Thaís Andrade; 07/05/2025 às 15:01

Um olhar sobre o cinema local

O atual cenário da produção cinematográfica nortista mostra seu potencial, mas enfrenta diversos desafios

Nos últimos anos, o cinema nortista tem mostrado o seu potencial, sendo destaque em festivais e premiações nacionais e internacionais. Muitos são os exemplos de obras que conseguiram ultrapassar as fronteiras geográficas locais que, muitas vezes, isolam os cineastas da região.

Arte: Mercadizar

“Manaus Hot City” (Amazonas, 2020): Entre diversos prêmios, venceu “Melhor filme” no Mammoth Lakes Film Festival (2021), na Califórnia, e no festival Mix Brasil (2021).

“O Território” (Rondônia, 2022): Venceu o Emmy Awards, em 2024, na categoria “Mérito Excepcional em Documentário”.

“O Barulho da Noite” (Tocantins, 2023): Premiado como “Melhor Filme de Ficção” na 11ª edição do Agenda Brasil – Festival Internazionale di Cinema Brasiliano, realizado na Itália. Nos Estados Unidos, no 17º Los Angeles Brazilian Film Festival (LABRFF 2024), conquistou os prêmios de “Melhor Longa-Metragem”, “Melhor Roteiro” e “Melhor Atriz”.

“Sete Cores da Amazônia” (Amazonas, 2022): Indicado ao Montreal Independent Film Festival, exibido na Mostra Livre Internacional de Cinema e na Mostra Cine Glocal.

“A Última Floresta” (Amazonas e Roraima, 2021): Venceu o 71º Festival de Berlim (2021) com o troféu do público na Mostra Panorama; o Prêmio Platino de Cinema Ibero-Americano (2022) como “Melhor Documentário”; e o Prêmio Grande Otelo do Cinema Brasileiro (2022) em “Melhor Longa-Metragem de Documentário”.

“Palasito” (Roraima, 2021): Premiado na categoria “Melhor Fotografia” no Paris International Short Festival (2022); na categoria “Melhor Curta, Melhor Fotografia e Melhor Figurino” na 5ª Edição do Festival de Cinema de Jaraguá do Sul 2022, entre outros.

Quem entende do assunto

Para entender sobre o atual panorama da produção cinematográfica do Norte do país, a Revista MDZ conversou com Caio Pimenta, crítico de cinema e fundador do site especializado Cine Set, e Diego Bauer, premiado roteirista, diretor e ator amazonense.

Para Diego Bauer, o potencial cinematográfico da região está totalmente ligado às discussões sobre a Amazônia e sua importância nacional e internacional. 

“De fato, nós temos um grande potencial e nós temos uma série de particularidades que, com certeza, fazem com que as obras artísticas produzidas aqui tenham um diferencial evidente. Ao mesmo tempo, a gente claramente se sente atrasado e se sente desprestigiado por uma série de questões econômicas, de oportunidade, de fluxo de produção, de quantidade de editais e prêmios relacionados à produção audiovisual. Tudo ainda muito pequeno, muito pouco”, explica Diego Bauer.

Diego Bauer (Foto: Acervo pessoal)

Do ponto de vista técnico, o crítico de cinema Caio Pimenta afirma perceber, no Amazonas, um momento de estagnação:

“Embora muita gente esteja produzindo devido aos editais da Lei Paulo Gustavo e Aldir Blanc, noto que as obras estão bem mais frágeis do que em tempos recentes. Até consigo perceber evoluções nos aspectos técnicos, especialmente na fotografia, mas, de modo geral, as produções recentes de curtas não parecem sair do lugar. A expectativa fica pelos longas previstos para serem lançados, como ‘Enquanto o Céu Não me Espera’, da Cristiane Garcia; ‘O Barco e o Rio’, do Bernardo Abinader; ‘Obeso Mórbido’, de Diego Bauer; entre outros.”

Nos últimos anos, a região também tem ganhado cada vez mais atenção de cineastas de outras regiões.

“Naturalmente, a Amazônia sempre foi muito visada pelo audiovisual, tanto nacional quanto internacional. ‘O Último Azul’ foi mais um exemplo de como a região atrai realizadores importantes e, desta vez, buscando olhar para cá com menos exotismo”, destaca Caio Pimenta.

Caio Pimenta (Acervo pessoal)

“O Último Azul” (2025), dirigido pelo pernambucano Gabriel Mascaro, foi filmado nas cidades amazonenses de Manaus, Manacapuru e Novo Airão. Valorizando talentos locais, contou com mais de 20 atores amazonenses, como Adanilo e Rosa Malagueta. A obra conquistou o “Urso de Prata” no 75º Festival Internacional de Cinema de Berlim.

Os principais desafios

Em sua trajetória, Diego Bauer roteirizou diversas obras de destaque. “Ri, Bola”, “Terra Nova” e “Enterrado no Quintal” são alguns dos filmes do diretor que foram exibidos em diversos festivais. Apesar das obras premiadas, de acordo com o diretor, a realização cinematográfica na região ainda enfrenta diversos desafios, como o alto custo das produções de cinema por conta dos equipamentos necessários, contratação de profissionais, cenários, entre outros, obrigando equipes a trabalharem em condições não ideais para o desenvolvimento da área.

“Acho que realmente falta um sistema contínuo de incentivo, seja através de editais ou de parcerias público-privadas. Mas que isso seja uma coisa que venha e não seja para conseguir respostas rápidas e curtas. Que isso seja contínuo e perene porque, dessa maneira, eu não tenho a menor dúvida de que o nosso potencial é de ser um polo de cinema no Brasil e também na América Latina”, afirma Diego Bauer.

De acordo com Caio Pimenta, o grande desafio é conseguir uma produção local com a mesma visibilidade e recursos financeiros necessários para se projetar nacional e internacionalmente. 

“Para isso, é preciso criar políticas públicas de incentivo, tanto por parte das gestões municipais quanto estaduais. No Amazonas, pelo menos, regredimos muito nesse sentido, pois as leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc, provenientes de verbas federais, acomodaram as gestões locais em criar seus próprios editais e políticas voltadas para o desenvolvimento do setor”, analisa o crítico de cinema.

“A Amazonas Film Commission está parada, não há nada próximo de um circuito exibidor para nossos filmes fora dos espaços do Centro de Manaus, com suas programações pontuais. Além disso, o curso de audiovisual da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) está com risco de ser fechado, pois não abriu turma no último vestibular. Fico pensando que, se houver uma troca no governo federal e os investimentos em cultura forem interrompidos, a situação será bem complicada”, alerta Caio Pimenta.

Quem precisa de cinema local?

A arte vai além de uma simples opção de entretenimento. Registrar histórias, compartilhar culturas e realidades, ser um meio para denúncias, e várias outras características são inerentes ao fazer artístico.

Nas telas de cinema, é possível compartilhar, com imagem e som, diferentes perspectivas de uma região ainda isolada do restante do país.

“Quanto mais a gente consegue encontrar maneiras de colocar características nossas, mais o projeto tem capacidade de ser único, particular e, por conta disso, chegar mais longe. Não há melhor estratégia, se quisermos fazer com que o nosso trabalho tenha alcance, do que falar sobre a gente, sobre a nossa perspectiva do lugar onde moramos”, pontua Diego Bauer.  

Imagem: Divulgação

Pega o balde de pipoca!

Caio Pimenta fez uma seleção especial de indicações de filmes nortistas, focando em obras recentes:

“Terra Nova”, de Diego Bauer (AM) 

“Alexandrina – Um Relâmpago”, de Keila Sankofa (AM)

“Hélio Melo”, de Leticia Rheingantz (AC) 

“Ela Mora Logo Ali”, de Fabiano Barros, Rafael Rogante (RO) 

“Cabana”, de Adriana de Faria (PA)

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