Os rios do Norte estão alcançando vários recordes. Mas essa não é uma boa notícia. A seca de 2024, que atinge todos os estados da região, já é considerada histórica. Rio Negro, Solimões, Amazonas, Tapajós e outros grandiosos rios amazônicos chegaram às menores cotas já registradas, refletindo a escassez hídrica que afeta diretamente a biodiversidade e a vida das comunidades locais.
Consequência da crise climática, a seca severa é mais do que um alerta sobre como as ações humanas estão degradando o ambiente do qual somos diretamente dependentes. Neste #MercadizarExplica especial sobre a seca, entenda quais mínimas históricas foram alcançadas e os principais motivos deste fenômeno.
Quem bateu recordes?
No início de outubro, alguns rios da região começaram a marcar poucos centímetros de subida de seus níveis. Ainda assim, a seca severa de 2024 ainda perdura em todo o Norte. Ao longo do ano, os níveis de água ficaram abaixo do normal, isolando comunidades, prejudicando a biodiversidade, reduzindo o volume de cargas transportadas via fluvial, e causando diversas outras consequências.
A seguir, a lista das mínimas históricas atingidas por rios amazônicos durante a estiagem de 2024. Os dados apresentados foram checados até o momento de publicação desta matéria.
De acordo com o Boletim Estiagem divulgado pela Defesa Civil do Amazonas, atualmente, todos os 62 municípios se encontram em estado de emergência por causa da seca. No estado, mais de 800 mil pessoas são afetadas. O boletim aponta a mínima histórica do Rio Negro, em Manaus de 12,11 m; do Médio Solimões, em Fonte Boa de 7,12 m; do Baixo Solimões, em Manacapuru de 2,06 m; e do Rio Madeira, em Nova Olinda do Norte de 4,92 m. Outras cotas históricas sequer chegaram a um metro: o Rio Juruá, em Envira, chegou a 0,72 m.
Também no Amazonas, algumas mínimas chegaram a marcas negativas. São elas: Baixo Solimões, em Careiro da Várzea com cota de -0,26 m; Médio Amazonas, em Itacoatiara com -0,14 m; Alto Solimões, em Tabatinga com -2,54 m; e Baixo Amazonas, em Parintins com -2,63 m.
No Acre, a capital viu o Rio Acre atingir a mínima histórica de 1,23 m no dia 21 de setembro. Em Rondônia, na cidade de Porto Velho, o Rio Madeira chegou aos impressionantes 19 cm de cota histórica.
No Pará, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico declarou, pela primeira vez, em setembro deste ano, situação crítica de escassez hídrica no rio Tapajós até 30 de novembro em um trecho compreendido entre as cidades de Itaituba e Santarém. No dia 13 de outubro, o Rio Tapajós chegou a medir o nível mais baixo com -16 cm.
Já em Roraima, o Rio Branco, um dos principais do estado, não bateu recorde, mas chegou à segunda pior marca: -38 cm.
Além disso, outro tipo de recorde preocupante foi alcançado: de acordo com estudo do WWF, 23 lagos da Bacia Amazônica monitorados chegaram a temperatura acima da média acumulada dos últimos cinco anos para o mês de agosto. Desses, 12 marcaram temperaturas acima dos valores observados em 2023, quando 330 botos morreram devido à alta temperatura da água, que chegou a 40 graus na época.
#MercadizarExplica: Quais as principais causas?
Em entrevista ao Mercadizar, o engenheiro ambiental e mestre em ecologia, Yago Santos, explica que há diversos fatores que, juntos, causam o cenário atual, entre eles degradação da floresta, aquecimento do Oceano Pacífico, o El Niño, e o aquecimento do Atlântico Tropical Norte.
“Existe uma variação natural de temperatura dos oceanos que geram esses aquecimentos, mas a intensidade com que ocorrem e seus efeitos atuais só podem ser explicados via as mudanças climáticas. Ambos os fenômenos de aquecimento dos oceanos diminuem a chuva na Amazônia e o El Niño, por exemplo, só acabou próximo ao pico da cheia, que não foi intensa esse ano. A seca do ano passado, mesmo com o El Niño, foi 30 vezes mais provável de acontecer devido às mudanças climáticas. As áreas atingidas por seca extrema desse ano, mesmo já sem o El Niño, foram 2000% maiores que o ano passado”, destaca Yago.
Segundo o engenheiro ambiental, a destruição da Amazônia, o aumento de temperatura e de gases estufa na atmosfera, fazem com que a floresta produza menos vapor de água, o que prejudica a formação de nuvens de chuva e diminui a resistência do bioma aos eventos extremos.
“Ano passado, tivemos uma seca fortíssima e, no período chuvoso, choveu pouco, então não deu tempo para o nível da água na Amazônia se recuperar para esta seca, Tanto que a comunidade científica já alertava isso durante a seca anterior e, com os fatores que citei, a tendência é ter períodos cada vez mais secos.”
Naturalmente, os ecossistemas estão interligados e a situação da Amazônia pode afetar outras regiões e biomas, fazendo com que as consequências da crise climática sejam sentidas além da região. A umidade que sai da Amazônia, por exemplo, e que é desviada pelos Andes, mantém os outros biomas do Brasil e, consequentemente, suas cidades e regiões agrícolas abastecidas com água.
“No caso do Brasil, somente com uma tentativa grande de restaurar os biomas em determinadas áreas previstas pelo código florestal ou de interesse social e ecológico, demarcação de territórios indígenas e de comunidades tradicionais, unidades de conservação e substituir monoculturas em uma reforma agrária focada em sistemas agroecológicos que poderemos começar a reverter esse cenário. Isso se somarmos nos esforços mundiais de cortar emissões de gases estufa”, explica.
Quais as previsões para o próximo período de cheia na Amazônia?
Yago Santos explica que é necessária uma quantidade considerável de chuvas para que os efeitos da seca atual comecem a sumir.
“Para os rios subirem, é importante que chova nas cabeceiras dos rios. Monitorar as cabeceiras nos ajuda a prever o que acontece com a bacia como um todo. Áreas como Manaus chegaram a ter chuva acima da média antes do pico da cheia, em maio, e mesmo assim o rio não subiu tanto. Mas as cabeceiras dos rios tiveram chuva abaixo do esperado e isso se reflete na seca de agora.”
Algumas regiões, como o Acre, têm preparativos para uma cheia intensa em 2025. Porém, há variações ao longo da bacia amazônica: a parte sul, tem estado cada vez mais seca. Isso influencia determinados rios. Se os oceanos atingirem uma neutralidade, com temperaturas dentro da média, é possível termos um ciclo de chuvas dentro do normal, afirma Yago.
“Mas acredito que mesmo que tivéssemos perspectivas bem otimistas, nada justifica a ausência de preparo prévio para seca atual antes dela começar e nem para a possível cheia, mesmo que ela seja concentrada em partes da Amazônia. Dados já são disponibilizados com muita antecedência. Estamos falando de fenômenos com meses de duração e são mais fáceis de prever do que chuvas concentradas, como as que aconteceram no Rio Grande do Sul duas vezes em menos de 6 meses. E olha que mesmo esses casos de lá, que são mais complexos de prever, já eram previstos faz muitos anos. Daí a gente imagina como é pra secas e cheias na Amazônia. O custo econômico, social e ecológico de se agir em cima da hora é cada vez maior”, alerta.
De mãos dadas com o desaparecimento das águas de alguns dos maiores rios do mundo, estão as ameaças a todos os povos, espécies, paisagens e biodiversidades da Amazônia. O lugar sufoca entre as chamas das queimadas ilegais e a escassez hídrica. Antes abundante em água, hoje a Amazônia padece pela sede. Os percursos fluviais agora são formados por lama e areia, pelos quais caminham aqueles que tentam sobreviver à seca e permanecem invisíveis ao restante do país. Quais outros recordes deverão ser alcançados até que a crise climática seja, de fato, levada a sério?
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