Ariel Bentes e Luana Pacífico; 09/04/2020 às 09:00

Sim! Falar de menstruação ainda é um tabu

Saber e entender tudo o que a menstruação significa é um constante aprendizado... mas uma coisa é certa: esse tabu já deveria existir só no passado.

A menstruação, assim como outros assuntos que permeiam as mulheres, não foi um tabu, ela ainda é um tabu, e isso é um reflexo de como as mulheres e a sociedade enfrentaram um processo natural ao longo dos séculos. 

Na Grécia Antiga (de acordo com a historiadora Helen King ao site Clue) acreditava-se que as mulheres tinham uma carne mais esponjosa do que as dos homens e por isso, elas absorviam mais sangue. Caso esse sangue não saísse, elas poderiam até ficar doentes. 

Arte: Mercadizar

Já em 6.000 a.C (Antes de Cristo) acontecia a Tesmofórias: uma festa para celebrar o sangue da menstruação. Nela as mulheres ficavam isoladas durante nove dias com o objetivo de se purificar e, para isso, ingeriam alho a fim de afastar os homens. Durante o isolamento, quando menstruavam, elas ofereciam o sangue à natureza para fertilizar o solo, como uma espécie de troca entre elas e a Mãe Terra. E dessa forma, esse período do ciclo feminino foi associado a controle da natureza, cultivo e plantio por muito tempo.

Helen também desmente alguns mitos como o do “tampão antigo”. Segundo ela, existe a crença de que as mulheres gregas enrolavam algodão em um pedaço de madeira e inseriam isso na vagina, como um absorvente.  “Não existem evidências no Mundo Antigo, e tal mito parece ter sido originado – imaginem – em um site que vende tampões”. Além dele, ela conta que um outro mito popular era a Teoria da Menotoxina, no qual acreditava-se que as mulheres liberavam uma substância tóxica durante o período da menstruação, e assim, não poderiam realizar algumas atividades como fazer pão e guardar carne. 

Mitos como este reforçavam a ideia de que a menstruação era uma maldição. Em 200 a.C, a mulher menstruada era considerada possuída por um espírito maligno e aquele homem que tivesse uma troca de olhares com ela poderia ser enfeitiçado. Em entrevista ao UOL, a psicóloga Maria Regina Domingues, afirma que a falta de informação é a origem desta crença. “Os gregos antigos sabiam apenas que a menstruação tinha algo a ver com a capacidade da mulher engravidar, porém o fato de ela sangrar por vários dias seguidos e não morrer era um mistério”. 

Ao Mercadizar, a historiadora Isabel Varão diz que na Idade Média a Igreja era responsável por colocar a mulher em uma posição de herege, causadora do pecado e do desvirtuamento do homem caso não fossem submissas a eles. Nestas situações de “desobediência” daquelas já férteis, as mesmas eram jogadas na fogueira santa, já que a menstruação e o corpo feminino representavam o apêndice do pecado.

Isabel também enfatiza a possibilidade de encontrar diversos estudos sobre o assunto na perspectiva da mulher do ocidente, mas poucos tratam das mulheres da Ásia e da África.

“Mulheres das sociedades Asiática e Africana foram negligenciadas nesses estudos. Tanto no que diz respeito a menstruação, quanto a sexualidade e conhecimento do próprio corpo. A antropologia não foi regada de pesquisas para conhecer tais questões da perspectiva de culturas asiáticas e nem mesmo para compreender o reflexo disso na sociedade africana matriarcal”, disse. 

Finalmente, com o avanço da medicina, no decorrer do século XIX novos olhares voltam-se às questões femininas com uma percepção mais científica ao desenvolver estudos sobre o processo evolutivo por trás da menstruação, fertilidade e gravidez. 

Movimentos como a contracultura (1960) e a criação do Dia Mundial da Menstruação em 28 de maio, foram imprescindíveis para pautas e movimentos feministas começarem a firmar seus alicerces na sociedade, e consequentemente, questionamentos como a utilização do absorvente, do controle dos corpos, pílulas do dia seguinte e métodos abortivos foram e continuam ganhando cada vez mais espaço, poder de fala e discussão a fim de acabar de vez com o tabu ainda existente em um processo tão natural. 

Apesar desses avanços, segundo Isabel, lugares como o continente Asiático e Africano ainda tratam a menstruação como um grande tabu, pois questões culturais, religiosas e até econômicas dessas sociedades determinam como a menstruação é discutida. Na África, por exemplo, esse processo está ligado às condições de classe onde muitas vezes, devido a pobreza extrema, algumas meninas não possuem dinheiro para comprar um absorvente. 

“Já a Ásia tem um patriarcado muito forte. Na Índia e no Nepal as comunidades ainda são muito tradicionalistas e a questão da menstruação é vista como impureza dos corpos femininos. Quando elas estão neste período elas são reclusas e toda a vida social é quebrada”, disse a historiadora. 

Em 2017, a ONG Plan International UK, no Reino Unido, publicou um estudo apontando que 49% de garotas, com idade entre 14 e 21 anos, já perderam um dia de aula por causa da menstruação. Segundo a pesquisa, 59% optaram por não contar o motivo da ausência em sala de aula e 82% delas revelaram que escondem seus absorventes dos colegas. 

Aqui no Brasil a situação não é diferente. Em uma pesquisa realizada pela Sempre Livre em parceria com a KYRA Pesquisa & Consultoria, é possível observar que 39% das mulheres pedem um absorvente emprestado como se fosse um segredo para tentar esconder que estão no período menstrual. Além disso, 40% das brasileiras afirmaram que se sentem sujas quando estão menstruadas. 

Durante uma prova de resistência no programa Big Brother Brasil 20 a participante, Gabi Martins, contou aos colegas que estava utilizando um absorvente interno para controlar a urina. Os mesmos alertaram a cantora que isso não iria ocorrer, já que o canal da uretra, por onde sai o xixi, e o canal vaginal, local de saída da menstruação, são diferentes. 

O episódio chamou a atenção do público e gerou um debate sobre como até mulheres de classes sociais mais altas podem não ter conhecimento daquela informação. Pensando nisso, entrevistamos as ginecologistas Ilka Espírito Santo e Édily Tourinho, e ambas relatam ser comum em suas consultas a presença de mulheres que não conhecem o funcionamento do próprio corpo. “Muitas não sabem reconhecer quando vão menstruar, ovular, fase seca e úmida, não tem noção de volume normal e alterado e também não se tocam”, diz Ilka. 

Édily acredita que isso ainda acontece como consequência de uma deficiência no ensino familiar, que já gera tabu, e se concretiza na escola por não oferecer noções básicas de anatomia. O fato é que ainda existe uma vergonha, como se não fosse um acontecimento fisiológico, assim como fazer xixi e cocô. “Ainda há um peso nas mulheres como se elas estivessem sujas no período menstrual ou como se fosse algo anormal, do qual devem se envergonhar”, contou Édily.

Absorventes 

Assim como a relação da mulher com a menstruação mudou, os absorventes também evoluíram e possuem um papel importante neste relacionamento. 

No Egito Antigo as mulheres usavam papiro (uma espécie de planta que era usada para a escrita) como absorvente. Décadas se passaram e elas optaram por não usar nada que estancasse o sangue, deixando-o escorrer pelas pernas, de acordo com a pesquisadora Sara Read. 

Mas a fase conhecida como on the rag, em tradução livre ‘no pano’ (guardem esse termo!), chegou e em 1918 era considerado a opção ideal para se usar durante o período menstrual. Aqui as mulheres utilizavam um pano entre as pernas e depois eles podiam ser lavados e secados para serem usados novamente.  

O primeiro absorvente descartável só foi lançado em 1930 pela marca Kotex, mas inicialmente ele não foi um grande sucesso. Para mudar este cenário, a empresa fez uma parceria com a Disney e juntas, em 1946, elas lançaram a animação “A História da Menstruação”. O vídeo, que tinha o objetivo de popularizar os absorventes descartáveis, foi o primeiro a usar a palavra “vagina” e, além disso, foi exibido nas aulas de Ensino Médio nos Estados Unidos até a década de 60.

Hoje, muitas das crenças citadas acima foram deixadas de lado, e algumas mulheres já encaram a menstruação como ela realmente é, um processo natural de ser vivido pelo corpo, e assim, novos jeitos de absorver o sangue foram desenvolvidos. Um deles é o absorvente de pano, e sim! são os famosos panos que as mulheres usavam antigamente, agora com uma nova cara, cheios de estampa e normalmente feitos de algodão. 

Outras alternativas mais sustentáveis, assim como os paninhos, são as calcinhas absorventes e coletores ecológicos. Absorventes descartáveis demoram 500 anos para se decompor no meio ambiente, e isso significa que o primeiro absorvente criado no mundo ainda está entre nós. Segundo a Pantys, marca brasileira de calcinhas absorventes, 500 absorventes descartáveis equivalem a 4000g de lixo. O site da empresa também afirma que uma mulher possui em média 450 ciclos menstruais e, dessa forma, descarta cerca de 12 mil absorventes ao longo da vida, o equivalente a 180 kg de lixo. 

Grandes quantidades de lixo como estas impactam diretamente no meio ambiente, pois as matérias-primas deste produto são o plástico e a celulose, que vêm do petróleo e de árvores. Por não serem recicláveis, os absorventes acabam indo direto para os aterros sanitários, fazendo com que seus resíduos demorem centenas de anos para se decompor. Além disso, o produto contém substâncias químicas que podem contaminar o meio ambiente.  

Sendo assim, as calcinhas absorventes e coletores tendem a ser o xodó dessa e das próximas gerações por gerarem um contato e conhecimento mais íntimos com o próprio corpo, enxergando esse sangue como parte do que é ser uma mulher, e não simplesmente como algo descartável que poluirá o mundo em que vivemos.

No entanto, devido a sua alta tecnologia, uma calcinha absorvente custa em média R$ 50 reais. Com o passar do tempo, ela de fato pode representar um custo benefício, mas tal realidade ainda não abrange todas as mulheres e não é preciso ir muito longe para perceber isso. “As minhas tias no interior do Amazonas não tinham dinheiro para comprar absorventes descartáveis e utilizam um pano durante o período menstrual”, conta a historiadora Isabel Varão. 

Com isso, é possível observar que enquanto algumas mulheres buscam alternativas sustentáveis, outras não possuem condições financeiras nem para comprar um pacote de absorvente descartável, que custa em média R$ 4 reais. 

O termo ‘pobreza menstrual’ foi criado na França e trata dos efeitos que a falta de dinheiro interfere no ciclo menstrual. Este problema atinge mulheres de diferentes países e, no Brasil, podemos visualizá-lo tanto em comunidades mais pobres quanto na população feminina carcerária. Em outubro de 2019, o site The Intercept Brasil publicou uma reportagem em que as mulheres do Centro de Reeducação Feminino de Ananindeua, relataram não terem acesso a produtos de higiene pessoal, inclusive a absorventes descartáveis, tendo que controlar o sangramento com o uso de jornal e até miolo de pão. 

De fato, se tem pensado em modelos sustentáveis para atender novas demandas, mas é uma situação ainda complexa para chegar na realidade de mulheres sem recursos para usufruírem de tais produtos.

Licença menstrual 

Algumas mulheres sofrem muito com dores durante o período menstrual e pesquisas apontam que o rendimento no trabalho pode até ser afetado. Por isso, em 2016, tramitou na Câmara dos Deputados um projeto de lei conhecido como licença menstrual. Com a autoria do deputado Carlos Bezerra do MDT do Mato Grosso, o projeto “previa uma licença remunerada pelo prazo de três dias no período menstrual que seria compensada depois”, de acordo com a advogada Zenize Tamer. 

Após ser rejeitado, em 2019 o deputado apresentou novamente a projeto na Câmara e, atualmente, a PL 1143/2019 aguarda uma designação do Relator na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher (CMULHER). Além da licença menstrual, segundo a advogada, não existe outro projeto de lei com o mesmo caráter tramitando na justiça brasileira. 

A licença menstrual brasileira é inspirada em uma realidade já existente em países como Japão e Coréia do Sul e adotada por empresas como Nike e Coexist. Para a jornalista Luiza Sahd, em seu artigo para o UOL, a proposta pode parecer inútil em meio a outras questões que as mulheres enfrentam, mas ela não deixa de ser justa e não pode ser ignorada. “Assim como há mulheres que sequer têm ciclos ou que não sofrem de dores menstruais, há aquelas que realmente padecem durante uns dias, mas que ficam mais produtivas do que um batalhão na semana subsequente, graças ao pico de estrógeno no corpo”, falou Luiza.

O funcionamento do corpo humano, especificamente o feminino, gera muita expectativa e curiosidade, mas ao mesmo tempo também gera muito medo e tabus. Conhecer de fato esse ciclo é um aprendizado infinito e constante. Muda de mulher para mulher e é isso que torna a menstruação tão única. Mas apesar de única, existe algo que nunca muda: o quão natural ela é! Sendo assim, esse tabu todo já deveria existir só no passado. 

Para quem deseja se aprofundar mais em temas que envolvem a mulher e a menstruação, uma ótima escolha é o episódio Contraceptivos da minissérie “Explicando…o sexo”. A produção é original do serviço de streaming Netflix e é narrada pela cantora Janelle Monáe. Uma outra opção é o documentário “Absorvendo o Tabu”, vencedor do Oscar de Melhor Documentário de Curta-metragem em 2019, a produção aborda como um grupo de mulheres indianas enfrentam a pobreza menstrual e o tabu ainda vivido no país.  

*O Mercadizar não se responsabiliza pelos comentários postados nas plataformas digitais. Qualquer comentário considerado ofensivo ou que falte com respeito a outras pessoas poderá ser retirado do ar sem prévio aviso.