Patrícia Patrocínio; 08/10/2021 às 12:00

Sem útero, sem opinião?

Apesar dessa frase ter surgido com a intenção de defender o direito de mulheres serem donas de suas escolhas, esse pensamento é excludente, entenda o porquê

A discussão sobre descriminalização e a legalização do aborto sempre é uma pauta delicada para uma sociedade conservadora e patriarcal, especialmente como a brasileira. Além de ser um tema complexo e desafiador, visto que envolve uma gama de questões morais, científicas, éticas, religiosas e filosóficas. O aborto é, sobretudo, um tema de saúde pública e uma escala mais profunda, refere-se também a direitos femininos.

Mas quando o assunto é debate público de questões delicadas e que envolvem direitos de mulheres, vale lembrar que as esferas de poder em que são discutidas essas e outras questões são, em sua maioria, compostas por homens. Nesse sentido, a ideia “sem útero, sem opinião!” surgiu como forma de empoderar mulheres a respeito do direito sobre seus corpos, principalmente para o enfrentamento de ideias que visam criminalizar o aborto, defendidas especialmente por homens conservadores da política. 

Apesar dessa frase ter surgido com a intenção de defender o direito de mulheres serem donas de suas escolhas, esse pensamento, além de ser equivocado, é excludente e extremamente agressivo. Seguindo a lógica deste pensamento, mulheres que enfrentam problemas de saúde e acabam perdendo o seu útero ou mesmo homens trans, acabam sem ter “lugar de fala” quando o assunto envolve essas questões. Mas será que é sobre isso que se trata lugar de fala?

Todos podemos e devemos ter o direito de falar, não só sobre uma, mas também as inúmeras discussões sociais, inclusive as que envolvem questões complexas como o aborto. Para a filósofa feminista negra, escritora e acadêmica brasileira, Djamila Ribeiro, lugar de fala não se trata de exclusão e sim de contribuição e pode ser compreendido como: “todo mundo pode falar sobre tudo, mas cada um fala sobre o lugar social que ocupa”.

Nesse sentido, é necessário entender que cada um é atravessado por situações diferentes e o importante para a construção do diálogo é a diversidade. E embora tenhamos o direito de falar sobre tudo, precisamos ter a noção e o cuidado quando vamos falar sobre as vivências de outras pessoas. Excluir pessoas de debates é excluir o direito de alguém. Sendo assim, com ou sem útero, opiniões são importantes, contanto que não machuquem e nem excluam.

 

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