Idealizada pelos produtores Michelle Serra e Nando Motta e com participação do fotógrafo convidado Rafael Rodrigues, a exposição “Míticax” foi inaugurada no dia 11 de dezembro, na Casa Verde Alta, e é aberta a todo público de forma gratuita. O projeto é uma instalação de fotos hiperdimensionadas, sobrepostas com depoimentos em texto de mulheres de mais de 60 anos moradoras do bairro da Casa Verde, na cidade de São Paulo.
Mulheres negras, brancas, originárias, imigrantes, mães, avós, filhas, proletárias, donas de casas, periféricas e, ao mesmo tempo, invisibilizadas pela sociedade – e muitas vezes pelas próprias comunidades. Cada uma delas carrega consigo um legado e uma trajetória de pioneirismo em relação à transformação e ao crescimento de seu bairro.
O trabalho consiste em utilizar arquiteturas da própria Casa Verde, como as paredes dos muros, como plataforma para uma exposição fotográfica que irá alterar a paisagem e proporcionar uma interação visual com o público. A proposta é de uma exposição de fotos “ativa”, onde obra, história e espectador se misturam, quebrando barreiras na arte, na antropologia visual e nas intervenções urbanas.
O projeto propõe captar e revelar a potência dos olhares, das essências e das histórias dessas personagens, num processo que exige escuta e intimidade e que se orienta pela valorização de cada uma das mulheres participantes, de suas identidades e memórias.
“Eu sou uma pessoa iluminada; acho que quando a gente deseja o bem do próximo a nossa luz brilha mais, então eu levo isso para minha vida. Costumo dizer que sou uma pessoa protegida por Deus desde o ventre da minha mãe até o presente momento, e acredito que isso acaba refletindo ao participar desse projeto. Eu acho o bairro da Casa Verde tranquilo; aqui nasceram netos e bisnetos, cresceram pessoas do bem, então me sinto privilegiada em pertencer a esse bairro e poder me ver aqui”, explica dona Jane Serra, uma das senhoras retratadas no projeto.
Os principais objetivos e expectativas dos idealizadores do “Míticax” são de ressignificar não somente a maneira como as histórias dessas mulheres repercutem na sociedade, mas também o próprio local, que foi palco de diversas violências e de criminalidade, como comenta a produtora executiva Michelle Serra:
“Queremos que o projeto tenha um retorno imediato e direto tanto para as mulheres retratadas quanto para as pessoas que passarem pela exposição urbana. Nossa ideia é criar um conjunto de obras que alterem a paisagem, e ao mesmo tempo insiram a arte na vida e no cotidiano das pessoas do bairro e da cidade, inclusive democratizando o acesso à cultura.”
“Míticax” ficará exposto em muros da Casa Verde Alta até que o material perdure, como é comum na cultura do lambe. Os produtores ainda irão desenvolver um site e um perfil no Instagram, onde a exposição poderá ser revisitada de forma permanente.
“Ficarão o tempo que o clima e o tempo permitir. Isso é o bonito do trabalho, e o motivo pelo qual utilizaram papéis e colas de alta qualidade. São lambes, então desgastam com o tempo”, comenta a multiartista, comunicadora e arte-educadora Nega Cléo, diretora da GRIOT Assessoria, responsável pela assessoria de imprensa da intervenção artística.
Existe um grande desejo dos produtores de impactar tanto as mulheres que estão sendo retratadas, a partir da valorização e do destaque de suas conquistas e jornadas, como as outras gerações de mulheres da Casa Verde, que poderão se identificar com o trabalho.
“Na era onde se valoriza muito o agora, reconhecer a força e o caminhar do passado é criar laços e bases mais fortes para um futuro ainda melhor. Uma ruptura na rotina com instantes de poesia inseridos na vida das pessoas que caminham e vivem na quebrada. Enquanto todos vivem suas rotinas como uma massa de trabalhadores e pessoas sem rosto, nossa proposta busca valorizar os indivíduos e suas caminhadas. Um alerta de que há complexidade em cada pessoa e em cada história. Que há uma família em cada janela. Que cada mulher dessas é única, pois sua trajetória foi e é muito importante para as outras que estão e virão para esta quebrada depois delas, e por isso elas merecem e precisam ser valorizadas e lembradas. Sempre”, é o que acredita o coprodutor Nando Motta.
O projeto surge como um desdobramento do “Quebrada Viva”, idealizado por Michelle Serra no início de 2021, que por meio de intervenções urbanas, a partir de projeções a laser, espalhou diversas mensagens de conscientização, afeto e vivências sociais pelas periferias de São Paulo. As produções envolveram a participação de artistas como cantores, poetas, MCs e até mesmo pichadores paulistanos, repercutindo suas mensagens poéticas – e, até então, muitas vezes marginalizadas – em formato de arte. MV Bill, Conceição Evaristo, Brisa Flow, Rosa Luz, Nega Cléo e Massive M.I.A foram alguns dos artistas que participaram das exposições a laser durante as circulações pela cidade de São Paulo, entre 2021 e 2022.
A intervenção foi realizada a partir de recursos financeiros do MAR – Museu de Arte de Rua e da Secretaria Municipal de Cultura, com apoio da prefeitura da cidade de São Paulo.
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