Thaís Andrade; 06/03/2023 às 15:00

Manaus sediará o primeiro Grande Encontro Estadual do Extrativismo da Borracha

A iniciativa ‘Juntos pelo Extrativismo da Borracha Amazônica’ já promoveu o aumento da renda de famílias extrativistas e reunirá seringueiros em um encontro para avaliação da safra anterior e planejamento de atuação em 2023

Entre os dias 7 e 9 de março acontece em Manaus o Primeiro Grande Encontro Estadual do Extrativismo da Borracha. O evento é realizado no âmbito da iniciativa “Juntos pelo Extrativismo da Borracha Amazônica”, que tem o objetivo de fortalecer a cadeia de borracha nativa da Amazônia. No encontro, participantes vão avaliar o trabalho nesse primeiro ano de implementação da iniciativa e planejar as atividades para a próxima safra.

As atividades reúnem seringueiros de sete associações com produção na última safra dos municípios amazonenses de Pauini, Canutama, Eirunepé, Manicoré e Itacoatiara. Além desses, também foram convidados extrativistas de outros municípios interessados em ingressar na iniciativa (Apuí, Boca do Acre, Santarém e Tefé).

O evento contará com a presença de representantes dos governos municipais, do governo do estado do Amazonas e de instituições que atuam na iniciativa, como Memorial Chico Mendes, Conselho Nacional das Populações Extrativista (CNS), Plataforma Parceiros pela Amazônia (PPA), Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), Michelin Brasil e Singapura, e WWF-Brasil e WWF-França.

“Juntas, essas instituições têm atuado no Amazonas com foco na reativação da cadeia da borracha no estado. Nosso objetivo é desenvolver uma relação comercial justa, responsável e inclusiva, justamente porque acreditamos no potencial do extrativismo para a conservação da floresta em pé e para a valorização da cultura dos povos e populações tradicionais”, explica Adevaldo Costa, presidente do Memorial Chico Mendes, responsável pela implementação do projeto no território.

Resultados da safra 2022

O primeiro ano da iniciativa já acumula resultados de impacto em comunidades que até então não atuavam mais no extrativismo da borracha. Desde então, essas comunidades puderam retomar a produção e alcançar mais 60 toneladas de borracha comercializadas na safra 2022.

O projeto nasceu de uma parceria entre a Fundação Michelin e a Rede WWF. A partir do início das atividades da iniciativa, o escritório brasileiro da Michelin se integra a esse processo para a compra da borracha extraída de seringueiras nativas. Aproximadamente 250 famílias de seringueiros trabalharam diretamente na produção, gerando renda para essas famílias em uma transação que movimentou mais de R$ 700 mil.

“São iniciativas como esta, ambientalmente responsáveis, socialmente equilibradas e financeiramente viáveis, que colaboram e nos guiam em direção a um futuro a cada dia mais sustentável”, afirma Bruna Mesquita, especialista em Desenvolvimento Sustentável da Michelin.

Para fortalecer as sete associações, a iniciativa conseguiu viabilizar uma porcentagem por quilo de borracha produzida para cada associação, que nessa safra chegou a mais de R$ 100 mil, além do apoio com suporte jurídico, contábil, logístico e de compras no relacionamento entre associações, seringueiros e organizações privadas.

“A iniciativa gerou renda para as famílias da região e contribuiu de forma positiva para a valorização da floresta como um dos pilares de uma nova economia amazônica baseada no uso e na preservação da sociobiodiversidade. Esperamos que esse encontro seja um marco no estado na consolidação da cadeia da borracha”, ressalta Ricardo Mello, gerente de Conservação do WWF-Brasil. A remuneração diária dessas famílias foi de aproximadamente R$ 70. A expectativa é de que no próximo ano esse valor chegue a R$ 90, com o aumento da produtividade por árvore e investimentos em implementos necessários à produção de borracha.

Em 2023, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID Brasil) e a Plataforma Parceiros pela Amazônia (PPA) também somam esforços como parceiros estratégicos da iniciativa. Além disso, as instituições públicas também têm sido fortemente envolvidas nesse processo, como no apoio para a realização das operações logísticas nas comunidades, na regularização fiscal para acesso ao subsídio estadual de R$ 2 por cada quilo de borracha produzida e na aquisição de kits para extração. Além disso, instituições públicas assumiram o compromisso de participar do encontro em Manaus e recalcular o apoio para a safra de 2023.

Força do extrativismo

A extração do látex é feita no segundo semestre, na temporada seca. Já a safra da castanha ocorre no período chuvoso.

“Muitos extrativistas não têm noção da importância do que eles fazem ao manter a floresta de pé”, frisa Francisco Leandro do Nascimento Araújo, presidente da Associação dos Produtores Agroextrativistas de Canutama (ASPAC). “Hoje, com essa retomada, a borracha é o produto mais rentável. Tem seringueiro que tira dois salários-mínimos por mês”, valor maior do que a renda média dos trabalhadores formais de Canutama, que é de 1,4 salário-mínimo, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“Meu sonho é alavancar a cada dia mais a produção, porque a vida dos nossos extrativistas melhorou”, salienta Francisco Leandro. “Com o primeiro adiantamento que receberam da borracha, alguns seringueiros já adquiriram motor rabeta, canoa nova, bote de alumínio e equipamentos eletrônicos que não tinham em casa, como televisão e antena SKY. Eles fazem questão de vir contar na associação. Isso mexe com a autoestima deles e com a minha também, porque até os 15 anos eu vivi no seringal. Meu pai, que completou 70 em outubro, era seringueiro. Ele diz que se na época dele a borracha fosse valorizada como agora, dava para enricar.”

Processo de produção de borracha natural nativa

A produção da borracha envolve o manejo de seringueiras de ocorrência nativa nas florestas amazônicas. O processo de manipulação e a produção envolvem atividades com baixo impacto ambiental, contendo uma floresta intacta e sem degradação, utilizando apenas pequenas aberturas de trilha na mata adensada. Uma família normalmente maneja uma área de 400 a 800 hectares de floresta para a produção média de 700 kg por safra de borracha. Como as atividades extrativistas se intercalam ao longo do ano, o produtor costuma trabalhar (comercialmente) com três até seis cadeias produtivas (concomitantemente com atividades de subsistência), sendo cada uma delas de grande importância para a composição de sua renda. A renda desse produto, somada a outros produtos da sociobiodiversidade em uma mesma área (castanha-do-brasil, pescados, óleos de copaíba, entre outros), fornece o meio de vida e renda para milhares de famílias que vivem em reservas extrativistas (RESEX) e demais áreas protegidas de uso direto, além de território indígenas e ribeirinhos.

Se a economia local é beneficiada, há possibilidade de redução da pobreza, acesso a serviços básicos e melhoria na qualidade de vida. Com a criação de arranjos financeiros, as associações de produtores passam a ter participação ativa e outras cadeias produtivas também acabam sendo beneficiadas. Além dos impactos sociais, a extração de látex nativo incentiva que a Floresta Amazônica fique em pé, trazendo valor para a seringueira, o que pode diminuir as pressões de desmatamento que o bioma Amazônia sofre.

Os desafios a serem superados

O devido aproveitamento do potencial da borracha nativa exige a superação de alguns gargalos, como a necessidade de técnicas de aprimoramento da qualidade do produto oferecido e modelos de produção que considerem o ciclo natural da borracha, as grandes distâncias percorridas para poder comercializar o produto e a fragmentação e demora no receber dos recursos de subvenção, além da necessidade de apoio para a manutenção da regularidade fiscal das organizações de apoio local do produtor. Para superar tais obstáculos e destravar o potencial desta cadeia, novos arranjos produtivos e financeiros entre organizações extrativistas, empresas e governos já estão sendo estabelecidos.

Um dos principais desafios é reverter a tendência de redução no número de seringueiros por causa do êxodo do público mais jovem. Essa diminuição está associada à falta de estímulo junto aos produtores, incluindo o baixo preço pago ao produto, a insegurança de mercado nas safras, a ausência de políticas públicas efetivas de melhorias e o baixo uso de tecnologias. Essas questões refletem nas famílias extrativistas, pois geram desmotivação para o envolvimento de novos membros com a atividade, sendo esta muitas vezes encarada pelos familiares como uma atividade ultrapassada.

Serviço

Evento: Grande Encontro Estadual do Extrativismo da Borracha

Data: de 7 a 9 de março de 2023

Horário: das 8h30 às 18h

Local: Inspetoria Missionário Laura Vicuna – Av. André Araújo, 2230, Petrópolis, Manaus (AM)

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