Ariel Bentes, Elânny Vlaxio e Nayá Costa; 13/03/2020 às 10:54

Elas querem voz: um retrato de gênero e raça na publicidade manauara

Durante muito tempo o universo da publicidade foi tomado por campanhas publicitárias totalmente machistas e até mesmo racistas. Embora atualmente grande quantidade de marcas tente se desprender de ideias que retratam estereótipos ligados a gênero e raça, as ações tomadas por determinadas empresas ainda repetem padrões como, por exemplo, a objetificação da mulher e a falta de representatividade negra. 

“Ainda existe a imagem de que a mulher manauara é aquela ribeirinha que foi mãe cedo e é dona de casa, já não somos apenas isso faz tempo! Existem empreendedoras, modelos, grandes empresárias. Na maior parte das campanhas as mulheres aparecem como mães e ao lado de um marido, não há um destaque apenas nas mulheres e em todas as suas possibilidades.”, disse a redatora Raissa Pitanga. 

Como resultado desse padrão estereotipado, o número de mulheres que não se sentem representadas pela publicidade cresce diariamente, e isso se dá, principalmente, pela falta de espaço que elas ocupam no mercado da comunicação. No Brasil, além da baixa participação dentro de agências – apenas 20% das equipes de criação são compostas por mulheres, além disso, segundo pesquisa realizada pelo Meio & Mensagem, de dezembro de 2018 a janeiro 2019, somente 14% delas estavam em funções de liderança ou diretoria. Ainda existe outro problema relacionado ao ambiente de trabalho: o machismo. 

Segundo a relações públicas Larissa Holanda, o boicote aos trabalhos produzidos por mulheres ocorre rotineiramente dentro de agências. “Já presenciei o boicote a trabalhos de mulheres, pequenos comentários ou piadas que obviamente são machistas, principalmente em reuniões, onde o silenciamento da mulher é frequente”. 

Fazendo um recorte racial, a situação não é muito diferente. Ao buscar por mulheres negras que trabalham ou já trabalharam em agências de publicidade em Manaus, na área da criação ou direção, a equipe do Mercadizar obteve poucos resultados. Conversamos com quatro mulheres e durante as entrevistas elas relataram serem na maioria das vezes as únicas mulheres negras nas empresas, além disso, também questionaram a forma como eram tratadas naquele espaço. “Por incrível que pareça, a área de comunicação parece ser a mais ‘livre’ de preconceitos, mas é um dos ambientes em que a discriminação como um todo mais acontece” ressalta a publicitária Emanuela Andrade.

Para Alice Rosas, relações públicas, os preconceitos também se manifestam de forma velada. “A questão do cabelo também sempre é um ponto. Ouvi várias vezes que o meu cabelo era um cabelo mais ‘despojado’, que para reuniões por exemplo, eu precisava deixar ele mais arrumado”, contou ela.

O reflexo disso se dá também em comerciais e campanhas, pois de acordo com a reportagem publicada pelo Jornal Folha de São Paulo, somente 7,4% dos comerciais de televisão são protagonizados por mulheres negras. “Nos EUA os negros são 13% da população e ocupam mais espaço na mídia e em cargos estratégicos. Aqui não somos minoria, somos mais da metade dos brasileiros” disse a empresária Dilma Souza Campos, presidente da agência de marketing Outra Praia.

Já na visão da escritora Ana Rita a representatividade tem que ser feita de maneira natural “O que eu sinto, é que colocar uma mulher negra na ‘fita’, é uma espécie de sacrifício para as empresas ficarem bem diante da sociedade, não existe uma real preocupação”, disse.

Por ter um histórico de machismo e preconceito no país, a comunicação voltada para o marketing e publicidade deixa a desejar um protagonismo mais igualitário, onde o coletivo se identifique por meio de campanhas e/ou propagandas. Pensando nisso, conversamos com mulheres que já atuaram na área da publicidade em Manaus para elas falarem sobre os preconceitos que permeiam o mercado.

Raissa Pitanga

Publicitária e Redatora (Foto: Acervo Pessoal)

A diferença de uma foto produzida e uma foto de banco de imagens é gritante. A mulher Manauara, o biotipo dela é muito específico. Eu sempre procuro ajudar as minhas duplas a achar os modelos perfeitos no banco de imagens, mas é bem difícil achar a mulher manauara. Como profissional, a gente sempre recomenda a produção da foto, uma vez que, seu público-alvo conseguiu se enxergar ali é muito importante, mas nem sempre os clientes entendem essa necessidade.

Larissa Holanda

Relações Públicas (Foto: Acervo Pessoal)

É muito difícil desmistificar posições sociais que estão tão intrinsecamente impregnadas nos contextos sociais e, a publicidade faz pouca questão de ser parte dessa desconstrução, quando afunilamos ainda mais e chegamos na representação da mulher do Norte, a situação fica ainda pior. Quantas mulheres com traços caboclos você já viu em uma propaganda? Quantas mulheres com traços caboclos você já viu em uma propaganda representando papéis como médicas, empresárias, engenheiras?

Amanda Bezerra

Publicitária e Diretora Criativa (Foto: Acervo Pessoal)

Já ouvi que a minha ideia não era boa o suficiente, já fui interrompida antes de concluir meus pensamentos e que eu deveria ter alguém do meu lado para olhar o que eu estava fazendo. Além disso, acho que nesse sentido a publicidade manauara se acomodou com o uso de banco de imagens, que não representa nosso povo, mas mata rápido o trabalho. E aí fica o questionamento: você quer de fato levar a publicidade manauara para algum canto ou só quer terminar o trabalho e receber o que tem pra receber dos clientes? Você se importa com o retorno deles? 

Alice Rosas

Relações Publicas (Foto: Acervo Pessoal)

Além de me ver na publicidade, quero ser ouvida, quero estar presente. Nāo quero ser um objeto, uma oportunidade, quero ser gente.  De nada adianta ser uma empresa que investe em publicidade falando de diversidade, mas ter apenas pessoas brancas entrando em processo seletivo. A publicidade deve mostrar nāo só o que a empresa quer vender, mas também o que ela é em essência.

Tatiane Alves

Publicitária (Foto: Acervo Pessoal)

Algumas marcas se aproveitam para chamar a atenção se prevalecendo da causa, mas na realidade muitas vezes o respeito não acontece nem dentro da empresa. Só dizem que apoiam para promover a sua marca.

Jaque Santos

Publicitária e Apresentadora (Foto: Acervo Pessoal)

O racismo velado permeia a sociedade, e isso inclui os ambientes de trabalho. Aqui entram exemplos que muitos leitores vão se identificar ou já ouviram por aí, como: “nossa, que beleza exótica” ou “como você é linda, tem traços de branca, né?”.

Emanuela Andrade 

Publicitária e Atendimento (Foto: Acervo Pessoal)

No meu primeiro trabalho em agência, a proprietária era mulher e ela tinha um tipo de comportamento comigo diferente do resto da equipe. Éramos duas meninas e dois meninos, apenas eu de mulher negra. Ela gritava comigo, me exigia horário mais cedo, não me deixava sair quando precisava, em qualquer situação que fosse possível ela me expor, ela fazia isso. Eu era a única pessoa da agência com quem ela tinha esse tipo de comportamento. E isso afetava meu rendimento no trabalho, tive sérios problemas com ansiedade na época. 

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