Isabella Botelho e Nayá Costa; 14/03/2020 às 17:30

Donas do Jogo: As Mulheres no Universo Gamer

Apesar dos avanços, a quantidade de mulheres trabalhando diretamente no desenvolvimento de games aumenta lentamente

Segundo a projeção da consultoria de mercado de videogames Newzoo, de 2018, a indústria de jogos digitais faturou aproximadamente US$ 137,9 milhões no ano. Esses números vêm crescendo e já garantiram aos games a classificação no setor de entretenimento mais sucedido de todos – deixando, inclusive, os filmes de Hollywood para trás.

O Brasil, que ultimamente ocupa a oitava posição no ranking de economia mundial, têm expandido seu mercado de games através de seus polos digitais. Somente em 2018, o país atingiu 1,5 bilhões de dólares no setor, alcançando assim o 13º lugar entre os países com o maior consumo de jogos eletrônicos. Manaus, por exemplo, conta com o segundo maior parque industrial do país, além de um polo de desenvolvimento tecnológico que cresce gradativamente. De acordo com dados da 19º Pesquisa Global de Entretenimento e Mídia, até 2022 o segmento de jogos digitais deve crescer 5,3%, mostrando o potencial da capital. 

Para Brena Cardoso, desenvolvedora com foco em UI e UX na Black River Studios, Manaus está em fase de ascensão em massa. “Com a movimentação de eventos relacionados ao desenvolvimento, a galera que sempre sonhou em fazer seus jogos tem acordado”, ressalta. 

Se, por um lado, o progresso do mercado em termos econômicos é próspero, por outro, a indústria continua repleta de falhas estruturais quando falamos em diversidade. De acordo com uma pesquisa da Abragames (Associação Brasileira das Empresas Desenvolvedoras de Jogos Online), apenas 15% dos funcionários que atuam na indústria de jogos no Brasil são mulheres.

Esse padrão de baixa representação feminina se repete pelo setor em todo mundo, refletindo até mesmo na representação da mulher nos games – sempre estereotipada. Isso se deve à pequena parcela de mulheres presentes no ramo de desenvolvimento de games. 

“A comunidade de jogos sempre foi predominantemente formada de homens e atualmente as mulheres têm tomado o espaço. Há sim uma dificuldade porque dentro dessa comunidade há uma sexualização da garota gamer, isso porque os jogos sempre mostraram o corpo feminino sexualizado. O bom é que o espaço conquistado por mulheres faz com que isso seja quebrado aos poucos, mas bem aos poucos mesmo. Ainda não vejo jogos que não sexualizam as mulheres”,  afirma a jogadora manauara Izabel Paiva. 

No entanto, esse não é o único problema. Conforme denunciado por profissionais da área através do movimento #1ReasonWhy, hashtag criada no Twitter para expor relatos e protestos sobre o machismo na indústria dos games,  as mulheres que trabalham com games estão submetidas a constantes episódios de assédio, silenciamento em reuniões, rotineiros comentários sexistas e disparidade salarial para com seus colegas homens.

“Um dos maiores desafios é conseguir respeito. A indústria de jogos consegue ser extremamente tóxica em muitos sentidos. Como profissional, vejo que meus colegas conseguem ser profissionais e respeitarem, mas ainda é difícil me impor como mulher desenvolvedora de jogos para os outros. Em eventos, muitas vezes acham que eu faço parte da organização e não da equipe”, afirma Bianca Antunes, que atua como desenvolvedora de games na Black River Studios.

Enquanto a quantidade de mulheres trabalhando diretamente no desenvolvimento de games cresce lentamente, 53% do público gamer no Brasil é formado por mulheres. Esse é um dado da Pesquisa Game Brasil 2018 que faz cair por terra o pressuposto de que jogos online são atividades masculinas. Se antes o campo virtual era dominado por homens, hoje as mulheres ocupam um espaço de destaque no meio dos jogos digitais. No entanto, os desafios permanecem os mesmos. 

A modernidade trouxe não apenas gráficos melhores para os jogos, mas também a possibilidade de se jogar com outras pessoas através da Internet, seja em partidas competitivas ou em disputas cooperativas. Há inúmeros relatos de mulheres que sofreram algum tipo de assédio em chat ou conversa em áudio. 

Ao falar de sua experiência como jogadora, Krishna Ribeiro confessa que ainda existe uma visão muito machista por parte dos jogadores. “Todos os dias tenho meus talentos e habilidades para jogos questionados por homens. Inclusive, tenho diversos prints guardados no meu computador do chat dos jogos, até mesmo de amigos que jogavam comigo. Um dia eu estava jogando bem e o cara do meu time falou: você joga muito bem de carry** para uma mulher. Eu o questionei na hora, ele se sentiu ofendido e respondeu: é que mulher normalmente joga de suporte”, diz ela, cobrando mais respeito.

“Eles não dão voz para as mulheres, principalmente se forem mais novas. Por exemplo, mulheres geralmente só fazem sucesso quando são ‘bonitas’, independente de jogarem bem ou não. Já vi muitas meninas não recebendo o merecido reconhecimento, mesmo jogando muito bem, por não serem esteticamente ‘agradáveis’ como eles falam e, bom, isso não é um problema para os homens. Ainda é um ambiente extremamente preconceituoso, principalmente para as jogadoras profissionais”, continua.

Mesmo diante desse panorama desigual e inadequado à atuação feminina, há mulheres desenvolvedoras e jogadoras que se destacam por seus trabalhos no setor. Elas servem de exemplo para todas as mulheres que queiram fazer história no universo gamer e também como padrões inspiradores para alcançarmos a igualdade de gênero na indústria dos jogos digitais. 

*Jogo eletrônico do gênero Multiplayer Online Battle

**Termo para “carregador”. Tem a função de causar o máximo possível de dano nas team fights

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