Thaís Andrade; 07/05/2025 às 14:33

É isso, não aquilo!

Muitos aspectos da maior região do país ainda são desconhecidos pelo restante do Brasil

A cultura nortista é rica, diversa e cheia de particularidades, mas ainda é comumente interpretada de forma equivocada por quem olha de fora. Muitos costumes, expressões e tradições da região são conhecidos de forma distorcida, mantendo estereótipos e informações erradas. O problema não está apenas na falta de conhecimento, mas na resistência em buscar aprendizado e corrigir equívocos. 

Arte: Mercadizar

É Boi-Bumbá, não Bumba Meu Boi

O Bumba Meu Boi e o Boi-Bumbá são manifestações culturais brasileiras com a mesma origem, mas com características distintas. O Bumba Meu Boi surgiu no Maranhão, baseado no auto do boi e protagonizado por personagens como Pai Francisco, Mãe Catirina, o amo do boi, os indígenas e o Gazumbá. A tradição chegou ao Amazonas no fim do século XIX, trazida por migrantes maranhenses, e se desenvolveu primeiro em Manaus, antes de se tornar o principal símbolo cultural de Parintins.

Com o tempo, o Boi-Bumbá ganhou identidade própria na Amazônia, tornando-se um dos maiores espetáculos folclóricos do país. Sua expressão mais famosa é o Festival de Parintins, onde os bois Garantido (vermelho) e Caprichoso (azul) se enfrentam no Bumbódromo, em uma disputa marcada pela participação das galeras e pela musicalidade da toada: músicas que narram lendas e exaltações regionais.

A tradição do Boi-Bumbá vai além de Parintins, estando presente em todo o Norte. Em Manaus, bois como Corre Campo, Garanhão, Tira Prosa, Clamor de um Povo, Brilhante e Galante de Manaus mantêm viva a brincadeira. Em Guajará-Mirim (RO), o Duelo na Fronteira promove a disputa entre os bois Malhadinho e Flor do Campo. 

Caprichoso e Garantido (Foto: Pitter Freitas/ Secom Parintins)

É indígena, não “índio”   

O termo “índio” é genérico e pejorativo, e desconsidera a grande variedade cultural e  linguística entre os povos indígenas. Já “indígena” significa “originário, aquele que está ali antes dos outros” e reflete melhor a identidade única de cada etnia. O movimento indígena defende o uso do termo para respeitar e valorizar a diversidade e a autodenominação dos povos originários. O termo abrange diversidade cultural e pluralidade étnica dos povos originários: costumes próprios, crenças, línguas, conhecimentos tradicionais, diversas etnias, manifestações religiosas, organização social, ancestralidade, entre muitos outros.

É maniçoba, não feijoada 

A maniçoba é um prato típico do Pará e, diferente da feijoada tradicional, utiliza a maniva, a folha da mandioca brava, triturada no lugar do feijão. Embora seja semelhante à feijoada na presença de carnes de porco, a maniçoba tem raízes indígenas e é servida com arroz branco, farinha d’água e pimenta. Por ser um prato com preparação e ingredientes únicos, a forma correta de se referir a ele é maniçoba, e não feijoada.

Maniçoba (Odineia Santos)

É desenvolvimento sustentável, não é só mato

A região Norte não se resume somente à floresta. É também um polo de tecnologia e inovação. Manaus, por exemplo, abriga a Zona Franca, que impulsiona a produção de eletrônicos, motocicletas e outros produtos de alta tecnologia. Além disso, cidades como Belém e Porto Velho têm startups em crescimento e universidades desenvolvendo pesquisas de ponta em bioeconomia, inteligência artificial e sustentabilidade. A Amazônia não está desconectada do futuro, ela o constrói.

Zona Franca de Manaus (Foto: Secretaria Geral)

É cultura local, não exótico 

Muitos consideram a culinária e os costumes nortistas como algo “exótico”, como se fossem meras curiosidades distantes da cultura brasileira. Porém, pratos como tacacá, maniçoba e açaí fazem parte do dia a dia da população da maior região do país, assim como o Boi-Bumbá e outras manifestações culturais. O que para alguns parece diferente, para nós é identidade, história e tradição. 

É identidade, não é fantasia

Os trajes, as pinturas corporais e manifestações culturais dos povos indígenas e ribeirinhos não são adereços e figurinos folclóricos, mas expressões de identidade, pertencimento e tradição. Muitas dessas vestimentas e grafismos carregam significados profundos, ligados à ancestralidade, ao território e à visão de mundo desses povos. Reduzi-los a fantasias para festas temáticas ou eventos turísticos desvaloriza sua importância e reforça estereótipos que distorcem a verdadeira riqueza cultural do Norte.

Foto: Alexandre Moraes

É encantado, não personagem 

Os encantados indígenas não são personagens de histórias folclóricas, eles são seres espirituais profundamente ligados à cultura dos povos indígenas, integrantes da sua cosmovisão e das práticas espirituais. Yara, Saci, Curupira e tantos outros não fazem parte de um folclore, mas de um universo espiritual que rege a relação do ser humano com a natureza e os seres invisíveis. Reduzir essas entidades espirituais a personagens folclóricos é desrespeitar sua importância cultural e invisibilizar o papel que desempenham culturalmente. Para os povos indígenas, os encantados não são mitos ou lendas, mas guardiões da terra, regentes da natureza e figuras de sabedoria espiritual.

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