Patrícia Patrocínio; 17/08/2021 às 16:00

Qual o limite do ódio?

O discurso de ódio é considerado como um “grande desafio para a dignidade humana” e um dos assuntos que mais precisam ser debatidos nos próximos anos

Nos últimos anos, assistimos o crescimento das redes sociais e a formação de um ambiente digital, novo e propício para as mais diversas interações humanas, inclusive, a do ódio. Como sociedade, ainda estamos no processo de entender todas as implicações e limites necessários para o uso desse espaço, mas já podemos refletir sobre diversas atitudes que são recorrentes entre usuários no ciberespaço

Um relatório divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU) alertou sobre os riscos do discurso de ódio, que foi considerado como um “grande desafio para a dignidade humana” e um dos assuntos que mais precisam ser debatidos nos próximos anos. Ainda de acordo com o documento, o ódio nas redes “pode até levar a limpeza étnica e genocídio”.

Em 2016, o Dossiê da Intolerância apontou o Facebook como a rede social com a maior incidência de discursos de ódio. Além disso, comentários odiosos sobre aparência, classe social, deficiência, homofobia, misoginia, política, idade/geração, racismo, religião e xenofobia são recorrentes em todas as plataformas populares.

Segundo dados divulgados pela Safernet, que trabalha desde 2005 na promoção da segurança digital no Brasil, foram recebidas cerca de 2,5 milhões de denúncias que estavam relacionadas a crimes de ódio na internet. A partir dessas denúncias, foi possível traçar um perfil dos odiados e percebeu que eles têm cor e gênero bem definidos. Cerca de 59,7% das vítimas desses discursos de ódio são pessoas negras, e 67% são mulheres. Outras minorias, como pessoas LGBTQ+ e indígenas, também figuram nas estatísticas.

Vale ressaltar que discurso de ódio é considerado um tipo de violência verbal, e a sua base é a não aceitação das diferenças, ou seja, a intolerância. E quando falamos de diferenças, o foco dessa prática se dá, em sua maioria, naquelas ligadas a aspectos de crença, origem, cor/etnia, gênero, identidade, orientação sexual e etc.

A artista plástica, professora universitária, escritora e política brasileira, Márcia Tiburi, aponta em seu livro “Como conversar com um fascista” que as semelhanças do discurso de ódio com os modelos fascistas de estado são muitas: “As semelhanças são muitas, uma vez que o autoritarismo que os caracteriza promove a perseguição, o preconceito com aqueles que não se alinham ao tipo idealizado imposto e a construção de dogmas pautados no senso comum”.

Toda manifestação realizada em uma rede social tem o caráter público, ainda que seja feita em um perfil pessoal e privado. Quando uma pessoa faz um comentário, ela torna possível que outras pessoas visualizem e sigam tal ideia, sem o menor cuidado com possíveis danos a saúde física e mental do outro. Desse forma, o discurso de ódio gera marcas e dependendo do momento em que a pessoa se encontra, pode ser fatal.

Algumas vezes a justificativa usada para comentários odiosos vem disfarçada na ideia de que isso é só uma “crítica construtiva” ou pior, de que “é só minha opinião, eu tenho esse direito”. E nesse ponto, vale destacar que ao falar de discurso de ódio, se faz necessário falar sobre direitos humanos. De acordo com a Organização das Nações Unidas, direitos humanos são “inerentes a todos os seres humanos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição”, incluindo “o direito à vida e à liberdade, à liberdade de opinião e de expressão, o direito ao trabalho e à educação, entre e muitos outros. Todos merecem estes direitos, sem discriminação”. Por isso, é importante que antes de toda a interação nas redes sociais a reflexão seja: “o meu comentário vai ferir alguém?”.

O discurso de ódio fere as garantias e direitos fundamentais de todo e qualquer cidadão. No Brasil, por exemplo, o Artigo 5º da Constituição Federal de 1988 trata dos direitos e deveres individuais e coletivos. Segundo ele, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

A Constituição defende os direitos humanos e pune quem violá-los, ou seja, quem praticar discurso de ódio. Por isso, não confunda opinião com violência e não se esqueça que por trás de todo avatar nas redes sociais, existe uma pessoa que merece respeito e tem esse direito garantido na constituição.

Como combater o discurso de ódio? 

Uma das formas mais importantes de se combater o discurso de ódio é denunciando essa prática. Quanto mais pessoas estiverem sendo responsabilizadas por suas ações no ciberespaço, maior será o entendimento de que as redes sociais não são o lugar onde é possível expressar ódio de maneira segura e impune. Por isso, se você foi vítima de um discurso de ódio e não sabe como proceder, confira abaixo alguns passos importantes:

  • Tire prints do conteúdo ofensivo para que esses prints possam ser usados como prova, sendo importante que eles apresentem, além do conteúdo ofensivo, as respectivas datas de postagem e o link.
  • No caso de mensagens em chats coletivos, é importante tirar print também da lista de integrantes do grupo, bem como do contato daqueles que fizeram as publicações ofensivas.
  • Levar as provas até um cartório e solicitar uma Ata Notarial que comprova a veracidade e não-adulteração do conteúdo que está sendo utilizado com finalidade probatória. 
  • Após reunir os documentos, apresente-os em uma delegacia mais próxima, ou especializada e faça a denúncia. 

Ainda existe muito a ser feito no sentido de sensibilização, muitas pessoas ainda desconhecem o que é o discurso de ódio, o que faz com que essa prática seja reproduzida sem ao menos o entendimento de quão grave ela é. Mas agora que você já sabe o que é o discurso de ódio e como pode ajudar a combatê-lo, que tal fazer sua parte?

 

*O Mercadizar não se responsabiliza pelos comentários postados nas plataformas digitais. Qualquer comentário considerado ofensivo ou que falte com respeito a outras pessoas poderá ser retirado do ar sem prévio aviso.