O mês de setembro é muito diferente para nós, jornalistas, veículos de comunicação e profissionais da imprensa. Temos a missão de falar sobre um assunto considerado, durante muito tempo, um tabu na profissão e na sociedade como um todo: o suicídio. Nos últimos anos, a abordagem tem mudado, mesmo que aos poucos. Muito desse avanço vem graças ao movimento Setembro Amarelo que, desde 2015, quando foi criado, vem pautando e dando visibilidade à temática do suicídio e dos transtornos mentais. Mesmo assim, ainda existem muitos estigmas em volta do assunto.
Existe entre os profissionais da área da comunicação, por exemplo, uma crença de que não devemos pautar transtornos mentais e o suicídio na grande mídia com tanta frequência pois serviriam como uma espécie de “estímulo” ou, na linguagem das redes sociais, “gatilho”, para pessoas que estejam passando por depressão, por exemplo. Os suicídios consumados realmente não devem ser noticiados e nem compartilhados na grande mídia, principalmente em sinal de respeito à família, ao falecido e ao próximo, como explica a psicóloga Ana Caroline Ferreira, em entrevista o Mercadizar: “Em respeito a pessoa e a família, o suicídio não deve ser noticiado. Foi a única saída encontrada por aquela pessoa e nós devemos respeitar, apesar de entendermos que ela estava em adoecimento mental. Nós não temos o direito de publicar algo, a não ser que a família fale aberta e publicamente”.
No entanto, isso não impede – e nem deve impedir – que coloquemos em pauta a prevenção e a ajuda. Há um debate sobre a importância e necessidade de pautar o assunto na mídia – de forma responsável, claro. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), que entende que o suicídio é um problema de saúde pública, os crescentes casos consumados e tentativas seriam reduzidos caso não houvesse um tabu em torno do tema. E o primeiro passo para mudar essa realidade é falar sobre o assunto, porém, com base em determinados princípios.
“A mídia pode ser positiva quando trazemos a informação de qualidade e conseguimos atingir o público que está assistindo. Quando jogamos a informação na mídia de uma maneira correta, mais assertiva e atingimos o público, ela vira positiva. Nós temos que saber como fazer essa divulgação de uma maneira mais correta”, afirma Ana Caroline.
Segundo Claudina Cayetano, consultora regional de saúde mental da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), uma cobertura jornalística responsável pode contribuir para a prevenção do suicídio, reduzindo o risco de um comportamento imitador, ajudando a modificar falsas percepções e incentivando as pessoas a procurarem ajuda.
Como o suicídio é um ato evitável, a abertura ao diálogo e a compreensão das razões que levam alguém a tirar a própria vida podem reverter o quadro. Com esta matéria de teor informativo, não queremos ditar regras, mas sim ajudar você, comunicador ou não, a entender melhor a importância da comunicação e do diálogo para a prevenção. A fronteira entre informar e incentivar é tênue. Entre os profissionais da saúde, o consenso é de que a informação vem para prevenir e ajudar, não para reforçar métodos e muito menos romantizar ou “glamourizar” a situação, quase transformando a ideia na clássica tragédia de Romeu e Julieta.
Um exemplo clássico que corrobora com essa teoria é o livro “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, lançado em 1774 por Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832). A obra relata a história de amor não correspondido de Werther por Charlotte que acaba com o jovem atirando em sua própria cabeça para acabar a angústia e sofrimento que vivia.
O romance em questão provocou uma onda de suicídios de imitação após a sua primeira publicação. Esse fenômeno ficou conhecido como “Efeito Werther”. Na época, jovens que tiraram a vida foram encontrados com o livro próximo ao corpo. Desde então, acredita-se que a abordagem do suicídio na mídia pode influenciar novos casos ou tentativas. O livro foi proibido em diversos locais e surgiu o termo “Efeito Werther”, utilizado na literatura técnica para designar os suicídios imitativos.
Trazendo para os dias atuais e uma realidade mais perto da que nos encontramos, temos a série 13 Reasons Why (Os 13 Porquês, em tradução literal). Adaptada do livro homônimo de Jay Asher (2007) pela Netflix, a série gira em torno de uma estudante que se suicida após uma série de falhas provocadas por indivíduos ao seu redor. Então, ela deixa 13 fitas cassete narrando os motivos pelos quais se suicidou. Por um lado e em partes, a série contribuiu para popularizar o assunto – a busca pelo auxílio no CVV aumentou em 455%, por exemplo -, mas, por outro, a produção é apontada como extremamente prejudicial, já que mostra cenas de violência (tanto física quanto sexual) e do suicídio sendo consumado, além de romantizar o ato.
“A série Os 13 Porquês romantizou o suicídio no sentido de que o sofrimento acontece, mas depois passa. O suicídio é retratado como uma morte qualquer. Na série em questão, a personagem se suicida e a vida das pessoas que ela conhecia seguem em frente. Quando o indivíduo verbaliza que precisa de ajuda, o suicídio pode ser tratado. As pessoas precisam entender que ele pode ser evitado por diversas situações”, explica Ana Caroline.
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), uma pessoa se suicida a cada quatro segundos no mundo. Isso corresponde a 800 mil mortes por ano. No Brasil, os dados mais atualizados dão conta de que a taxa de suicídios a cada 100 mil habitantes aumentou em 7%, ao contrário do índice mundial, que caiu 9,8%. Não apenas este mês (Setembro Amarelo), mas durante todo o ano, devemos dar atenção ao tema, como reforça Ana Caroline: “As pessoas só deixam para falar sobre suicídio durante o Setembro Amarelo. O suicídio, na verdade, ocorre durante todo o ano, é importante destacar que as pessoas precisam de ajuda todos os dias”.
Mais uma vez, reforçamos que não queremos ditar regras, mas corroborar para a importância da comunicação como uma das principais formas de prevenção ao suicídio. Além disso, abaixo apresentamos a instruções do Ministério da Saúde para a identificação de sinais de alerta de pessoas que estejam vivenciando uma crise e ações que devem ser tomadas em situação de risco. É importante ressaltar também que todos nós podemos ajudar a salvar uma vida. Se você conhece alguém que tem sintomas de depressão, fala frequentemente sobre morte ou apresenta algum dos comportamentos apontados a seguir, não hesite em orientar essa pessoa a procurar ajuda especializada.
Sinais de alerta – Prevenção (Fonte: Ministério da Saúde)
Os sinais de alerta descritos abaixo foram retirados de cartilha do Ministério da Saúde e, segundo a mesma, não devem ser considerados isoladamente. Além disso, é importante ressaltar que não há uma “receita” para detectar seguramente quando uma pessoa está vivenciando uma crise suicida, nem se tem algum tipo de tendência suicida. Entretanto, um indivíduo em sofrimento pode dar certos sinais, que devem chamar a atenção de seus familiares e amigos próximos, sobretudo se muitos desses sinais se manifestam ao mesmo tempo.
Aparecimento ou agravamento de problemas de conduta ou de manifestações verbais durante pelo menos duas semanas.
Essas manifestações não devem ser interpretadas como ameaças nem como chantagens emocionais, mas sim como avisos de alerta para um risco real.
Preocupação com sua própria morte ou falta de esperança.
As pessoas sob risco de suicídio costumam falar sobre morte e suicídio mais do que o comum, confessam se sentir sem esperanças, culpadas, com falta de autoestima e têm visão negativa de sua vida e futuro. Essas ideias podem estar expressas de forma escrita, verbal ou por meio de desenhos.
Expressão de ideias ou de intenções suicidas.
Ficar atentos para os comentários abaixo. Pode parecer óbvio, mas muitas vezes são ignorados: “Vou desaparecer”, “Vou deixar vocês em paz”, “Eu queria poder dormir e nunca mais acordar”, “É inútil tentar fazer algo para mudar, eu só quero me matar”.
Isolamento
As pessoas com pensamentos suicidas podem se isolar, não atendendo a telefonemas, interagindo menos nas redes sociais, ficando em casa ou fechadas em seus quartos, reduzindo ou cancelando todas as atividades sociais, principalmente aquelas que costumavam e gostavam de fazer.
Outros fatores
Exposição ao agrotóxico, perda de emprego, crises políticas e econômicas, discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, agressões psicológicas e/ou físicas, sofrimento no trabalho, diminuição ou ausência de autocuidado, conflitos familiares, perda de um ente querido, doenças crônicas, dolorosas e/ou incapacitantes, entre outros podem ser fatores que vulnerabilizam, ainda que não possam ser considerados como determinantes para o suicídio. Sendo assim, devem ser levados em consideração se o indivíduo apresenta outros sinais de alerta para o suicídio.
Diante de uma pessoa sob risco de suicídio, o que se deve fazer? (Fonte: Ministério da Saúde)
- Encontre um momento apropriado e um lugar calmo para falar sobre suicídio com essa pessoa. Deixe-a saber que você está lá para ouvir, ouça-a com a mente aberta e ofereça seu apoio.
- Incentive a pessoa a procurar ajuda de profissionais de serviços de saúde, de saúde mental, de emergência ou apoio em algum serviço público. Ofereça-se para acompanhá-la a um atendimento.
- Se você acha que essa pessoa está em perigo imediato, não a deixe sozinha. Procure ajuda de profissionais de serviços de saúde, de emergência e entre em contato com alguém de confiança, indicado pela própria pessoa
- Se a pessoa com quem você está preocupado(a) vive com você, assegure-se de que ele(a) não tenha acesso a meios para provocar a própria morte (por exemplo, pesticidas, armas de fogo ou medicamentos) em casa.
- Fique em contato para acompanhar como a pessoa está passando e o que está fazendo.
Onde buscar ajuda?
CAPS e Unidades Básicas de Saúde (Saúde da Família, Postos e Centros de Saúde)
UPA 24h, Pronto-Socorros e Hospitais
Telefones úteis
SAMU – 192
Bombeiros – 193
CVV – 188
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