Thaís Andrade; 12/12/2024 às 12:57

Por que os criadores de conteúdo do Norte ainda são invisíveis para o mercado publicitário?

Cadê os criadores de conteúdo da região Norte nas campanhas publicitárias? Conheça a agência Vem do Norte

Amazônidas têm corpos, vozes e histórias. No entanto, esses corpos continuam fora do radar das grandes campanhas publicitárias, ignorados nas pautas e silenciados em suas narrativas. A resistência precisa ir além de um simples grito; uma revolução deve ser feita a partir de movimentos que realmente causem incômodo, questionando e, acima de tudo, gerando movimentos coletivos de sensibilização e transformação. Quando falam sobre empresas humanizadas e representativas, como pode uma empresa ser verdadeiramente diversa, plural e sustentável sem nortistas em suas ações e representações? A invisibilidade também é uma escolha.

André Buiati, Victor Israel e Camilla Diniz, sócios da Vem do Norte (Fotógrafo: Airê Queiroz)

E mais do que uma escolha, a invisibilidade reforça o apagamento da subsistência dos corpos amazônidas que continuam sendo silenciados e explorados. Então, vamos direto ao ponto: sua marca contrata criadores de conteúdo da região Norte para falar sobre este território tão visado?

A região Norte é rica em cultura, histórias e talentos. Ativistas como Marciele Albuquerque e José Kaeté (Zé na Rede), com projeção internacional e participação em eventos da Organização das Nações Unidas (ONU), e Janderson Peixeiro, de Parintins, no Amazonas, com números expressivos de engajamento, comprovam que o potencial está aqui.

Mas por que esses nomes não recebem os mesmos cachês ou oportunidades que influenciadores do eixo Sul-Sudeste?

Enquanto campanhas publicitárias exploram biomas e a cultura amazônica, os próprios amazônidas continuam invisíveis, excluídos de narrativas que deveriam ser lideradas por eles. Essa escolha perpetua desigualdades históricas, reforça estereótipos e contribui para o apagamento cultural de um território único.

Parque Nacional da Serra do Divisor, Parque Nacional do Tumucumaque, Festival Yawanawá, Parque Nacional de Anavilhanas, Pico da Neblina (o pico mais alto do Brasil), Encontro das Águas, Festival de Parintins, Mercado Ver-o-Peso, Parque Nacional Pacáas Novos, Serra do Tepequém, Jalapão, Círio de Nazaré, açaí, cupuaçu, tambaqui, tacacá, bacuri, maniçoba: sabe onde você encontra toda essa diversidade cultural, gastronômica, turística e histórica? Na região Norte! Que detém cerca de 68% de toda a água doce superficial do Brasil, principalmente devido à Bacia Hidrográfica do Rio Amazonas, a maior do mundo. Além disso, a região Norte concentra cerca de 20% de toda a água doce disponível na superfície terrestre.

A região Norte possui aproximadamente 19,9 milhões de habitantes, nos estados do Pará, Amazonas, Rondônia, Tocantins, Acre, Roraima e Amapá. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE – Censo 2022), do total de indígenas autodeclarados (1,7 milhão, de 305 etnias), mais da metade deles – 51,25% ou 867,9 mil indígenas – vivem na Amazônia Legal. Ainda conforme o IBGE, a composição racial da região Norte é de 73% da população parda e 7% preta.

Apesar dessa singularidade cultural, histórica e social, a região Norte ainda é invisibilizada. Até quando?

Com as questões climáticas latentes e o grito de “Salve a Amazônia” ecoando pelo mundo, o imaginário sobre a região Norte é uma fantasia distante da realidade dos seres e da população amazônica. Quando o assunto é sustentabilidade, muitas empresas preferem contratar pessoas de fora da região para “surfar na Pororoca” em comerciais publicitários. Muitas dessas empresas escolhem rostos do Sudeste para falar sobre pautas genuinamente nortistas, apagando o protagonismo e invisibilizando as vozes locais.

Quando a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP30), que acontecerá em Belém em 2025, começou a ser discutida em meio a essa projeção global, surgiu uma questão incômoda: onde estão os criadores de conteúdo amazônidas nesse debate?

Historicamente, eventos de grande porte realizados no Norte têm sido dominados por vozes de fora – estrangeiros e brasileiros de outras regiões, muitas vezes sem vivência ou entendimento profundo das realidades locais. A COP30, com sua importância política e midiática, corre o risco de repetir esse padrão, ignorando criadores de conteúdo e ativistas nortistas que vivem e respiram as questões da Amazônia todos os dias.

O que as empresas não percebem é que, ao ignorar os criadores de conteúdo da Amazônia, elas não estão apenas apagando indivíduos, mas todo um território, suas lutas e suas narrativas. É um desmatamento simbólico, que poda a diversidade cultural da mesma forma que nossas florestas são derrubadas.

Além disso, o pouco espaço dado aos criadores nortistas frequentemente vem acompanhado de cachês baixos e abordagens estereotipadas. Campanhas sobre sustentabilidade, que deveriam valorizar quem realmente entende o território, acabam reforçando um imaginário genérico e distorcido sobre a Amazônia.

Para André Buiati, um dos sócios da Vem do Norte (@vemdonorte), o grande desafio é mostrar o valor dos influenciadores do Norte, que produzem conteúdo de qualidade superior ao que muitas marcas estão acostumadas a ver no Sudeste. “É frustrante apresentar influenciadores incríveis, com conteúdo extraordinário, e ver que, por uma visão limitada, muitas vezes eles não são considerados para campanhas. As marcas do Sudeste ainda não percebem o alcance e a potência desses influenciadores. Há uma parte educacional a ser feita, para que entendam que esses criadores podem ser uma verdadeira força para suas campanhas.”

Enquanto marcas e agências do Sul-Sudeste exploram os biomas, os sabores e a cultura da região, as pessoas que realmente pertencem a esse território – os criadores de conteúdo nortistas – permanecem invisíveis. Essa invisibilidade é parte de uma longa história de apagamento cultural, econômico e social da Amazônia, que agora começa a ser desafiada por um movimento de resistência digital.

Conheça a agência Vem do Norte

Com toda a pluralidade regional, o incômodo tomou conta de corpos amazônicos que decidiram virar protagonistas de suas histórias, utilizar a internet para comunicar seus territórios, conhecer suas lendas, rios, animais, culinária, cultura e o quintal de suas casas. Por que, ainda assim, com todo o conhecimento das questões socioculturais e sustentáveis, precisamos recorrer a criadores de outros locais para comunicar a Amazônia, quando a região Norte tem um leque de opções qualificadas, que têm propriedade e são protagonistas de suas histórias, pertencendo a este lugar, desde seus ancestrais?

Buscando visibilidade para seus territórios, nasceu a primeira agência de criadores de conteúdo da região Norte: a Vem do Norte. Uma semente que foi plantada em junho de 2023 e que está sendo cuidadosamente cultivada para crescer como uma planta em solo fértil, com raízes profundas que conectam pessoas, histórias e causas. Quase como uma sumaúma, a agência cresce com propósito, estendendo seus galhos para apoiar criadores de conteúdo que dão voz à cultura, aos saberes e às lutas da Amazônia.

Criadores amazônidas carregam consigo a autenticidade de quem pertence ao território, de quem conhece os desafios e as riquezas da floresta, de quem vive a realidade das mudanças climáticas. Enquanto o mundo foca na Amazônia, o mercado publicitário e as empresas precisam fazer o mesmo. Este é o momento de dar protagonismo às vozes locais, de destacar influenciadores e ativistas que têm autoridade para falar sobre suas terras, suas comunidades e suas histórias. Por que não contratar criadores de conteúdo que realmente representam a Amazônia?

Camilla Diniz, também sócia da Vem do Norte, acredita que o movimento de valorização dos criadores de conteúdo da região Norte é uma questão de justiça e autenticidade. “É difícil ver tanto criador de conteúdo medíocre, com conteúdo raso e fútil, enquanto temos aqui no Norte produções de qualidade, incríveis, que são invisibilizadas só porque estão fora do eixo Rio-São Paulo. Muitas vezes, as marcas não querem fazer o esforço de levar esses influenciadores para os eventos, e sabemos que é caro para essas pessoas arcar com as despesas. Então, a ideia foi começar a inserir nossas pessoas e nosso know-how, mostrando a importância de termos um nortista falando pelo Norte, evitando os erros que vemos quando as marcas não fazem isso e acontecem os ‘micos'”, explica Diniz.

O fundador da agência, Victor Israel, conta que a criação da agência nasceu de um sentimento profundo de isolamento e resistência frente à desvalorização histórica do que é produzido no Norte. “Por muito tempo, a gente se viu solitário. O mundo sempre disse que o que era daqui não era bom, que o que vinha de fora é que era legal, era o que valia. Eu produzia conteúdo, mas ficava achando que o Norte não tinha voz, até o momento em que eu senti que deveria me posicionar para criar algo diferente”.

Victor Israel, André Buiati e Camilla Diniz, sócios da Vem do Norte (Fotógrafo: Airê Queiroz)

Esse sentimento de resistência não é apenas de quem cria, mas também de quem luta pela valorização de um território rico, plural e que, por tanto tempo, foi esquecido nas grandes narrativas. A Amazônia, com sua biodiversidade única, precisa ser representada por quem realmente a conhece e vive. E não só isso: a região deve ser mostrada de maneira que faça jus à sua importância global. Não basta apenas aparecer em comerciais vazios ou campanhas de marketing sem profundidade. O Norte precisa de um olhar mais respeitoso e honesto, mais conectado com a realidade e a luta das pessoas que constroem sua identidade todos os dias.

Criadores de conteúdo da região, que vivem a realidade amazônica, não são apenas produtores de imagens ou palavras. Eles são agentes de mudança, capazes de transformar as percepções sobre seus territórios. Eles sabem, de dentro para fora, os desafios que enfrentam, mas também sabem da força que a região tem, da sabedoria ancestral que ainda pulsa nas comunidades e do futuro que pode ser construído com as suas vozes à frente.

Maickson Serrão, o Pavulagem (Vila de Boim – PA), influenciador do casting da Vem do Norte (Fotógrafo: Airê Queiroz)

Não se trata apenas de promover um movimento de visibilidade, mas de criar novas possibilidades. Possibilidades para os criadores de conteúdo, para as empresas, e, principalmente, para o futuro da Amazônia. E a mensagem é clara: enquanto as grandes marcas e campanhas publicitárias não perceberem a necessidade de dar visibilidade às vozes nortistas, o movimento de resistência continuará crescendo, espalhando-se por todo o território, impulsionado pela força de quem conhece e ama a Amazônia.

A questão é simples: a Amazônia não pode ser apenas um conceito abstrato para os olhos de quem está distante. A Amazônia é feita de pessoas, de histórias, de um povo que tem muito a dizer. As marcas que realmente querem se conectar com a Amazônia precisam escutar essas vozes, e não apenas explorar o território para fins comerciais.

Esse é o verdadeiro trabalho de transformação que a Vem do Norte busca realizar. Não é só sobre fazer campanhas publicitárias ou marcar presença em eventos. É sobre fortalecer as bases locais, dando espaço e visibilidade para quem realmente pertence à Amazônia e conhece suas complexidades, desafios e riquezas. E isso é apenas o começo.

Cada vez mais, a resistência vai se transformar em protagonismo, e a Amazônia vai ser vista pelo mundo com o olhar de quem a conhece de verdade: seus próprios filhos.

Esse é o grito da Vem do Norte. E ele é mais do que necessário: é urgente.

Marciele Albuquerque (Juruti – PA) e Janderson “O Peixeiro” (Parintins – AM), influenciadores do casting da Vem do Norte (Fotógrafo: Airê Queiroz)

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