Patrícia Patrocínio; 29/06/2022 às 17:00

Comunicação e diversidade: um olhar para a representatividade LGBTQIAP+

Todos os dias, novas pautas são adicionadas assim que surgem novas discussões sobre gênero e sexualidade, seja no âmbito político ou no social

A comunidade LGBTQIAP+ vive em constante mudança e evolução. Todos os dias, novas pautas são adicionadas assim que surgem novas discussões sobre gênero e sexualidade, seja no âmbito político ou no social. É essencial que a sociedade acompanhe essas pautas e que a mídia dê espaço a elas para que haja entendimento e, sobretudo, respeito pela diversidade. 

Anteriormente era usada a sigla GLS, que incluía exclusivamente gays, lésbicas e simpatizantes. Com grande foco comercial, a sigla foi criada em 1994 por Suzy Capó, jornalista, ativista e empresária, durante os preparativos do Mix Brasil, festival de cinema de temática LGBT. Com a revelação de outros espectros da sexualidade humana que ainda se mostravam distintas daquelas que eram representadas, novas siglas foram nascendo, bem como novos termos e novos conceitos. 

Antes de chegar às letras e seus significados, vale lembrar que compreender os grupos não tem a ver com rotulá-los, e sim conhecê-los na pluralidade que são. É preciso “destreinar” a cabeça e sair das caixinhas. 

Atualmente, a sigla mais completa para se referir à comunidade é “LGBTQIAP+”. A seguir, explicamos o que cada letra significa, quais grupos engloba e sua conceituação. 

Desvendando a Sigla 

  • LGB

O L diz respeito às lésbicas e o G, aos gays, respectivamente mulheres e homens que sentem atração afetivo-sexual por pessoas do mesmo gênero que o seu; enquanto o B representa as pessoas bissexuais, que sentem atração não condicionada a gênero. Até aqui, a sigla agrega grupos por orientação sexual.  

  • T

A partir do T, a sigla acolhe identidades de gênero dentro do amplo espectro da diversidade. Estão incluídas pessoas transexuais: aquelas que não se identificam com seu gênero socialmente designado no nascimento; e travestis, que apesar de transitarem pelo gênero oposto, não se sentem, de fato, em não conformidade com o gênero masculino. Durante muito tempo, o termo era considerado pejorativo ou associado à prostituição, e atualmente vem sendo ressignificado, passando a ter mais peso político. 

Uma pessoa transgênera rompe com o que está posto e transgride os códigos sociais e culturais atribuídos a cada gênero, uma vez que transita entre eles, como é o caso de não binários. São o oposto da pessoa cisgênero, que são homens e mulheres que se identificam com seu sexo de nascença. 

  • Q

Continuando a desvendar a sigla, o Q vem de Queer, um termo guarda-chuva que não tem definição exata, mas envolve uma pessoa de identidade fluida. No que ficou conhecido como “Teoria Queer”, questiona-se as noções de uma essência masculina, de uma essência feminina e de uma essência de desejo. 

  • I

O I, que é mais recente se comparado às outras, diz respeito ao intersexo, pessoas com variações corporais naturais, relacionadas ao desenvolvimento do sexo. São corpos que não correspondem ao padrão tipicamente aceito de homem e mulher. Pessoas intersexo podem ser de qualquer gênero e ter qualquer sexualidade. 

  • A 

O A agrega os assexuais, aqueles que não sentem atração sexual por outras pessoas, independentemente de orientação e gênero, e agêneros, que não se identificam com nenhum gênero.  

  • P

Já o P acolhe os polissexuais e pansexuais, ou seja, pessoas que sentem atração afetivo-sexual independente de gênero e orientação sexual. A inclusão do P na sigla ajuda a ressaltar a importância da inclusão de pessoas que são multiespectrais. 

  • +

O sinal de mais (+), que há alguns anos foi incorporado, abriga outras possibilidades de orientação sexual e identidade de gênero que não estão dentro da sigla, como os demissexuais, pessoas que sentem atração sexual apenas por pessoas com quem possuem vínculo emocional forte, e os não binários, ou seja, pessoas que não se percebem pertencentes a um único gênero exclusivamente. A propósito, a sigla já tem aparecido com o N ao final, LGBTQIAPN+, e a cada dia surgem novas vivências que vão trazendo mais cor para ela. Além disso, a comunidade é diversa e a experiência humana é complexa demais para caber dentro do alfabeto. 

Representar sem estereotipar 

Apesar da pluralidade que carrega a sigla, ao falarmos em representatividade na mídia ou no mercado de trabalho, é nítida a visibilidade que algumas letras recebem se comparadas a outras. Mas, primeiro, você sabe a diferença entre representatividade e visibilidade? Para o psicólogo e terapeuta afirmativo com foco em atendimento às pessoas LGBTQIAP+, Rodrigo Serrão, “a representatividade está relacionada com representação. Nesse caso, podemos ter ótimas representações LGBTQIAP+ em quaisquer setores da sociedade, sejam por meio de artistas, escritores, políticos, ativistas, empresas, grupos, símbolos, projetos sociais e muitos outros exemplos. Mas nem toda representatividade é uma boa visibilidade. Nesse caso, quando temos alguns estereótipos, principalmente na mídia, por exemplo, do gay afeminado sendo melhor amigo das mulheres ou cabeleireiro, ou ainda quando uma pessoa bissexual é representada como promíscua, quando são relegados a personagens superficiais sem contextos, nesse momento a visibilidade não está sendo uma boa representação”.

Contudo, a representatividade não tem só uma importância social. Na realidade, ela é extremamente importante para a construção da autoestima. Autoestima nada mais é do que a forma como a pessoa se enxerga no mundo, incluindo habilidades, personalidade e formas físicas. A baixa autoestima pode trazer problemas que vão de complicações físicas, como gastrite, dores de cabeça e musculares, ao desenvolvimento de doenças psicológicas, como depressão e ansiedade.

“Construímos a autoestima ao longo do nosso desenvolvimento. A maioria das pessoas LGBTQIAP+ crescem em ambientes não tão favoráveis à saída do armário e, por mais que exista um ambiente acolhedor dentro de casa, ainda crescemos dentro de uma sociedade machista, homofóbica e misógina, o que pode nos proporcionar vários tipos de violência. Uma criança ou adolescente, quando cresce assistindo na TV, nos cinemas ou lendo em livros histórias de personagens que se parecem com elas, isso traz um certo acolhimento, então percebem que não estão sozinhas”, complementa Serrão.

De dentro pra fora 

A construção desse ambiente acolhedor deve partir da própria comunidade, que não está ilesa a reprodução de falas e comportamentos, que, mesmo sem a intenção, acabam machucando o outro. Quanto mais forte o senso de coletivo, menores as chances de invisibilizar qualquer uma das letras. Para a publicitária Suzy Ramos, “apesar de existirem alguns avanços em termos de aceitação e criação de políticas públicas para a comunidade LGBTQIAP+, todo o histórico de preconceitos e complexidade de tratar a questão de maneira livre, a existência de informações em massa ainda não é tão significativa para atingir além dos que buscam essa informação”. 

Isso reflete diretamente na representação, principalmente na mídia, que acaba concentrando suas reportagens, campanhas publicitárias, novelas e filmes em estereótipos que não representam um terço do que seria considerado “ideal” em um universo mais igualitário. “Há uma ideia equivocada, por exemplo, de que bissexuais são pessoas indecisas ou que precisam preencher certos requisitos para essa orientação sexual ser legítima”, complementa Lu Guimarães, repórter do Portal O Norte. 

Autor do livro-reportagem Transresistência: Pessoas trans no mercado de trabalho, Caetano Vasconcelos acredita que a sigla “ainda é muito centralizada no G, são os homens gays, brancos, cis, que tão ainda no topo. Quando a gente para pra pensar em quem é que tá conseguindo acessar esses espaços, são esses corpos. As mulheres lésbicas, principalmente, ainda estão tentando ter uma visibilidade, mas normalmente ela é apagada e invisibilizada. Mas não tem como a gente falar que não são as pessoas trans que mais morrem em todo o mundo. Há anos e anos isso acontece”.

Além disso, ao olharmos do ponto de vista regional, essa visibilidade se torna menor ainda. Basta se perguntar: quantas pessoas nortistas que fazem parte da comunidade e estão presentes na mídia você conhece? Ou, quantas dessas pessoas trabalham com você? 

Inclusão de verdade!

Apesar dos avanços, ainda é difícil medir a participação da comunidade LGBTQIAP+ no mercado de trabalho, principalmente quando falamos de algum setor específico, como a comunicação. A ideia de pluralidade e inclusão vem ganhando força, mas é preciso pensá-la não só para o público, mas também para os funcionários, colaboradores e parceiros que precisam contar com esse ambiente seguro não só em datas sazonais como o mês de junho, no qual é celebrado o mês do orgulho LGBTQIAP+, período em que muitas marcas e empresas se tornam inclusivas. Mas será mesmo?

Fundador e CEO da agência de marketing de influência Mosaico, Yheuriet Kalil acredita que “falar com esse público apenas no mês do orgulho não é apenas oportunismo, mas também é ignorância. O público LGBTQIAP+ no Brasil é estimado em cerca de 18 milhões de pessoas de acordo com a ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais). Uma marca que não se comunica com tal parcela de consumidores ativos da população certamente não irá se manter relevante no mercado. Muitas empresas ainda estão habituadas a enxergar a inclusão de LGBTs como caridade em vez de uma necessidade de mercado. Fazer publicidade, surfar a onda e falar da pauta LGBTQIAP+ apenas no mês de junho não agrega muito na luta por mais inclusão. O público não é bobo e sabe reconhecer as empresas que estão ao seu lado nos outros meses. É importante as marcas se posicionarem de forma constante e verdadeira, investindo nos mais variados perfis. Afinal, LGBT é LGBT todo ano”.

Caetano concorda que “há sim um oportunismo. As marcas percebem que há uma demanda muito grande da população, ainda assim fora do ideal. Então a gente tá conseguindo avançar, e há essa cobrança da sociedade, de ativistas e artistas, então as marcas sabem, elas querem vender, e as empresas vão querer dizer que têm um funcionário trans, tem tantos funcionários negros, mas na verdade o que elas fazem é esvaziar a palavra diversidade”. 

Por onde começar? Essa é uma pergunta frequente entre as empresas que buscam verdadeiramente mais diversidade e inclusão no ambiente de trabalho. Lu Guimarães aponta que tudo precisa começar antes da contratação:

“É importante nos questionarmos constantemente: por que na minha empresa tem mais homens do que mulheres e por que a maioria deles é branco e cis? Quantas mulheres estão ocupando cargos de liderança na minha empresa atualmente? Quantas pessoas trans tem no meu time? O ambiente de trabalho é seguro para os meus funcionários?”

É assim que o empreendedorismo surge como uma alternativa para trazer oportunidades no mercado a essa população de forma consciente. Kalil destaca que “um fator decisivo para a comunidade consolidar seu espaço cada vez mais é termos startups, agências, comércios e negócios em geral criados por empreendedores LGBTs, e empresários que determinem que seu quadro de colaboradores seja exclusivo ou em sua maioria composta por membros pertencentes à sigla. Infelizmente, atualmente, não podemos contar com políticas públicas, então devemos criar espaços para modificar aos poucos o padrão representado na frente e por trás das câmeras: um mundo dominado por homens brancos cisgêneros e heterossexuais”. 

P.S. Tenha calma…

Como dito anteriormente, o espectro da sexualidade humana é mais complexo que o alfabeto, e acompanha a nossa evolução. A cada dia vão surgir novas identidades, novas siglas, novos termos, e você não precisa dominar cada uma delas nem se cobrar tanto para descobrir exatamente quem você é. Durante a produção dessa matéria, revi muita coisa que antes eu achava estarem certas sobre mim. Se antes eu me identificava como homem gay cis, hoje já não tenho tanta certeza, mas não tenho pressa. Sei que com o tempo as coisas ficarão mais claras ou não, o tempo é que dirá.    

*O Mercadizar não se responsabiliza pelos comentários postados nas plataformas digitais. Qualquer comentário considerado ofensivo ou que falte com respeito a outras pessoas poderá ser retirado do ar sem prévio aviso.