A história desse território chamado Brasil não começa em 1500. Muito antes disso, historiadores apontam que mais de mil Povos Originários já habitavam a terra, com culturas e línguas diferentes. Eles viviam de maneira autônoma, sem a presença de elementos políticos e governamentais e de Estado, com sua própria organização. A gestão era coletivista, com base na cooperação entre os membros de uma mesma tribo e em alianças e guerras entre tribos diferentes.
Nos livros ocidentais é contado que os portugueses conquistaram esta terra e, para marcar a fundação do Brasil, realizaram uma missa. Mas a outra versão dessa história, contada por Ailton Krenak no documentário Guerras do Brasil, da Netflix, entrega uma linha de raciocínio lógico.
“A gente pode buscar entender a nossa história com as diferentes matizes que ela tem e ser capaz de entender que não teve um evento fundador do Brasil. Quando os europeus chegaram aqui, eles podiam ter morrido na missão de escorbuto, ou qualquer outra pereba no litoral, se essa gente (os indígenas) não tivesse acolhido eles, ensinado a andar aqui e dado comida para eles. Porque os caras não sabiam nem pegar um caju; eles não sabiam, aliás, que caju era uma comida.”
Diante disso, percebe-se como os europeus foram ingratos e maldosos com sua visão de mundo etnocêntrica, que considera suas nações socialmente mais importantes do que as demais, ao impor seu modo de vida, roubar as riquezas naturais e escravizar os indígenas.
A consequência da invasão
Depois que o Brasil deixou de ser império, todas as Constituições da era republicana, ressalvada a omissão da Constituição de 1891, reconhecem aos indígenas direitos sobre os territórios por eles habitados.
A constituição 1988, parágrafo 1º, artigo 231, estabelece:
“São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.”
No entanto, essas terras foram arrasadas, a fauna e a flora mutiladas pela ganância pressuposta pelo modelo econômico. Os territórios indígenas foram diminuídos em comparação com o início da história do país e, ainda sim, são invadidos por madeireiros, garimpeiros, grileiros e pescadores ilegais.
A realidade brasileira demonstra que, mesmo amparados pela lei, cabe aos indígenas e seus aliados a difícil tarefa de fazer cumprir as leis, garantir o respeito aos direitos indígenas na prática, diante dos mais diversos interesses econômicos que insistem em ignorar a sua existência.
O genocídio diminuiu significativamente a população indígena, mas não os extinguiu. Em entrevista concedida ao Mercadizar, a artista, jornalista e ativista Djuena Tikuna explicou:
“Hoje, somos 305 povos, mais de 274 línguas indígenas vivas. A gente luta pelo território, pela terra, pelos rios, pela preservação, pelos territórios que estão em ameaça.”
A demarcação de terras indígenas é um dos pontos chaves para a proteção destes povos. Segundo o site Povos Indígenas do Brasil, existem 185 terras indígenas situadas na faixa de 150 km da fronteira em todo o país, dos quais 34 têm parte de seus limites colados na linha de fronteira. Do total, 75% encontram-se demarcadas e registradas em cartório. A demarcação das terras indígenas situadas em faixa de fronteira é uma providência fundamental para a regularização da situação fundiária, fator relevante para garantir estabilidade e evitar conflitos em regiões de fronteira.
Nas Disposições Constitucionais Transitórias, fixou-se em cinco anos o prazo para que todas as terras indígenas no Brasil fossem demarcadas. O prazo não foi cumprido, ocasionando o sucateamento das políticas voltadas à educação e à saúde dessa população.
O Marco Temporal, uma tese que deve ser julgada no Supremo Tribunal Federal (STF), defende que os povos indígenas só podem reivindicar os territórios habitados após o dia 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Brasileira; isto é, desconsiderando toda a história de violência e expropriação nesses mais de 500 anos de invasão dos territórios ancestrais.
A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) salienta que a tese ignora que muitos povos indígenas não conseguiram voltar às suas terras tradicionais antes desta data, justamente porque não tinham seus direitos territoriais reconhecidos pelo Estado brasileiro. No mais, os povos indígenas isolados, que não tiveram sua existência comprovada pelo Estado antes de 1988, também serão fortemente afetados, pois seus territórios e recursos serão abertos para a exploração predatória.
Um dever de todos
É impossível falar de preservação sem citar os guardiões das florestas: uma de suas principais lutas é a preservação do meio ambiente. Neste Dia Mundial da Floresta, reflita: por que preservar é tão importante?
“Porque é da Terra que nós tiramos os nossos alimentos, é dela que a gente sobrevive. Então as pessoas precisam ter consciência de cuidar da mãe natureza, do planeta Terra e da nossa biodiversidade”, diz Djuena.
Conhecer os Povos Originários e entender a sua luta é dever de todos como cidadãos. Quando questionada sobre qual é o papel dos não indígenas, Djuena foi assertiva:
“As pessoas precisam conhecer a cultura tradicional, os costumes, os rituais e aprender a respeitar essa diversidade. Porque, quando se fala da cultura, é ela quem apresenta tudo isso. Quando se fala de um alimento, dos costumes tradicionais que os povos originários têm, já vem desse território, dessa terra.”
Entender que somos direcionados a ter visão e pensamentos colonialistas é a primeira forma de quebrar essa barreira. Um exemplo é o pensamento “ele é indígena e tem celular?”. O fato de um indígena viver isolado ou na cidade não altera o seu direito de lutar pela preservação de sua cultura e de suas terras, assim como não lhe tira o direito de fazer uso da tecnologia presente na sociedade.
A partir das tecnologias e da internet, esse conhecimento ficou mais acessível para os não indígenas, pois os Povos Originários se articulam politicamente e informam a população sobre seus atos, suas conquistas, suas lutas e suas manifestações. Mas é dever da sociedade dar atenção a eles, ao invés de taxá-los como ingênuos. Referente a isso, Djuena Tikuna salienta que:
“A gente luta pelo território, pela terra, pelos rios, pela preservação, pelos territórios que estão em ameaça. Eu precisei fazer jornalismo para poder ter mais força para que as pessoas entendam que a gente não é inferior. Estamos aqui para passar a mensagem da nossa luta, da nossa resistência, e é o que eu mais faço através da música. Enquanto eu cantar, tô dizendo que meu povo existe e tá resistindo.”
Ela completa, ainda, como a visão colonialista afeta as relações entre indígenas e não indígenas. “As pessoas acham que os indígenas não tem opinião, que é tutelado, que o indígena tá sempre esperando que outros façam por ele. Não!”.
Neste Dia de Proteção às Florestas, repense nas suas atitudes, busque outras fontes de conhecimento e respeite aqueles que estavam no território brasileiro antes de nós.
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