, como as mulheres surdas. O pensamento de que a mulher, por si só, já não é capaz de muita coisa apenas por ser mulher é multiplicado quando se trata de meninas e mulheres surdas, que ainda são fortemente silenciadas pela sociedade e familiares por serem consideradas incapazes de afazeres comuns somente pelo fato de não poderem se comunicar verbalmente.

Para exemplificar essa negligência podemos citar a ausência de intérpretes de Libras em diversas repartições de atendimento público, como hospitais ou Unidade Básica de Saúde (UBS) para exames rotineiros ou cirurgias mais emergentes, onde muitas garotas acabam necessitando da presença da mãe ou outros familiares para explicar o ocorrido. Tal situação tira delas uma independência necessária ou ainda pior, camufla possíveis abusos. Outro exemplo são as delegacias e a dificuldade de atender vítimas de violência sexual e doméstica, visto que raramente também há interpretes. A ausência de professores capacitados em Libras ou intérpretes em reuniões escolares de filhos ouvintes, mas mães surdas, gera o pensamento de que essas mães não conseguem acompanhar o ritmo de estudo ou captar observações para os filhos. Tais pontos acabam por tornar a mulher surda excluída de seus direitos sobre o corpo, a saúde e até mesmo a família.

Políticas públicas para mulheres surdas

Para que essa situação seja resolvida é necessária uma série de medidas nos âmbitos educacionais, econômicos e políticos. Foi pensando nessas questões que, durante a Consulta Nacional das Mulheres com Deficiência, realizada em 2016 em Brasília, educadoras surdas se manifestaram com a realização de um documento para o enriquecimento da vivência surda. Mesmo produzido e exibido quase cinco anos atrás, o documento representado pela Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis) é intitulado de ‘Mulher Surda: política linguística nas políticas sociais’ e traz propostas citando os pontos principais que necessitavam e ainda necessitam de melhorias para efetivação da qualidade de vida dessa parte importante da população.

No documento é possível observar não só a problemática, mas também as soluções por parte das representantes. Entre algumas propostas há a criação de creches e escolas de educação bilíngue, assim como formação acadêmica que inclua a disciplina de língua de sinais, principalmente para cursos que envolvam a área da educação. A obrigatoriedade da tradução para língua de sinais dos livros e documentos legais, tais como a lei Maria da Penha e o Código Civil. Para as escolas de ensino fundamental e médio é proposta a apresentação, durante aulas, de vídeos com intérpretes para o reconhecimento e orientação dos cuidados com a sexualidade, saúde e planejamento familiar, sempre demonstrando a independência de pessoas surdas e ouvintes. Outro ponto importante já citado é a obrigatoriedade do uso da língua de sinais por parte dos atendentes em serviços públicos e particulares, médicos e policiais que falam diretamente com a população, assim como os modernos atendimentos via internet que devem possuir a opção para o uso de atendimento com Libras.

Contribuindo para o fortalecimento da independência de pessoas surdas

Nos pontos do documento apresentado é possível notar o foco para a melhoria na educação, visto que é por ela que mudanças positivas podem ser proporcionadas. Mas esse foco também se dá porque as autoras e representantes são educadoras e surdas. Os livros e dissertações mais populares voltados para o público surdo são de pesquisadoras e professoras que, por serem surdas, dedicam seus trabalhos para citar melhorias aos seus iguais como as elaboradoras do projeto ‘Mulher Surda: política linguística nas políticas sociais’:

Gladis Perlin 

Foi a primeira surda a obter título de doutora no Brasil, tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação de Surdos.

Karin Strobel 

Doutora na área de educação. Trabalha como professora das disciplinas ‘Fundamentos de Educação dos Surdos’, ‘História de Educação dos Surdos’ e afins da Universidade Federal de Santa Catarina.

Shirley Vilhalva 

Mestre em Linguística e Doutoranda em Linguística Aplicada. Dedicou-se por 25 anos como voluntária na FENEIS e atualmente é professora na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

Solange Rocha 

A doutora em Educação ingressou como aluna no Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), onde mais tarde foi diretora geral e escreveu o projeto para a criação do dicionário de Libras feito em parceria com o Ministério da Educação. Solange não faz parte da produção do documento, mas é uma pesquisadora importante na educação dos surdos.

Todas, figuras femininas que, graças à formação acadêmica, puderam levar maiores questionamentos e soluções para a educação surda e bilíngue, que inspiram crianças e mulheres a acreditarem em acessibilidade efetiva, educação e independência, independente de limitação auditiva. Educadoras mostrando que as mulheres, quando participativas da sociedade, acrescentam uma infinidade de melhorias, tanto no geral quanto para o público ao qual se dedicam.


Essa é uma opinião do autor e não do Portal Mercadizar.


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