Para mulheres negras, a questão do empoderamento é de extrema importância e uma das formas de se fazer isso é através da estética, do cabelo e das tranças. Com origem na África, as tranças podem possuir diversas formas e a sua história mostra que elas são muito mais que um penteado.
Antigamente, as nagôs, angolas, jejes e fulas (alguns dos tipos de tranças) tinham um papel importante como condutoras de mensagens. Por meio delas, os negros escravizados conseguiam identificar a qual etnia cada um deles pertencia e elas eram usadas também para desenhar mapas que ajudassem em suas fugas. Além de servirem para identificar a posição social, a idade, o estado civil e a religião em reinos africanos. Depois disso, as tranças também estiveram presentes em manifestações como na Marcha dos Direitos Civis nos Estados Unidos, o movimento Black Power e no partido dos Panteras Negras.
Segundo a pedagoga e especialista em Educação em Direitos Humanos, História e Cultura Afrobrasileira e Africana e Educação Popular, Layla Maryzandra, as tranças constituem a identidade sócio-histórica e cultural da população do sul dos Estados Unidos e da América Latina, em especial a Colômbia e o Brasil. Layla também contou que possui uma pesquisa intitulada “Sobre os fios da ancestralidade: Penteados africanos como um caminho de liberdade”, e que nela busca contribuir com novos olhares sobre os penteados africanos como um campo epistemológico.
“Para muitas pessoas as tranças têm apenas uma importância material, alguns ainda têm dificuldade de entendê-las como simbologias imateriais. Cuidar do cabelo, tocar através do ato de trançar está carregado de simbologias, que por vezes são traumáticas para algumas e superáveis para outras. A trança pode ser um meio de cura para muitas de nós, porque ela dialoga diretamente com nosso espelho quebrado, constituindo de forma positiva estruturas psíquicas que o racismo tenta destruir”, disse Layla.
Para a Jéssica Dandara, ativista, produtora cultural e usuária das tranças, elas são uma expressão da ancestralidade negra. Além disso, ela também pontua que elas são uma alternativa ao alisamento dos cabelos cacheados e crespos.
“É uma questão de você viver nesse país que é tão racista de uma maneira mais amena. A trança durante muito tempo foi e ainda é uma forma de a gente ter uma melhor vivência racial. Há quem diga que elas são um meio de esconder o cabelo crespo e não aceitá-lo, mas eu digo que é uma expressão da nossa ancestralidade, da nossa negritude e pretitude. A nossa história africana é tão rica que nos oferece diversas opções de viver essa ancestralidade e uma delas são as tranças”, afirmou ela.
Tão simbólico quanto as tranças e suas mensagens, é o ato de manusear e trançar o cabelo em si, sendo as trancistas uma espécie de “guardiã do ofício artesanal tradicional africano”, de acordo com Layla. É o que ocorre com a trancista Christiane Eveng, do estúdio Tranças Afro da Chris, nascida em Camarões ela contou ao Mercadizar que quando criança observava as suas tias trançando o cabelo de outras mulheres e que possuiu o interesse por elas desde então.
“Colocar tranças faz parte da cultura de Camarões. Não é moda. A mulher sem trança não se sente bonita, tanto que lá a gente costuma trocar com frequência. Faz parte do nosso dia a dia”, disse ela.
E hoje, fazer tranças é o empreendimento e o modo de sobrevivência tanto da Christiane quanto da Jeinnyliss Paixão, proprietária do Studio Tranças Afro Manaus. A mãe de Jeinnyliss, Marly Paixão, passou pelo processo de transição capilar usando penteados com tranças para disfarçar a mistura do cabelo alisado e natural, após o nascimento das suas filhas ela passou a aplicar tranças de lã nela mesma.
“Meu avô que tinha sido transferido para cá vivia viajando para São Paulo. Ele começou a trazer de lá diversos cabelos para que a minha mãe, minhas tias, eu e minha irmã utilizássemos. Isso facilitava o nosso dia a dia e evitava que analisássemos o cabelo querendo se encaixar nos padrões. Desde então somos autodidatas em nossas aplicações e fomos aperfeiçoando nossas técnicas para atender melhor as pessoas que hoje são os nossos clientes.”
De acordo com o estudo “O que as mulheres querem”, realizado pela Kantar, empresa de dados, insights e consultoria, 20% das mulheres brasileiras possuem baixa autoestima e a ausência de autonomia financeira (24%), autonomia sexual e corporal (24%) e liberdade de pensamento e expressão (22%) são alguns dos fatores que contribuem para essa situação. Para além do resgate cultural e do trabalho, Christiane e Jeinnyliss afirmam o poder que as tranças possuem em empoderar as mulheres.
“As brasileiras quando chegam aqui em casa para fazer o cabelo muitas delas estão com uma autoestima baixa. Quando elas saem daqui, elas saem com um sorriso no rosto e agradecem muito. Para mim é isso que conta. Eu estou colaborando na valorização da identidade e da mulher negra.”, falou Christiane.
Jeinnyliss, que atualmente está passando por uma transição capilar, tem a frase “Trançar para transformar, transluzir, transmitir autoestima” como seu lema. “Eu digo que sou consumidora do meu próprio produto. Sei e sinto tudo o que sou ao usar as tranças, a sensação de satisfação, de realização e de transformação. A empatia e o amor passados da minha mãe para mim fez com que eu sempre soubesse que poderia multiplicar e compartilhar o poder que temos literalmente em nossas mãos ao trançar e conseguir proporcionar a outras pessoas estas mesmas sensações que a nós sempre foi dada.”, contou Jeinnyliss.
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