Analisando grande parte dos filmes no último século, notamos certo padrão comportamental no papel da mulher no cinema. Até meados do século XX a mulher desempenhava apenas as funções de dona de casa, esposa e mãe e tinha sua representação como sensível e frágil. A partir da década de 1960 esse quadro começa a mudar. O movimento feminista começou a se expandir e a questionar o lugar da mulher na sociedade em todos os âmbitos e, é claro, as telas de cinema tiveram um papel fundamental nisso.
A atriz Theda Bara (1885-1955) é um nome de destaque. Ela é tida como a primeira femme fatale e, ainda no cinema mudo, ficou conhecida por suas personagens sensuais. Entre 1930 e 1960, vários filmes produzidos em Hollywood mostravam a mulher de uma maneira que satisfazia os olhos masculinos. A teórica britânica Laura Mulvey diz que o cinema é como um modo de satisfação visual. Ela explica que as produções focam em mostrar dramas e corpo humano, pois isso incita os telespectadores a olhar para a tela fixamente e a reconhecer como uma representação da realidade.
Marilyn Monroe (1926-1962) também é um ótimo exemplo desse papel sexual da mulher no cinema. Logo em seu primeiro filme, O Rio das Almas Perdidas (1954), a sexualização da sua imagem funciona como elemento de conexão entre o olhar da personagem masculina e do espectador, colocando ambos dentro do mesmo “espetáculo erótico”. Monroe deu vida à Kay Weston, uma personagem extremamente feminina, que tinha seu glamour e sua sensualidade destacados na produção. No desenrolar da história, Weston se apaixona pelo protagonista, tornando-se sua “propriedade” e, consequentemente, perde suas principais qualidades.
A partir da década de 2000 começa a surgir um novo padrão da representação feminina na criação das personagens. A Manic Pixie Dream Girls – MPDG (Garota Maníaca Fada Sonhadora – GMFS). Segundo o crítico Nathan Robin que criou esse termo depois de assistir Kirsten Dunst em Elisabethtown (2005), GMFS é: “aquela efervescente e rasa criatura cinematográfica que existe unicamente nas imaginações febris de escritores/diretores sensíveis a fim de ensinar jovens homens sentimentais depressivos a abraçar a vida e seus infinitos mistérios e aventuras”. Ou seja, aquela personagem feminina meiga, com ótimo gosto musical, atrapalhada e com pequenos defeitos que a deixam adorável, existindo apenas para o desenvolvimento emocional do personagem principal (masculino).
Segundo Ann Kaplan, autora e professora, que investigou a relação entre a mulher e o cinema, existe uma mudança no comportamento feminino nos filmes. A autora caracteriza três tipos de mulher construídas pelo parâmetro Hollywoodiano desde os anos 1930 até a atualidade:
- A mulher cúmplice que assume uma postura frágil;
- A mulher resistente, de caráter feminista, que luta por seus direitos e realizações;
- A mulher pós-moderna que, tendo encontrado seu espaço no mundo, conquista a liberdade desejada e está preparada para enfrentar questões que porventura se originem a partir de sua nova situação;
Segundo Alison Bechdel, cartunista norte-americana, uma análise feita a partir de 1964 percebeu a participação secundária de mulheres em filmes, sendo assim, criou o Teste de Bechdel para saber como as mulheres estavam sendo colocadas nas produções. O teste contém três avaliações:
- É necessário que o filme tenha no mínimo duas mulheres com nomes;
- É necessário que elas conversem uma com a outra;
- É necessário que elas conversem sobre algo que não seja relacionado a um homem;
Segundo Alison, o número de filmes aprovados nesse teste costuma ser muito pequeno. Essa avaliação parece uma coisa simples, mas prova que as mulheres, praticamente só existem nos filmes para complementar o protagonismo masculino. Os dados comprovam que a representatividade feminina ainda é pequena: só 11% dos filmes analisados tem elenco equilibrado.
Entretanto, o cenário é promissor. Filmes como Jogos Vorazes (2013), Divergente (2014), Mad Max: Estrada da Fúria (2015) e Mulher Maravilha (2017) trazem personagens femininas fortes que não estão focadas na sexualidade, mas apresentam força e coragem, características que outrora seriam atribuídas aos homens.
Até entre as animações vemos essa mudança de perspectiva: Frozen (2013) contém a primeira princesa da Disney que não tem príncipe e Moana (2017) é a filha do chefe de uma tribo na Oceania, que desbrava mares e enfrenta monstros para salvar sua ilha. Uma verdadeira heroína.
Com luta, o protagonismo feminino vem, mesmo que lentamente, ganhando seu espaço no cinema.
*Essa e outras matérias da Revista Mercadizar você encontra neste link
*O Mercadizar não se responsabiliza pelos comentários postados nas plataformas digitais. Qualquer comentário considerado ofensivo ou que falte com respeito a outras pessoas poderá ser retirado do ar sem prévio aviso.