Ariel Bentes; 25/11/2020 às 09:00

Mulheres e a jornada tripla

Conversamos com Chay Santos, Denise Cardoso e Tayara Wanderley sobre o desafio de conciliar a maternidade e o home office durante a pandemia

Trabalhar, cuidar dos filhos e realizar tarefas domésticas. Essa é uma conta que não fecha em 24 horas em uma jornada que muitas mulheres vivem, e que se tornou ainda mais intensa com a quarentena. Um exemplo disso, é que as mulheres passam 18,5 horas por semana cozinhando, lavando e organizando a casa enquanto os homens levam 10,8 horas, de acordo com a pesquisa “Outras formas de trabalho”, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

“Aumentou o número de homens que fazem trabalho doméstico, mas o tempo gasto continua o mesmo. No recorte pelo tipo de trabalho, os homens se dedicam a atividades mais leves como pequenos reparos enquanto a mulher lava, passa, cozinha, faxina a casa. Com os filhos, a mesma coisa. Eles saem para passear, mas quem dá comida, banho e põe para dormir são as mulheres”, afirmou Maria Lúcia Vieira, responsável pela pesquisa divulgada em 2019, ao jornal O Globo. 

Com a pandemia, os desafios do trabalho remoto e as crianças em casa, a nova rotina levou grandes mudanças para a vida dessas mulheres como relata Chay Santos, publicitária e CEO da Mangarataia. “A fase da quarentena sem dúvida foi um teste de convivência familiar, ficar 24 horas com marido e filha, tendo que trabalhar, liderar a equipe, atender clientes, cuidar de casa, nossa, tive momentos desesperadores. O início foi confuso, afinal, nunca havíamos passado por uma pandemia. Tive que abrir mão do escritório e trouxe tudo pra sala da minha casa. O marido foi afastado por 3 meses do trabalho e minha filha Laura teve as aulas suspensas”, disse ela.

A vida financeira também não ia bem, com contratos rescindidos Chay precisou se reinventar e criar um curso online do zero. “Foram madrugadas em claro e noites mal dormidas pra colocar o curso no ar. No dia que gravei as aulas a Laura teve que ir pra casa da avó, ela não podia me ver sentada trabalhando que fazia de tudo pra chamar atenção. Além disso, eu ainda amamentava e mesmo o pai cuidando dela, tinha dias que eu precisava me trancar no carro pra gravar áudio do curso ou só pra fugir mesmo. Mas deu certo e o curso foi um sucesso”, contou Chay. 

A situação de Denise Cardoso, profissional de planejamento e estratégia e fundadora da Miolo Marketing Estratégico, é similar. Antes do isolamento, Denise contava com o apoio de uma babá e de seu marido, Bruno. A profissional afirma que a participação ativa do companheiro na rotina da criança é indispensável para que a jornada se torne mais dinâmica.   

“Graças a tudo nessa vida eu tenho o apoio do pai dela, Bruno. Como pai tem sido muito presente e ativo. As nossas responsabilidades enquanto pais e a nossa rotina é muito bem equilibrada, pois nós temos muito bem definido o que representa na nossa vida a maternidade e paternidade. É o tipo de relacionamento que eu não preciso pedir e ter que contar com a ajuda. É  simplesmente feito”, destacou Denise. 

Buscando outras formas de adaptação e de se proteger, Denise decidiu retirar a sua filha da escola. Segundo ela, a escola passou a ter aulas online mas o sistema era defasado e a família, que estava trabalhando em casa, não conseguia conciliar as aulas com os seus trabalhos. “O trabalho estava bem puxado e a minha filha não conseguiu acompanhar as aulas. Ela ficar presa em casa todo esse tempo exigia que eu e o Bruno tivesse mais tempo livre e isso acabou criando uma ansiedade na gente e nela. Tivemos que nos reinventar para que ela extravasasse as energias e a imaginação”, disse.

A rotina é ainda mais intensa para uma mãe solo, mulher que é a única ou principal responsável por determinada criança, como é o caso da relações públicas, Tayara Wanderley. A RP conta que durante o seu isolamento social, a sua filha Manuela não estava mais frequentando a creche e ela estava trabalhando de casa. “Eu tentava conciliar maternidade e trabalho, mas é muito difícil. Chegava perto do almoço e eu não tinha conseguido fazer comida, por exemplo. Eu usava muito do artifício do desenho para distrair a Manuela e conseguir trabalhar ao mesmo tempo”, disse.

Tayara também disse que no final do mês de maio foi demitida do trabalho, mas que nos meses seguintes da quarentena continuou fazendo trabalhos freelancers em casa e precisou do auxílio da família, com quem ela mora, para cuidar da sua filha. “Os meus pais me ajudam muito em relação a Manuela, principalmente o meu pai. Ele é o meu principal suporte. Sem essa ajuda seria muito complicado, pois só é eu e ela e para dar uma pausa para tomar banho ou fazer comida, por exemplo, a gente precisa de um suporte”, contou Tayara. 

Apesar dos desafios dessas jornadas, Chay conta que tem se adaptado às mudanças e aproveitado para fazer coisas novas e cuidar de si. “Eu me voltei muito para mim nesse período. Quando minha filha dorme eu vou meditar ou fazer yoga e isso me ajudou a cuidar da minha saúde mental”, explicou.

Com a reabertura do comércio no mês de junho em Manaus, aos poucos os trabalhos presenciais estão sendo incluídos novamente na rotina de Chay, Denise e Tayara. “Hoje, eu já posso contar com a babá da minha filha novamente. Em julho eu voltei a fazer externa e agora o dia a dia é para trabalhar em casa, sair para visitar cliente  fazer algumas externas”, disse Denise. “A Manuela já voltou para a creche e agora eu estou empregada novamente e tenho que sair de casa para trabalhar. Além disso, preciso sair para o supermercado, que antes era feito somente pelo telefone. Eu preciso ir direto lá e fazer compras para a minha avó que ainda não pode sair”, complementou Tayara.

O isolamento social colocou uma lupa na desigualdade de gênero e na sobrecarga que Chay, Denise, Tayara e tantas outras mulheres, mães e trabalhadoras são afetadas. Conforme afirma a Organização das Nações Unidas (ONU) em seu folheto “Gênero e Covid-19 na América Latina e no Caribe: dimensões de gênero na resposta”, na sociedade as mulheres são as mais afetadas pela crise e pelo trabalho não-remunerado pois são elas, geralmente, as primeiras responsáveis por cuidar de idosos e crianças. 

É necessário que as empresas reconheçam as demais jornadas destas mulheres e tomem medidas que viabilizem qualidade de trabalho para essas mães. Além disso, segundo a ONU, organizações – governamentais ou não – deveriam promover políticas que incentivem a redistribuição da sobrecarga de trabalho não-remunerado que ocorre dentro das casas e o empoderamento financeiro destas mulheres. 

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